SEGURO DO IMÓVEL FINANCIADO DEVE SER ABRAGENTE E EFICAZ
Com o aumento dos casos de mutuários que, por motivo de doença, perderam a capacidade de trabalhar para obter rendimento para pagar as prestações dos financiamentos imobiliários e considerando o progressivo crescimento da expectativa de vida, muitos devedores estão sendo surpreendidos com a negativa da Companhia Seguradora em quitar o saldo devedor. A Seguradora alega que a apólice não cobre casos de doenças, apenas a invalidez permanente total em decorrência de acidente ou no caso de morte. Dessa forma, inúmeras pessoas que compraram a moradia para a segurança da família, que atuam como autônomos ou empregados (sem as benesses do alto escalão do setor público), no momento que sofrem um AVC, Parkinson, Alzheimer, ELA, enfim qualquer doença neurodegenerativa ou outra que venha a impedir o mutuário de trabalhar, acabam perdendo a propriedade em decorrência da inadimplência.
PERDA DA MORADIA OCORRE POR DÍVIDA DE PEQUENO VALOR
Há casos do proprietário ter pago R$400 mil, ou seja, 80% do valor da moradia e perdê-la por dever R$100 mil, com apenas seis meses de atraso. Diante da necessidade de obter uma moradia melhor, há ainda diversas situações que decorrem do fato do mutuário ter vendido a sua casa que estava quitada, ter juntado uma parte em dinheiro e financiando um valor menor. Entretanto, ao final, ao perder a condição de pagar por causa da doença, acaba ficando sem onde morar por não pagar, às vezes, 10% do valor do imóvel atual. Esse pequeno percentual não quitado faz o imóvel ser leiloado diante da negativa da Cia. Seguradora.
Essa situação de prejuízo decorre da falta de conhecimento daqueles que financiam a moradia ou local de trabalho, às vezes, por 30 anos, sem ter a orientação de um corretor de seguros. O correto é o seguro proteger o comprador pelo tempo da compra e o prazo total da execução do contrato com a sua obrigação de pagar as prestações.
TODOS IMAGINAM QUE SEGURO É AMPLO E NÃO PARCIAL
Qualquer comprador tem como certo que, caso seja acometido por uma doença grave, que comprometa sua capacidade de trabalhar, e vindo a sobreviver sem condições de obter renda, terá o saldo devedor quitado pela Cia. Seguradora. É por isso que ele paga as prestações nas quais estão embutidas no seguro que por lei deve abarcar a situação de morte e invalidez permanente do segurado, sendo que essa não deve se limitar a um acidente, pois este consiste evento súbito, futuro e externo. Já a doença tem maior probabilidade de acontecer com o avanço da idade, sendo um absurdo excluí-la do seguro.
Consiste numa anomalia o seguro que não venha a abranger as seguintes coberturas: Morte por qualquer causa, Invalidez Permanente por Doença (IPD) e a de Invalidez Permanente por Acidente (IPA). A própria lei que prevê os financiamentos imobiliários e a Susep consagram que o seguro deve ser amplo, pois o objetivo é evitar que a família fique desalojada no caso de um infortúnio tão comum como um idoso perder a saúde por doença grave, que resulte em incapacidade do segurado produzir renda com o seu trabalho.
O seguro também deve abranger o caso de incapacidade funcional que é aquela em que o indivíduo perde a sua condição de existência de forma independente, passando a necessitar de cuidador até para as necessidades básicas.
FALTA DE INFORMAÇÃO TRANSFERE A RESPONSABILIDADE PARA A CIA.
Certamente, há falha inaceitável na prestação de serviços dos Agentes Financeiros e das Cias. Seguradoras que ao “venderem” o contrato de financiamento e a apólice de seguro deixam de explicar os limites e a importância das coberturas, sendo lógico que o mutuário não aceitaria fazer um seguro que não cobrisse doenças que surgem naturalmente na terceira idade.
A desinformação decorre da ausência do Corretor de Seguros, que tem a função de proteger seu cliente, sendo que esse não existe de fato no local onde o Agente Financeiro funciona e “vende” o contrato de financiamento. Esse profissional não atua, deixa de explicar os riscos e as alternativas da apólice de seguro, pois apenas assina a proposta de seguro sem conhecer o segurado. Essa falta de informação essencial, em especial, numa relação de consumo, implica que cabe à Cia. Seguradora assumir os ônus do seguro malfeito, que é imposto de maneira adesiva (não discutido e nem negociado) com foco de atender os interesses da Seguradora, do Banco e não o segurado.
Conforme o IBGE, a expectativa de vida era de 45,5 anos em 1945, bem menos que a de 76,3 anos apurada em 2018, o que deixa em evidência ser inaceitável o seguro deixar de cobrir as doenças que surgem, rotineiramente, a partir dos 60 anos de idade. As Cias. Seguradoras aceitam garantir o contrato de financiamento até o limite de 74 anos e, em raros casos, até 80 anos mediante o pagamento de um prêmio maior. Ante a essa realidade não são aceitáveis tais manobras para prejudicar o mutuário e sua família, pois seguro é para cobrir riscos (todos os inerentes ao negócio e de forma eficaz) e não só para dar lucro para quem vende o sonho da casa própria e a segurança para a família no caso do provedor faltar ou perder a condição laboral.
Esse artigo foi publicado no Jornal O Tempo.
Kênio de Souza Pereira
Advogado e Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG
Vice-presidente da Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB Federal
Conselheiro do Secovi-MG e da Câmara do Mercado Imobiliário de MG
Diretor da Caixa Imobiliária Netimóveis