Fechar o recuo frontal do edifício exige conhecimento jurídico
A crise causada pela pandemia do coronavírus afetou diretamente a economia, resultando no fechamento de mais de 600 mil empresas conforme informado pelo SEBRAE, gerando desemprego em franca elevação. Esse triste contexto acarreta um cenário de aumento de pobreza, que já se percebe pelas ruas das grandes cidades. Lamentavelmente, cresce o número de desabrigados entre famílias que nunca imaginaram passar por tal situação, pois trocaram a moradia locada ou financiada por barracas diante da perda da capacidade de pagamento, havendo outras que, para se protegerem minimamente, ocupam espaços sob marquises e os recuos de construções dos edifícios. A prefeitura criou normas que determinam que as novas edificações sejam recuadas para facilitar, no futuro, a ampliação da largura das avenidas e ruas. Entretanto, ninguém pensou que esses recuos seriam ocupados com moradias de papelão ou por pessoas drogadas e outras que praticantes de atos libidinosos ou delitos.
Novo tipo de ocupantes gera comoção e constrangimento, mas o risco existe
A presença dessas pessoas em locais inapropriados para moradia é fonte de conflito entre elas e os proprietários ou inquilinos das lojas que estão fechadas há tempos e de outras que são invadidas, sendo as portas de aço arrombadas sem ninguém perceber diante dos cobertores e papelões que impedem a visualização do que acontece à noite naqueles locais. Apesar de vítimas da crise, sendo a grande maioria pessoas de boa índole, é inegável que a presença irregular causa receio aos frequentadores – trabalhadores, clientes, moradores, crianças ou visitantes – dos apartamentos, salas ou lojas, sendo natural que sejam frequentemente solicitados a buscarem um outro local para ocupar.
Muitos são os casos de proprietários ou inquilinos que, sensibilizados com a situação vivida pelos desabrigados, evitam acionar as autoridades, como a polícia ou a o setor social da prefeitura, pois temem causar ainda mais sofrimento a quem já tem sido massacrado pela recessão da economia e pela ineficiência da Administração Pública. Porém, nunca se sabe como a pessoa que se encontra irregularmente no local irá receber a um pedido de desocupação. É inocente quem acredita que não há riscos em tratar diretamente com alguns moradores de rua, pois em meio a boas pessoas, há aqueles mais nervosos ou até dependentes químicos, que podem sim reagir com agressividade.
Cuidado com a frente dos imóveis – fechamento do recuo
O imóvel que não cumpre sua função social, que fica abandonado torna-se alvo fácil para ocupação irregular e futura ação de usucapião. Cabe ao proprietário cuidar dele, mantendo-o limpo, a fim de demonstrar que o local pertence a alguém que o utiliza.
Tratando-se dos recuos dos edifícios, diante da incapacidade do Poder Público impedir a ocupação irregular, o indicado é fechá-los, pois assim evita-se riscos à segurança. A instalação de grades ou vidros temperados representa um pequeno investimento que pode evitar um grande transtorno, como a desvalorização dos apartamentos, salas e lojas e os riscos à segurança que refletem na dificuldade de alguém desejar comprar ou locar nesses locais.
O desabrigado que ocupa uma área irregularmente, pode ser uma vítima desesperada da crise, especialmente diante do constrangimento perante seus familiares, podendo vir a entrar em choque com um morador, porteiro ou síndico que peça para ele não ficar na porta do edifício. É fácil tal abordagem visando solucionar um inconveniente vir a gerar uma discussão acalorada que pode resultar em uma tragédia. Evitar o conflito direto é a melhor alternativa, sendo melhor investir na consultoria jurídica para fechar o recuo do prédio do que ficar inerte esperando um milagre que venha a eliminar essa triste situação que tende, diante da pandemia, se agravar.
Esse artigo foi publicado no Jornal Hoje em Dia
Kênio de Souza Pereira
Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG
Vice-presidente da Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB Federal
Conselheiro do Secovi-MG e da Câmara do Mercado Imobiliário de MG
kenio@keniopereiraadvogados.com.br