Pagar IPTU é uma obrigação, desde que esteja presente a capacidade contributiva para que o proprietário do imóvel ou seu inquilino possam arcar com o imposto. No entanto, em decorrência da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) haver impedido centenas de empresas de exercerem suas atividades, em razão da pandemia do COVID-19, várias foram extintas ou faliram, sendo que, até 2019, pagavam pontualmente o IPTU e demais taxas que são inseridas na guia. Assim, com a hipossuficiência econômica, deixa de estar presente, nestes casos, a capacidade contributiva, sendo juridicamente justificável que a Prefeitura conceda a remissão do IPTU ao requerente que não pôde trabalhar para atender a determinação da PBH que visou proteger a saúde pública, conforme a análise de cada caso. Inúmeras vezes, os comerciantes foram advertidos de que, caso não cumprissem as determinações, seriam multados e até, em medida extrema, presos. Portanto, a determinação da Prefeitura ensejou o pleito ao perdão administrativo a vários contribuintes que poderiam quitar o IPTU, caso não tivessem sido impedidos de produzir e trabalhar, incluindo os que perderam o emprego ou sua fonte de renda e que por isso deixaram de ter condições de arcar com o imposto.
De forma semelhante, diante do prejuízo patrimonial, o perdão sempre ocorreu nos casos de “imóveis atingidos por desastre ou incidentes decorrentes de precipitação pluviométrica ou outro fato da natureza que configure grave prejuízo material, econômico ou social”, conforme previsto na Lei Municipal nº 9.041, de 2005, que concedeu benefício fiscal ou auxílio para as vítimas (pessoas naturais ou jurídicas) das enchentes que se repetem anualmente em Belo Horizonte. Já tendo sido quitado o IPTU, vindo a ocorrer o desastre ou enchente, poderá ser requerida até mesmo a devolução do que já tiver sido pago até a data do requerimento, sendo que essas duas possibilidades também estão previstas no art. 40 do Decreto nº 17.037, de 2018.
SUSPENSÃO DO FUNCIONAMENTO ATINGIU OUTROS NEGÓCIOS
A determinação da PBH de suspender os alvarás de funcionamento de centenas de atividades comerciais por um longo período, que se consagrou como recorde mundial de lockdown na pandemia, esvaziou outros negócios que não tiveram o funcionamento impedido, mas que sofreram com a redução drástica do faturamento, como os hotéis, estacionamentos, agências de turismo, escolas em geral, motoristas de taxi e de aplicativos, locadoras de autos e de imóveis etc., impossibilitando o pagamento de financiamentos, do aluguel, dos custos operacionais e trabalhistas, além do IPTU, que é transferido ao inquilino nos termos do inciso VIII do art. 22 da Lei n° 8.245, de 1991 (Lei do Inquilinato).
Portanto, os danos financeiros e sociais que podem fundamentar o perdão do IPTU, em Belo Horizonte, não se limitam às atividades elencadas no art. 2º, do Decreto nº 17.328, de 2020, como: “casas de shows e espetáculos de qualquer natureza; boates, danceterias, salões de dança; casas de festas e eventos; feiras, exposições, congressos e seminários; shoppings centers, centros de comércio e galerias de lojas; cinemas e teatros; clubes de serviço e de lazer; academia, centro de ginástica e estabelecimentos de condicionamento físico; clínicas de estética e salões de beleza; parques de diversão e parques temáticos; bares, restaurantes e lanchonetes”
REMISSÃO É PREVISTA HÁ DÉCADAS NOS DECRETOS REGULAMENTADORES
Quanto às pessoas físicas que ficaram sem condições de quitar o IPTU, seja por estarem desempregadas ou por não mais encontrarem onde trabalhar diante da extinção dos postos de trabalho, poderão se beneficiar da possibilidade de remissão total ou parcial da dívida que pode abranger até IPTU de exercícios passados e que já que estão inscritos em dívida ativa do Município. O requerente deverá provar que se enquadra nas exigências dos arts. 39 ou 40 do Decreto n° 17.037, de 2018, sendo que, há décadas, os decretos que, ao final de cada ano, eram publicados para regulamentar as regras do IPTU, já estampavam tal possibilidade.
LOCADORES TÊM CONTRIBUÍDO COM OS INQUILINOS
A realidade é dramática, pois nunca se viram tantas placas de “aluga-se” e “vende-se” nas lojas, galpões e edifícios comerciais. O diferimento previsto no Decreto nº 17.509, de 2021, permite que as parcelas do IPTU vencidas de 15/04 a 30/12/20 sejam quitadas a partir de 30/12/2021 até 30/05/2022, para as atividades comerciais que foram atingidas pelas medidas de combate ao COVID-19, não soluciona a situação caótica que se agrava com o novo fechamento das atividades comerciais em 2021, imposto pelo Decreto nº 17.253, de 07/01/21.
As imobiliárias e os locadores têm aberto mão de seus rendimentos ao reduzirem expressivamente os valores dos aluguéis, havendo casos de os locadores isentarem o inquilino de seus pagamentos. Ou seja, quem aluga tem dado sua parcela de sacrifício para manter as locações e evitar a extinção de empresas e empregos. O imóvel comercial tem sua função social, pois, ao gerar empregos e negócios, aumenta a arrecadação dos tributos e com esses recursos são pagos os serviços hospitalares e outros essenciais ao funcionamento da cidade, devendo a Prefeitura dar, também, a sua contribuição à iniciativa privada.
PREFEITURA TEM AUTONOMIA PARA AGIR SOCIALMENTE
Na prática, não seria benevolência do Município deixar de cobrar de quem faliu ou perdeu a condição financeira. Seria, apenas, o reconhecimento de que a constitucionalidade que permite a cobrança foi prejudicada diante da Prefeitura impedir a manutenção da função social da propriedade e da empresa, pois somente em atividade se torna moralmente possível exigir o pagamento de tributos.
O art. 172 da Lei n° 5.172, de 1966 (Código Tributário Nacional) estabelece que a lei pode autorizar a autoridade administrativa a conceder, mediante despacho fundamentado, a remissão total ou parcial do crédito tributário, desde que atenda “I – à situação econômica do sujeito passivo” … ou “V- a considerações de equidade, em relação as características pessoais e materiais do caso”.
Ao julgar a ADI nº6357, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, referendou a Medida Cautelar deferida em 29/03/20, pelo ministro Alexandre de Moraes, para afastar as exigências da Lei de Responsabilidade Fiscal e da Lei do Diretrizes Orçamentárias relativas à demonstração de adequação orçamentária em relação à criação e expansão de programas públicos destinados ao enfrentamento do COVID-19. Belo Horizonte se enquadra no caso, pois, em 19/12/2020, o Município prorrogou o Estado de Calamidade Pública por mais 180 dias, estando dispensado de cumprir metas fiscais, diante da gravidade que todos têm vivenciado.
Na ADI, o Ministro destacou que:
“Há, porém, situações onde o surgimento de condições supervenientes absolutamente imprevisíveis afetam radicalmente a possibilidade de execução do orçamento planejado, tendo a própria LRF, em seu artigo 65, estabelecido um regime emergencial para os casos de reconhecimento de calamidade pública, onde haverá a dispensa da recondução de limite da dívida, bem como o cumprimento da meta fiscal; evitando-se, dessa maneira, o contingenciamento de recursos; além do afastamento de eventuais sanções pelo descumprimento de limite de gastos com pessoal do funcionalismo público.”(….)
“O surgimento da pandemia de COVID-19 representa uma condição superveniente absolutamente imprevisível e de consequências gravíssimas, que, afetará, drasticamente, a execução orçamentária anteriormente planejada, exigindo atuação urgente, duradoura e coordenada de todos as autoridades federais, estaduais e municipais em defesa da vida, da saúde e da própria subsistência econômica de grande parcela da sociedade brasileira, tornando, por óbvio, logica e juridicamente impossível o cumprimento de determinados requisitos legais compatíveis com momentos de normalidade. O excepcional afastamento da incidência dos artigos 14, 16, 17 e 24 da LRF e 114, caput, in fine, e § 14, da LDO/2020, durante o estado de calamidade pública e para fins exclusivos de combate integral da pandemia de COVID-19, não conflita com a prudência fiscal e o equilíbrio orçamentário intertemporal consagrados pela LRF, pois não serão realizados gastos orçamentários baseados em propostas legislativas indefinidas, caracterizadas pelo oportunismo político, inconsequência, desaviso ou improviso nas Finanças Públicas; mas sim, gastos orçamentários destinados à proteção da vida, saúde e da própria subsistência dos brasileiros afetados por essa gravíssima situação; direitos fundamentais consagrados constitucionalmente e merecedores de efetiva e concreta proteção.”
Cabe à Prefeitura, que recebeu milhões de reais do Governo Federal para acolher melhor seus cidadãos diante da pandemia, estando, portanto, com o cofre superavitário, ampliar e flexibilizar a remissão do IPTU, não sendo justo guardar esses recursos que podem manter os empregos e ao final amenizar os efeitos dessa doença que desequilibrou a nação.
Esse artigo foi publicado no Jornal Diário do Comércio
Kênio de Souza Pereira
Vice-Presidente da Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB Federal
Conselheiro da CMI-MG e do SECOVI-MG
Membro do IBRADIM – Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário
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