RESORTS E HOTÉIS NÃO SE SUSTENTARÃO
A partir de 2019, em algumas cidades turísticas e de veraneio no Brasil, aumentaram os lançamentos de resorts e hotéis, onde os vendedores oferecem ao público a possibilidade de comprar uma quota de uma unidade hoteleira, que poderá ser utilizada por determinado tempo, em condições financeiras que se apresentam vantajosas. Ocorre que já começaram a surgir problemas graves de empreendimentos sem qualquer planejamento, os quais resultarão em prejuízos expressivos para os compradores que ignoram as particularidades desse tipo de transação.
A Lei n° 13.777 de 20/12/18 alterou o Código Civil para tratar do regime jurídico da multipropriedade, que regulamenta o parcelamento temporal de um imóvel para que cada coproprietário possa usá-lo durante um determinado período pré-definido. Esse tipo de negócio existe há décadas no exterior, sendo conhecido como time sharing, pelo qual em cidades como Orlando, Miami e Cancun se comercializa a utilização de hotéis e resorts.
A ideia é boa e certamente existem empresários e construtoras bem intencionados atuando na área, que promovem empreendimentos interessantes. Porém, como de costume, no Brasil surgem os aventureiros que passam a iludir os turistas desavisados com promessas mirabolantes, utilizando-se de marketing agressivo e da falta de conhecimento sobre um tipo de negócio altamente complexo.
MARKENTIG SOFISTICADO INDUZ A COMPRA RÁPIDA
Em cidades como Gramado, Caldas Novas, Búzios, dentre outras, vendedores sem qualquer compromisso com o êxito futuro do empreendimento – pois inexiste estudo de viabilidade econômica e operacional – têm ofertado quotas de parcelamento de tempo de unidades em Resorts e Hotéis.
As abordagens ocorrem com o oferecimento de brindes atrativos, como jantares caros, ingressos para parques temáticos de primeira linha (semelhante ao que acontece em Orlando/Disney World) e estadias em hotéis para que o cliente disponibilize seu tempo para assistir à apresentação de uma super equipe de vendedores. Os possíveis compradores são conduzidos a um local confortável, decorado, com profissionais de venda altamente preparados para criar um ambiente perfeito para seduzi-los com uma estratégia de marketing encantadora, o que não é ilícito ou irregular.
Entretanto, inúmeras reclamações no site “Reclame Aqui” demonstram que em muitos casos informações importantes não são fornecidas aos consumidores, pois o foco da apresentação é vender a ideia de “oportunidade única” para o comprador. Em vários casos o comprador é impedido de tomar notas dos dados e de utilizar uma calculadora, pois se fizer as contas perceberá que o negócio não é aquela maravilha, tanto é que não pode levar o contrato para casa para avaliá-lo com calma junto com um advogado. Assim, muitos adquirentes acabam comprando a quota de uma multipropriedade sem ter plena ciência da realidade do negócio.
NEGÓCIO COMPLEXO E A ASSINATURA DO CONTRATO SEM REFLEXÃO
Levados pelas ofertas aparentemente vantajosas, que são passadas aos clientes com ar de espetáculo, algumas vezes regado a espumantes, os consumidores deixam de verificar o básico. Em que estágio está a obra? É possível registrar o contrato no Ofício de Registro de Imóveis? O empreendimento tem incorporação registrada, está livre de ônus ou com algum impedimento? Quem irá administrá-lo e qual a sua expertise? É viável financeiramente? E os custos dos quartos desocupados? Sabemos que vários são os apart-hotéis que os proprietários têm que pagar as quotas de condomínio já que a taxa de ocupação não cobre nem os custos da operadora e de manutenção da edificação.
Não são passadas informações importantes antes de fechar o negócio, o que resulta em diversas reclamações e demandas judiciais que têm alto custo. Esses problemas seriam evitados com uma reflexão ou consulta prévia a um advogado atuante na área imobiliária, pois este perceberia as falhas do contrato e da documentação do imóvel que não se compara com a estrutura dos empreendimentos vendidos nos Estados Unidos que fazem parte de uma cadeia hoteleira com centenas de opções que decorrem de décadas de operação.
Em breve, lamentavelmente, veremos compradores relatando em Juízo que estavam em férias e que pensavam que tiveram sorte ao receberem um brinde, que no final saiu muito caro.
Esse artigo foi publicado no Jornal Diário do Comércio
Kênio de Souza Pereira
Vice-Presidente da Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB Federal
Conselheiro da CMI-MG e do SECOVI-MG
Membro do IBRADIM – Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário
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