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PIX NÃO SUBSTITUI SEGURANÇA DO BOLETO NA LOCAÇÃO E NO CONDOMÍNIO

   A novidade do PIX, que permitirá transferências de dinheiro e pagamentos instantâneos a qualquer hora ou dia, sem nenhum custo, tende substituir o DOC e o TED por gerar economia. Entretanto, o PIX que entrará em pleno funcionamento a partir de 16/11/20, não substituirá o boleto que se consagrou pela segurança ao permitir ao credor o controle célere do pagamento, que evita que o devedor pague valor diferente do contratado e que acarreta ao devedor tranquilidade de não ser cobrado em duplicidade.  Há anos as imobiliárias que administram milhares de imóveis passaram a adotar os boletos em decorrência da solicitação dos inquilinos que desejaram evitar os custos com o deslocamento que era necessário para pagar a obrigação na sede da empresa.                       

   Motivados pela comodidade e pelo transtorno de não ser possível encontrar o síndico em casa 24h a qualquer dia e nos fins de semana para receber a taxa, os condomínios seguiram o mesmo caminho, ou seja, passaram a adotar o boleto que permite, inclusive, que o credor insira mensagens e orientações relevantes para a segurança da transação. Além disso, o boleto evoluiu, pois mesmo sendo pago após o vencimento, o cálculo da multa, juros e correção são realizados automaticamente, evitando que seja necessário emitir outro documento.

FORNECER CHAVE EXIGIRÁ CUIDADO PARA EVITAR PROBLEMAS                       

   Portanto, caso o PIX não venha a oferecer um controle de pagamentos para as empresas que necessitam das informações que o sistema de boleto possibilita, será impossível evitar os custos decorrentes da sua emissão.  A inovação do PIX é boa para o mercado, mas por outro lado facilitará a fraude em diversas situações, podendo gerar prejuízo para quem fornecer, sem a devida cautela, a sua “chave de endereçamento”, que se origina do e-mail, CPF, nº de telefone ou código de nºs e letras aleatório, chamado de EVP, do favorecido pela transferência. O sistema nem começou a funcionar e já circulam notícias de bancos ou terceiros se utilizando desses dados, sem autorização da pessoa, para criar chaves falsas ou à revelia do cliente.                       

   Como de costume, haverá aqueles que insistirão em não pagar os custos de emissão do boleto bancário, tentando ignorar que assumiram tal compromisso ao assinarem o contrato, dentre eles, o de locação, compra ou no caso do condomínio a ata da assembleia que aprovou que o credor receberá o crédito somente por meio do boleto que contém os dados que permitem o controle de quem se encontra inadimplente ou em dia.

LEI DE LOCAÇÃO EXIGE QUE LOCADOR TENHA CONTROLE DO RECEBIMENTO                       

   No caso das locações é fundamental o controle sobre o valor que é pago pelo inquilino para evitar problemas judiciais, dentre eles a sabotagem em relação a Ação Revisional de Aluguel (art. 19 da Lei 8.245/91) ou em relação a Ação de Despejo por Falta de Pagamento que preveem ônus a ser assumido pelo inquilino que provoca a demanda judicial. No caso da Ação Revisional que exige o prazo de três anos sem que ocorra qualquer acordo no valor para que seja possível ajustar o aluguel defasado ao valor de mercado, caso seja realizado um depósito irregular diante da evidência de que haverá o litígio, poderá o proprietário/locador ter prejuízos ao andamento do processo.                       

   Da mesma forma, após a distribuição da Ação de Despejo por Falta de Pagamento, o locador que tiver fornecido sua conta bancária (PIX), poderá vir a ter problemas nesse processo diante a malícia do inquilino ignorar o procedimento judicial distribuído em decorrência do atraso e realizar a transferência do valor do aluguel à revelia do locador. Essa atitude irregular poderá causar prejuízo ao locador ou imobiliária com as despesas processuais, além dos honorários advocatícios diante do risco do Juiz entender que a dívida foi quitada pelo devedor e que o processo judicial teria sido precipitado.

LOCADOR E CONDOMÍNIO: RISCO SE CRIAREM CHAVE PIX FÁCIL ÓBVIA                       

   Em decorrência das regras do Código do Processo Civil, da Lei do Inquilinato e do Código Civil, que acarretam situações de risco para quem tem crédito mensal a receber que não permite erro quanto ao valor exato a ser pago ou que resulta em multa ou rescisão do negócio no caso de atraso, caberá a esses credores terem muito cuidado quanto à decisão de criarem uma chave PIX simples de adivinhar ou óbvia, com base em dados de fácil acesso como o CPF, número de celular ou e-mail.                       

   Vários são os casos de locadores que tiveram grande prejuízo ao passarem sua conta bancária para o inquilino efetuar depósitos mensais, pois tal ingenuidade propicia a sabotagem de processos judiciais que decorrem do desentendimento do locador ou do inquilino ao discordarem da revisão do valor do aluguel com base no preço de mercado.  O choque de interesses é comum, pois há interesses antagônicos entre credor e devedor, sendo que a falta de um acordo poderá gerar depósito indevido para tumultuar uma transação ou processo.                       

   Da mesma maneira os condomínios, estabelecimentos comerciais e empresas que têm grande volume de recebimentos, poderão vir a ter descontrole de caixa diante a ausência do sistema de Carteira de Boletos, especialmente se criarem a chave PIX com base em dados públicos, como o CNPJ, e-mail ou o telefone.

CHAVE PIX DIFÍCIL DE SER DESCOBERTA IMPEDE DEPÓSITO INDESEJÁVEL                       

   Até que o Banco Central forneça um sistema seguro às imobiliárias, condomínios, locadores, comerciantes e empresas que necessitam de controle rígido em relação aos recebimentos, será aconselhável que esses, caso criem chaves PIX, se utilizem de QR Code, de códigos complexos ou aleatórios. Assim, evitarão o risco de utilizar dado de fácil acesso que poderá favorecer o tumulto e polêmica numa relação contratual ou processual em decorrência de depósito malicioso.                       

   O fato da pessoa jurídica que utilizar o PIX ter que pagar uma tarifa, poderá vir a ser pouco atrativo para algumas empresas.  Por outro lado, a população em geral, que não utiliza a conta bancária para realizar negócios, não corre esse risco, sendo o PIX bem interessante para as pessoas físicas por não ter custos e facilitar a inclusão de milhões de cidadãos que não têm recursos para participar do sistema bancário.

JURISPRUDÊNCIA CONSAGROU DEVER DE RESPEITAR O CONTRATO                       

   Quanto à legalidade da tarifa que o banco cobra para emitir o boleto, o STJ pacificou o entendimento de que entre locador e inquilino não há relação de consumo, pois essa é regulada pela Lei do Inquilinato nº 8.245/91.  Por ser direito disponível, cabe ao inquilino assumir tal pagamento, com base no art. 327 do Código Civil, que trataDo lugar do pagamento, pois tal sistema foi adotado para facilitar a quitação do aluguel por parte do devedor. Além disso, o inciso VIII, do art. 22 da Lei nº 8.245/91 permite a contratação que transfere essa taxa ao inquilino.                       

   Há inúmeras decisões judiciais confirmando as leis que regulam essas relações não se sujeitam a nenhuma Resolução, Circular ou Portaria do Banco Central. Por todos serem obrigados a respeitar a Constituição Federal, o ato jurídico perfeito, a hierarquia e a especialidade das normas, o contrato prevalece em prol da segurança jurídica. Diante da evolução e da tecnologia fica evidente a importância da redação técnica dos contratos, devendo constar de que maneira minuciosa como deverão ocorrer os pagamentos. 

 

Esse artigo foi publicado no Jornal O Tempo.

 

Kênio de Souza Pereira

Advogado e Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG.

Vice-presidente da Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB Federal

Conselheiro do Secovi-MG e da Câmara do Mercado Imobiliário de MG

Membro de IBRADIM – Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário

kenio@keniopereiraadvogados.com.br