Um condomínio com quase 400 apartamentos, que cobrava cerca de 150% a mais de quota de condomínio das 10 coberturas com base no rateio pela fração ideal, foi condenado a dividir as despesas de maneira igualitária, diante da constatação que os custos de manutenção e conservação decorrem da disponibilidade e utilização das áreas comuns. Em que pese os esforços do condomínio pela não realização da perícia, querendo limitar o julgamento simplesmente para afirmar a legalidade da fração ideal, esta foi realizada e pôde demonstrar a dimensão da injustiça de cobrar a mais do proprietário que possui uma unidade maior ou que tem maior valor, pois esse parâmetro é utilizado somente para se cobrar impostos, como o ITBI e o IPTU. Provou que as despesas são geradas nas áreas comuns, que no caso desse grande condomínio se destacam por ter piscinas, quadras de tênis e poliesportivas, sauna, jardins com pista de cooper, brinquedoteca, espaços gourmet e de festas, etc. Os serviços e empregados são disponibilizados e usufruídos igualmente por todos os moradores, sem qualquer relação com o tamanho dos apartamentos que têm a mesma média de moradores, conforme apurou o perito judicial.
AFRONTA A 5 ARTIGOS DO CC QUANDO A COBRANÇA CAUSA ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
A fração ideal é prevista em lei (art. 12 Lei 4.591/64 e art. 1.336, I CC) e isso não se discute, sendo essa confusão o motivo dos equívocos em algumas decisões do STJ que teriam outro resultado se a perícia tivesse sido realizada. O que deve ser analisado e que fez os Desembargadores do TJMG decidirem que o rateio deva ser igualitário, foi a verificação com base lógica e técnica respalda pela perícia, que no caso concreto a divisão pela fração ideal fazia as coberturas pagarem a mais 150% do que as demais centenas de apartamentos tipo, pelos custos de serviços e empregados que atuam somente nas áreas comuns que são disponibilizadas a todos de forma igual. Com essa análise ficou evidente que a fração ideal é legal, mas ela não prevalece quando sua aplicação fere os artigos 157, 421 422, 884 e 2.035 do CC, além do art. 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB).
Seriam evitados os erros de entender que a quota de condomínio deveria ser calculada como se fosse um imposto e ignorar que condomínio edilício tem dois tipos de propriedade (área privativa e comum), sendo bem diferente de condomínio geral ou voluntário previsto no art. 1.315 CC. A perícia judicial, feita por engenheiro civil, demonstra que a fração ideal foi criada para dividir despesas de construção, conforme art. 12 da Lei 4.951/64, o que é bem diferente da divisão das despesas de manutenção das áreas comuns que resultam na quota de condomínio prevista no art. 24 da mesma Lei.
PERÍCIA ELIMINA DÚVIDAS SOBRE USO INDEVIDO DA FRAÇÃO IDEAL
É elogiável o aprofundamento dos Desembargadores que citaram no acórdão ser dever do Judiciário coibir o enriquecimento sem causa, uma vez que as centenas de apartamentos tipo, que representam 93,5% do condomínio, nunca aprovariam o rateio justo por se beneficiarem da fração ideal. A única solução das coberturas, que representam 6,5%, foi requerer à Justiça um rateio equânime, de maneira que cada unidade pagasse conforme o benefício que obtém dos serviços e empregados, que a própria lei determina que devam ser igualitários nos termos dos artigos 19 da Lei 4.591/64 e 1335 do CC, pois proíbe que alguém utilize a mais que os vizinhos.
O acórdão publicado em 14/07/20, esclarece vários pontos que se fossem melhor estudados pelos construtores e gestores dos condomínios, evitaria as demandas judiciais que visam eliminar cobranças abusivas, sendo que afirma: “Diante do exposto, não se me afigura justo que o condômino de determinado apartamento com área maior caso dos Autores pague a taxa de condomínio invariavelmente baseada no valor econômico do seu imóvel, quando na verdade, as despesas com custeio descritas inclusive na minuta de Convenção de Condomínio anexada ao documento eletrônico de ordem nº 6 e 7 (custos de manutenção, limpeza, conservação, segurança e funcionamento do condomínio item c do item 8.1 de f. 96) beneficiam a todos.”
O acórdão cita que “a cobrança de rateio de despesas de condomínio de unidade com fração ideal maior pressupõe enriquecimento sem causa abominado pelo artigo 884 do CC, devendo ser observado o princípio do proveito efetivo. É que, por se tratar de áreas comuns, a soma das despesas dever ser igualmente dividida, considerando que todos fazem uso igualitário do espaço e de seus benefícios, sendo, portanto, incabível o rateio no critério das frações ideais”. A clareza do entendimento citado teve como base a perícia realizada, já que foi considerado no laudo aquilo que parece óbvio, mas que muitas vezes, por falta de reflexão, não é compreendido de imediato: “É necessário informar que as áreas do Condomínio… podem ser utilizadas de forma igualitária por todas as unidades autônomas, independentemente da sua área privativa, ou do seu coeficiente de proporcionalidade”.
Diante da evolução sobre a matéria temos constatado o crescimento das construtoras que têm adotado o rateio igualitário, ou seja, deixado de utilizar a fração ideal nos edifícios com unidades com coberturas e apartamentos térreos, evitando assim conflitos e propiciando uma administração harmoniosa.
Esse artigo foi publicado no Jornal o Tempo.
Kênio de Souza Pereira
Advogado e presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG
Conselheiro da Câmara do Mercado Imobiliário de MG e do Secovi-MG
Vice-presidente da Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB Federal
Membro do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário – IBRADIM