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COMPRADOR DE APARTAMENTOS NA PLANTA, DO MINHA CASA, MINHA VIDA, É LESADO COM SEGURO CONTRA INCÊNDIO DA MORADIA QUE ALUGA

Conforme reportagem do Jornal O Tempo, de 10/06/2019, página 11, sob o título “Cliente denuncia exigência de seguro antes de financiamento”, funcionários da CEF (Caixa Econômica Federal), da Caixa Seguradora e das próprias construtoras, estariam orientando pretendentes ao Minha Casa, Minha Vida a adquirirem seguro indevidamente, sob pena de não obterem o financiamento.                       

Os candidatos ao financiamento seriam orientados a levar um valor de cerca de R$ 800,00 consigo no dia da assinatura do contrato, e, a título de estarem pagando por uma “taxa”, estavam, em verdade, adquirindo um seguro-residência da Caixa Seguros contra incêndio e roubo no valor de R$ 750,00 que não tem nenhuma relação com a apartamento financiado.                       

Em nenhum momento teriam sido informados que estariam pagando por um seguro de uma casa, e com um detalhe ainda mais preocupante: O seguro era do imóvel que essas pessoas residem de aluguel. Sequer trata-se de seguro do imóvel que está sendo adquirido pelo financiamento, que, inclusive, eram imóveis na planta, de forma que sequer existem ainda para virem a ser segurados.                       

Diante da não manifestação da CAIXA sobre esses casos e nem da Polícia Federal sobre a apuração dos fatos, há possibilidade que tal expediente esteja ainda ocorrendo junta a famílias desinformadas. 

VENDA CASADA É ILEGAL, ESPECIALMENTE DE IMÓVEL ESTRANHO                       

O Código de Defesa do Consumidor, lei nº 8.078, de 11/09/1990, prevê no seu artigo 39. “É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: I – condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos;”.                       

Os bancos em geral já cometiam excessos contra os pretendentes que precisam de um financiamento e assim criam mecanismos para aumentar a lucratividade, ao oferecer seguros de vida, cartão de crédito, cheque especial, títulos de capitalização, dentre outros alegando que procuram fidelizar o cliente. É compreensível a exigência de ter conta no banco para facilitar o pagamento das prestações.                       

Desde 2008 o Superior Tribunal de Justiça (STJ) pacificou o entendimento de que é ilegal o agente financeiro vincular a aprovação do financiamento imobiliário à compra de seguro de vida e do imóvel pronto que está sendo financiado. Os bancos oferecem duas opções de seguro e acabam conseguindo emplacar o seu seguro do imóvel que foi financiado.                       

Entretanto, a CAIXA, que é proprietária de 48,21% da CAIXA SEGURADORA, não pode permitir que os funcionários da Cia Seguradora pratiquem abusos contra pessoas simples, induzindo-as a contratar um seguro pelo valor de R$750,00, com diversas coberturas de um imóvel pronto, alugado, que não tem qualquer relação com o contrato de financiamento de um apartamento que nem existe ainda.                       

Não bastasse a venda casada ser proibida, constata-se que o valor de tal seguro, é muito superior ao que seria cobrado por outras Cias. Seguradoras. A exemplo disso, seguros com a mesma característica do visto na denúncia, foram cotado em outras seguradoras. Na Liberty Seguros, o valor foi de R$258,59. Na Sompo Seguros, R$263,18. Se se confirmar a prática reiterada dessa venda, algum funcionário da CAIXA SEGURADORA vem impondo uma apólice de R$750,00, ou seja, o triplo do valor normalmente cobrado no mercado, conforme pesquisa realizada em junho de 2019.                       

Quanto ao prazo de três anos, este é inaceitável, pois é comum o inquilino mudar antes que do final desse período, o que deixa clara a ilegalidade do profissional da CAIXA que pratica tal ato para lucrar.

SEGURO EM DUPLICIDADE – IMÓVEIS LOCADOS JÁ TÊM SEGURO                       

Diante da existência de decisão judicial que antigamente condenou imobiliária a indenizar incêndio causado pelo inquilino, por não ter apólice de incêndio, os contratos de locação passaram a determinar a obrigação dos inquilinos pagarem o seguro contra incêndio, conforme autorizado no inciso VIII, artigo 22 da Lei do Inquilinato. Dessa maneira, no caso de sinistro o inquilino e e seus fiadores ficam isentos de pagar pelos danos.                         

Portanto, não tem sentido um corretor de seguros fazer um novo seguro em duplicidade, de uma casa alugada, pois isso é irregular conforme as normas da SUSEP (Superintendência de Seguros Privados).                       

Levando em consideração que 100% dos pretendentes ao financiamento do Minha Casa Minha Vida não têm casa própria e tendo em vista que são milhões de contratos bancados pelo Governo Federal, caso essa prática dos funcionários da CAIXA SEGURADORA esteja sendo efetivada em todo o país, a lesão aos consumidores que podem ter pagado R$750,00 (exemplo do caso concreto apurado) por seguros indevidos nos últimos anos, pode atingir cifras de centenas de milhões de reais.

POSSIBLIDADE DA POLÍCIA FEDERAL APURAR CRIMES                       

Desde 2008 a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deixou claro ser ilegal os bancos e agentes financeiros imporem a compra de produtos e serviços aos mutuários e considerou que o mutuário não é obrigado a adquirir seguro habitacional da mesma entidade que financie o imóvel ou por seguradora por ela indicada, mesmo que o seguro seja obrigatório por lei no Sistema Financeiro de Habitação (Resp 804.202).                       

No caso do seguro de imóvel pronto, que não tem nenhuma relação com o contrato de financiamento a ilegalidade é mais grave, pois conforme apurado junto aos profissionais que atuam na intermediação do Minha Casa Minha Vida, os mutuários são induzidos a erro, tendo sido orientados a levar dinheiro para pagar o prêmio do seguro antes de assinar o contrato, não tendo sido explicado para a mutuária que esse pagamento era opcional. A omissão deliberada de não explicar que a mutuária teria o financiamento mesmo sem pagar o seguro de outro imóvel evidencia a má-fé de quem lucrou com mais essa venda de um produto pelo triplo do preço normal.                       

Diante dessas informações se mostra pertinente que a Polícia Federal apure com as centenas de mutuários que mensalmente assinam os contratos se esses fatos se repetem. Basta ir nas construtoras e pedir o cadastro dos mutuários, intimá-los para levar os contratos e as apólices que pagaram e constatar como ocorreram os pagamentos desses seguros estranhos, pois é fundamental entender as circunstâncias e os procedimentos para que tudo seja esclarecido.                       

Certamente alguém lucrou, e se foi de maneira ilícita, fazendo informação falsa sobre a necessidade de fazer o seguro ou gerando temor de que o financiamento seria negado se não pagasse a apólice, poderá vir a responder criminalmente com base nos dois tipos penais:

Código de Defesa do Consumidor (CDC)

Art. 66 – Fazer afirmação falsa ou enganosa, ou omitir informação relevante sobre a natureza, característica, qualidade, segurança, desempenho, durabilidade, preço ou garantia de produtos ou serviços: Pena – Detenção de três meses a um ano e multa.

  • 1º Incorrerá nas mesmas penas quem patrocinar a oferta.
  • 2º Se o crime é culposo: Pena – Detenção de um a seis meses ou multa”

O dever de informação é um dos princípios do CDC, o que faz com que o fornecedor (no caso, o funcionário da CAIXA) seja obrigado a prestar todos os esclarecimentos, de forma clara, sobre as questões ligadas a um seguro que é sempre oferecido por um ano, por um preço muito mais baixo do que foi denunciado pela mutuária que concedeu a entrevista ao jornal O TEMPO.  Esse artigo trata diretamente das práticas abusivas e enganosas ao consumidor, as quais podem ser por omissão ou incumbência de um superior.

Código Penal – Estelionato

Art. 171 – Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento:

Pena – reclusão, de um a cinco anos, e multa, de quinhentos mil réis a dez contos de réis.

O Estelionato somente se caracterizaria pelos atos daqueles que não são funcionários da CAIXA, porque, sendo, teríamos em hipótese crimes contra a administração pública cometido por funcionário público, pois os funcionários da CAIXA respondem criminalmente nessa qualidade.  Certamente, a direção dessa conceituada instituição financeira, que é referência nacional no setor imobiliário e bancário, não medirá esforços para coibir qualquer ato irregular.

 

Esse artigo foi publicado no Jornal O Tempo

 

Kênio de Souza Pereira

Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG

Vice-presidente da Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB Federal

Conselheiro do Secovi-MG e da Câmara do Mercado Imobiliário de MG

kenio@keniopereiraadvogados.com.br