Quando há litígio entre um condômino e condomínio, aquele que litiga contra o interesse da maioria, além de arcar com os custos do próprio advogado, normalmente é incluído no rateio da despesa que o condomínio teve com a contratação do advogado que defende o interesse dessa maioria. Com toda a razão, o condômino contrário ao condomínio discorda em arcar com a despesa de um advogado que atuará contra seus próprios interesses. A questão costuma ser resolvida no judiciário, mas bastaria uma simples reflexão para perceber ser ilógico exigir daquele que luta por seu direito que venha a pagar os honorários que serão destinados ao advogado contratado para prejudica-lo.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao julgar um caso Recurso Especial nº296.405-SP, decidiu “O condômino que litiga com o condomínio deve ser excluído do rateio prévio das despesas com a contratação do advogado; está obrigado apenas ao que lhe decorre da sucumbência”. Portanto, o condômino litigante deve ficar isento da quota extra destinada aos honorários, à perícia e às custas do processo.
PAGAMENTO DO PROCESSO DEVE SER POR MEIO DE QUOTA EXTRA
Consiste numa anomalia o síndico utilizar o fundo de reserva para patrocinar o custo de uma demanda judicial, pois o correto é aprovar uma quota extra específica para cobrir as despesas do processo, de maneira que todos os coproprietários saibam exatamente os custos do que pode ser, em alguns casos, uma “aventura jurídica”.
Sob a ótica constitucional, constata-se ser incorreto o condomínio fazer o condômino com quem litiga arcar com as despesas contra o seu próprio interesse. Tal cobrança fere o princípio constitucional de que ninguém é obrigado a fazer prova contra si mesmo, além de afrontar o Pacto de San José da Costa Rica, (tratado internacional do qual o Brasil é signatário), que em seu artigo 8º, das Garantias Judiciais, a Convenção declara que toda pessoa tem “direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada”. No mesmo conceito podemos citar artigo 379 Código de Processo Civil, gerando a conclusão que cabe a cada um pagar os custos decorrentes da defesa de seu interesse.
DESINTERESSE DA MAIORIA DÁ FORÇA AOS MAL INTENCIONADOS
Em muitas assembleias alguns condôminos mal intencionados sabotam quem deseja explicar os fatos que demonstram que o condomínio está errado e assim criam um clima de rixa. Repudiam analisar a lei e a convenção, forçando o prejudicado, que é minoria, a procurar o Poder Judiciário. A maioria se omite diante desses poucos que procuram levar vantagem ilícita, pois apostam que o vizinho não investirá na contratação do advogado. É comum surgir na reunião aquele que, não tendo argumentos válidos para justificar sua posição abusiva, diz, como se fosse bom criar um litígio: “entra na justiça, não queremos saber de conversa”, sendo raro o honesto se manifestar diante a conveniência da maioria que se aproveita da situação. Essa é a realidade de milhares de processos provocados por condomínios de maneira abusiva, o que não se aplica às execuções por falta de pagamento devidamente fundamentadas.
EXEMPLOS COMUNS DE ABUSOS DA MAIORIA
Há condomínio que se recusa a consertar o telhado que vaza no apartamento e danifica os móveis. Há ainda, o rateio injusto da quota de condomínio baseada na fração ideal, cobrada de apartamentos de cobertura de forma exagerada ou de lojas térreas que não utilizam os porteiros, os elevadores e as áreas de lazer que se destinam apenas aos moradores dos apartamentos.
A 4ª Turma do STJ, ao julgar, de forma unânime, o REsp da condômina que requereu a isenção do pagamento dos honorários, afirmou: “Penso que a recorrente tem razão quando pretende ser excluída do rateio para o pagamento das despesas assumidas pelo condomínio com a contratação do advogado. Nesse caso, melhor orientação aceita no paradigma, que serve para comprovar a divergência: “Condôminos de ação contra o condomínio não deve suportar a cota de despesas do advogado contratado para a defesa (EI 241.808, 1º TACSP 2º Grupo, Rel. Dr. Andrade Vilhena). A mesma orientação também está na AC 248.143, da rel. do Dr. Franciulli Neto, hoje ministro deste Tribunal: “O condômino que litiga contra o condomínio não tem obrigação relacionada com as despesas do próprio litígio, quanto ao seu ajuizamento, a não ser aquelas determinadas pelo próprio processo e no âmbito deste”.
PREVALÊNCIA DA LÓGICA DE NÃO PATROCINAR SUA “DESTRUIÇÃO”
Em um edifício composto por 20 unidades, cobrar do condômino litigante 1/20, para pagar os honorários do advogado contratado para defender o condomínio afronta princípio inconstitucional, não prevalecendo as normas infraconstitucionais, as quais se enquadram a Lei de Incorporação nº 4.591/64 e o Código Civil. Quando o condômino propõe uma ação para reivindicar um direito que a assembleia se negou a reconhecer, cabe somente aos 19 coproprietários restantes arcarem com as aludidas despesas.
O Ministro do STJ, Ruy Rosado de Aguiar, ao fundamentar sua posição citando outro acórdão, afirmou: “Recolho da fundamentação do primeiro dos precedentes citados, o seguinte argumento: “A construção lógica, que deve imperar nos pronunciamentos jurídicos, não pode exigir e sequer mesmo admitir, que a vontade do condomínio, no caso dos presentes autos, e ainda que por ficção jurídica, deva submeter-se à da maioria. E isso pela mesma razão pela qual não pode exigir que alguém contribua para a sua própria destruição”. […] … a imposição do rateio para obter fundos necessários a sustentar a ação contra o próprio condômino não parece ser decisão consentânea com o que se possa esperar do comportamento das pessoas, quando o seu interesse se antepõe ao do grupo”.
Ao refletirmos quanto ao princípio constitucional de que ninguém é obrigado a fazer prova contra si mesmo, fica evidente que o litigante automaticamente se desvincula do condomínio, vez que é inadmissível alguém patrocinar as despesas para processar a si mesmo. Haveria a incidência de duplo ônus, o que caracteriza bis in idem, ou seja, o condômino pagaria duas vezes, uma para sua defesa e outra para a do condomínio que provocou a demanda.
Belo Horizonte, 10 de fevereiro de 2021.
Esse artigo foi publicado na Revista BDI – Boletim do Direito Imobiliário
Kênio de Souza Pereira
Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG
Vice-presidente da Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB Federal
Conselheiro do Secovi-MG e da Câmara do Mercado Imobiliário de MG.
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