Consiste direito consagrado pelas decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que nenhum condomínio pode proibir que os moradores tenham animais de estimação no apartamento, sendo inválida a cláusula da convenção que restrinja tal direito de forma genérica. Entretanto, há síndico que, por não gostar de pets, persegue o tutor do animal de maneira abusiva, apesar deste não causar incômodo ou risco à saúde ou segurança. Dependendo dos atos praticados, mesmo com o respaldo da convenção ultrapassada, o síndico e o grupo que apoia atos abusivos podem ser processados pela perseguição que excede os limites.
O que a lei protege é o direito ao sossego, à saúde e à segurança (art. 1.277 e 1.336 Código Civil), tendo os moradores o direito de utilizarem seu apartamento, juntamente com seu pet, dentro dos limites da boa vizinhança.
PERSEGUIÇÃO DO SÍNDICO AO TUTOR DO PET
Um exemplo da situação abusiva do condomínio é a utilização de câmera para vigiar continuamente o tutor do pet como se esse fosse uma pessoa nociva à convivência, apenas por ter o animal de estimação. Esse tutor não pode ser proibido de circular pelas áreas comuns (corredores, elevador, portaria), pois é coproprietário de tudo que envolve o edifício, ou seja, o seu direito de propriedade não pode ser afrontado pela convenção e nem pela assembleia.
Gera angústia a falta de bom senso de exigir que o tutor carregue o pet no colo para circular fora do seu apartamento. Essa imposição do condomínio ignora as condições físicas das pessoas, que podem ter limitações pela idade, força, ser cadeirante, cega, ter problemas de coluna, etc. Ao ser multado por não carregar o cão, especialmente se tem porte maior, o tutor do pet pode requerer danos morais caso seja impedido de participar e votar na assembleia, por não ter pago a multa injusta. Fere a dignidade humana exigir esforço injustificável e expor o vizinho à situação constrangedora na assembleia.
É razoável a exigência de guia curta, bem como focinheira em cães que têm maior porte, para que seja eliminado qualquer incômodo e risco à segurança dos demais moradores. Se o cão, por acaso, suja a área comum, cabe ao tutor limpar de imediato, mas esse caso isolado não é motivo de punição, por não ser constante. O que se pune é a rotina de atos e condutas que incomodam os vizinhos, devendo esses serem provados.
JURISPRUDÊNCIA E LEGISLAÇÃO A FAVOR DOS ANIMAIS
Em decisão do 1º Juizado Especial Cível de Brasília (Proc. 0717290-45.2015.8.07.0016), a juíza julgou procedente o pedido para declarar nulas as multas impostas à Sra. Izabelle, pelo Condomínio, por transitar com seu animal de estimação no chão e nas áreas comuns do edifício: “(…) Na hipótese, entendo que é necessária a adequação da norma prevista na convenção de condomínio à lei, pois a determinação para que os moradores transitem com seus animais de estimação no colo se mostra ilegítima. Se a finalidade da norma é prevenir doenças e proporcionar segurança aos demais moradores esta não atinge o seu fim. O fato do animal estar no colo, por si só, não impede a proliferação de doenças. A fim de zelar pela higiene das áreas comuns e saúde dos demais moradores é direito do condomínio exigir do tutor do animal: a boa higiene destes, a comprovação da aplicação das vacinais e vermífugos, e nos casos em que o animal suje as áreas comuns a pronta higienização do local”
Em outro caso análogo de 2019, o STJ ao julgar o Recurso Especial nº 1.783.076-DF, decidiu ser inválida a proibição na convenção que impedia que a Sra. Liliam mantivesse sua gata no condomínio. A 3ª Turma do STJ, mais outra vez, decidiu que a convenção de condomínio residencial não pode proibir de forma genérica a criação e a guarda de animais que não causam problemas. Vejamos a decisão:
“RECURSO ESPECIAL. CONDOMÍNIO. ANIMAIS. CONVENÇÃO. REGIMENTO INTERNO. PROIBIÇÃO. FLEXIBILIZAÇÃO. POSSIBILIDADE. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. Cinge-se a controvérsia a definir se a convenção condominial pode impedir a criação de animais de qualquer espécie em unidades autônomas do condomínio. 3. Se a convenção não regular a matéria, o condômino pode criar animais em sua unidade autônoma, desde que não viole os deveres previstos nos arts. 1.336, IV, do CC/2002 e 19 da Lei nº 4.591/1964. 4. Se a convenção veda apenas a permanência de animais causadores de incômodos aos demais moradores, a norma condominial não apresenta, de plano, nenhuma ilegalidade. 5. Se a convenção proíbe a criação e a guarda de animais de quaisquer espécies, a restrição pode se revelar desarrazoada, haja vista determinados animais não apresentarem risco à incolumidade e à tranquilidade dos demais moradores e dos frequentadores ocasionais do condomínio. 6. Na hipótese, a restrição imposta ao condômino não se mostra legítima, visto que condomínio não demonstrou nenhum fato concreto apto a comprovar que o animal (gato) provoque prejuízos à segurança, à higiene, à saúde e ao sossego dos demais moradores. 7. Recurso especial provido”.
Portanto, se não há perturbação ou risco contra a segurança, não pode o condomínio proibir que um inquilino ou proprietário mude para o edifício com seu pet, mesmo que a convenção contenha tal vedação. Poderá o síndico e o condomínio serem processados por danos materiais ao impedir que o apartamento seja ocupado, bem como por danos morais ao criarem situações vexatórias por mero capricho.
Esse artigo foi publicado no Jornal Hoje em Dia
Kênio de Souza Pereira
Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG
Vice-presidente da Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB Federal