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STJ NÃO ACEITOU MULTA ABUSIVA DA LEI DO DISTRATO

JUDICIÁRIO NÃO SE CURVA A LOBBY DAS CONSTRUTORAS AO LIMITAR A MULTA A 25% DO VALOR PAGO PELO COMPRADOR                       

   O Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao julgar a ação coletiva proposta pelo Ministério Público de São Paulo, contra a cláusula de contrato que previa a retenção de valores entre 50% e 70% do montante pago pelo comprador de unidade na planta no caso deste ter provocado a extinção do contrato, decidiu que a construtora poderá reter o valor limitado a 25%, já abrangido neste percentual a quantia paga pelo comprador a título de comissão de corretagem. Ficou claro na fundamentação do acórdão que a multa será menor que o limite de 25%, caso a construtora não prove que efetivamente pagou a comissão de corretagem e que teve gastos administrativos que venham a justificar a retenção nesse patamar sobre a quantia paga pelo comprador que deu causa à resilição do contrato. A decisão unânime dos Ministros da 3ª Turma, no Recurso Especial nº1.820.330 – SP datada de 24/11/20, demonstrou que eles não aceitaram a multa exagerada prevista na Lei nº 13.786/18, que prevê até 50% acrescida da comissão de corretagem.                        

   Nesta coluna do Jornal O Tempo que é publicada às quintas-feiras, alertamos que isso aconteceria, tendo artigos sobre o histórico dessa lei criada pelo lobby das construtoras no site Kênio Pereira Advogados. Nossa previsão do que ocorreu neste julgamento do STJ, está no artigo “Lei do Distrato Imobiliário desestimula a compra de imóvel na planta e prejudica comprador” publicado em dez/2018. Denunciamos os dispositivos dessa lei que afrontam a jurisprudência, o Código de Defesa do Consumidor e as Súmulas do STJ.

LEI Nº 13.786/18 FOI FRUTO DO PACTO E DO TERMO DE COMPROMISSO QUE NÃO EMPLACARAM                       

   Antes de conseguir o êxito na aprovação em dezembro de 2018  do Projeto que resultou na Lei nº13.786, a Associação Brasileira das Incorporadoras e a Câmara Brasileira da Indústria da Construção primeiro tentaram emplacar em 27/04/16 o “Pacto para Aperfeiçoamento das Relações Negociais entre Incorporadores e Consumidores” que caracterizou um verdadeiro “Manual de Como Lesar os Adquirentes de Unidades na Planta”. Como presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG, fiz um parecer jurídico para a Associação Brasileira dos Procons denunciando os absurdos contidos naquele documento, o que acabou levando aquele Pacto a ser suspenso. Os diretores do Procon da Assembleia de MG, Marcelo Barbosa, bem como do Procon BH, Maria Lúcia Scarpelli ficaram estarrecidos com o teor do Pacto que desrespeitava diversos dispositivos do Código de Defesa do Consumidor (CDC) e a jurisprudência pacificada do STJ.                       

   Mas, o lobby das incorporadoras e construtoras para distorcer as leis e afronta as súmulas do STF não parou. Logo depois, elas criaram uma campanha para dizer que as milhares de ações judiciais existente em decorrência delas descumprirem o prazo de entrega das obras, teriam como motivo o arrependimento de compradores profissionais, especuladores que se arrependeram de compra as unidades na planta que passaram a perder o valor com o fim do boom imobiliário em 2015.                       

   Com matérias montadas para enganar a população as construtoras se colocarem como vítimas, ao alegar que desejam evitar processos judiciais mediante a criação em 2017 de um “Termo de Compromisso entre Incorporadoras e Consumidores”, que na verdade visava prejudicar os consumidores, nos mesmos moldes do Pacto de 2016 e da atual lei.

Veja no link artigo do Jornal O Tempo – Multas abusivas –  abril de 2017:

https://www.otempo.com.br/opiniao/kenio-de-souza-pereira/multas-abusivas-1.1459093                       

Conforme noticiou no dia 29/03/17, a Tv Globo, no jornal Bom Dia Minas,  esclareceu sobre os abusos das multas de até 80% impostas em várias contratos das construtoras contra os compradores, na matéria advogado tira dúvidas sobre desistência na compra de imóveis”. A matéria da Tv Globo pode ser vista neste link:

https://globoplay.globo.com/v/5760782/                       

No jornal da Tv Globo, em 2017, esclarecemos que trata-se de uma manobra para lesar os adquirentes, pois o referido Termo afronta as normas do CDC, a boa-fé e a jurisprudência do STJ que determina que a multa pode ser de 10% a 25% sobre o que o comprador pagou, pois acima disso poderia caracterizar enriquecimento sem causa da incorporadora/construtora.                       

Veja o link abaixo Diário do Comércio de 22/11/18, nossa explicação sobre a lei ser desequilibrada, pois protege apenas as construtoras:

https://diariodocomercio.com.br/economia/distrato-no-setor-imobiliario-beneficia-apenas-construtoras/

NOVAS DECISÕES DO STJ REPUDIAM AS INOVAÇÕES DA LEI                       

   O Recurso Especial nº 1.820.330 – SP (2019/0170069-0) esclareceu que a comissão de corretagem sempre foi despesa administrativa da construtora, pois quem vende é que se beneficia do serviço do corretor, sendo apenas uma possibilidade a construtora transferir ao comprador o pagamento dessa despesa. Entretanto, mesmo que o comprador tenha pago a comissão diretamente ao corretor, no caso de ocorrer o rompimento do contrato por culpa da construtora, conforme Súmula 543/STJ, essa deverá devolver de imediato os valores pagos pelo comprador, integralmente e corrigidos, acrescidos da comissão de corretagem, evitando assim que a parte inocente tenha prejuízo.                       

   Sobre a multa o STJ esclareceu: “Referido percentual possui natureza indenizatória e cominatória, de forma que abrange, portanto, de uma só vez, todos os valores que devem ser ressarcidos ao vendedor pela extinção do contrato por culpa do consumidor e, ainda, um reforço da garantia de que o pacto deve ser cumprido em sua integralidade”. Concluiu que o entendimento mais atual da Segunda Seção é de que “a retenção de 25% dos valores pagos pelo promissário comprador […] é adequada e suficiente para indenizar o construtor das despesas gerais e do rompimento unilateral do contrato […] prescindido também a demonstração individualizada das despesas gerais tidas pela incorporadora com o empreendimento” (REsp 1723519/SP 2ª Seção/02/10/2019). O novo acórdão ressaltou as diversas decisões do STJ proferidas após a entrada em vigor da Lei dos Distratos (nº13.786/18), nas quais os Ministros definiram que a multa contra o comprador deve ser entre 10 a 25%, ou seja, eles repudiaram as multas acima de 25%. O STJ passou a mensagem que a multa de 50% e a cobrança da comissão autorizados na Lei dos Distratos são abusivos, pois causam o enriquecimento sem causa da construtora, devendo o comprador ajustar o contrato antes de assinar.

 

   Leia aqui o Recurso Especial – nº 1.820.330-SP de nov.2021 – STF não aceitou multa acima de 25% contra o comprador, mesmo após a vigência da Lei do Distrato de 2018.

 

Esse artigo foi publicado no Jornal O Tempo.

 

Kênio de Souza Pereira

Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG

Vice-presidente da Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB Federal

Diretor da Caixa Imobiliária Netimóveis

kenio@keniopereiraadvogados.com.br