CONDOMÍNIOS DE FATO TERÃO DIFICULDADES EM COBRAR TAXAS DE QUEM NÃO É ASSOCIADO
A recente decisão do Supremo Tribunal Federal irá criar grande dificuldade dos Condomínios e Loteamentos Fechados irregulares receberem a taxa para cobrir as despesas com os serviços e a portaria. O STF decidiu ser inconstitucional a cobrança de taxas de manutenção pelas associações de quem não se associou formalmente ou que não tenha tal obrigação registrada nas matrículas dos lotes junto ao Cartório de Registro de Imóveis.
Há no Brasil milhares de processos movidos por proprietários de lotes e casas que recusam a pagar as taxas associativas sob a alegação de que residem em um loteamento comum e não num condomínio fechado. Desde 2004, ou seja, há mais de 16 anos, o advogado Kênio Pereira tem alertado que muitos condomínios fechados faziam cobranças irregulares e que acabariam tendo problemas no futuro para conseguir cobrar as taxas de condomínio que não tinham respaldo legal por não existir convenção do loteamento sempre foi comum e não um condomínio.
Sua previsão se confirmou em março de 2015, com o Superior Tribunal de Justiça julgando que somente quem se associou formalmente teria a obrigação de pagar as taxas de loteamentos fechados. E agora em 2021, o Supremo Tribunal de Justiça julga na mesma linha diante da conduta de algumas associações que fazem cobranças indevidas. Para explicar essa nova decisão está aqui conosco, Kênio Pereira que é presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB de Minas Gerais e em nível nacional, é vice-presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB Federal.
EXPLICAÇÕES SOBRE O JULGAMENTO DO STF
O Recurso Extraordinário n.º 695911 foi autuado no dia 19/06/12 no STF, tendo demorado mais de oito anos para que fossem analisadas as manifestações de diversos amicus curiae (amigos da corte), dentre eles o Secovi-SP, a Federação das Associações de Moradores do Município do Rio de Janeiro e a Associação Nacional de Vítimas de Falsos Condomínios – ANVIFALCON. O STF ao apreciar o tema 492 de repercussão geral fixou a seguinte tese:
“É inconstitucional a cobrança por parte de associação de taxa de manutenção e conservação de loteamento imobiliário urbano de proprietário não associado até o advento da Lei n.º 13.465/17, ou de anterior lei municipal que discipline a questão, a partir da qual se torna possível a cotização dos proprietários de imóveis, titulares de direitos ou moradores em loteamentos de acesso controlado, que i) já possuindo lote, adiram ao ato constitutivo das entidades equiparadas a administradoras de imóveis ou (ii) sendo novos adquirentes de lotes, o ato constitutivo da obrigação esteja registrado no competente Registro de Imóveis”.
Dessa forma, o STF consagrou a liberdade constitucional do Direito de Associação, confirmando assim a posição do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que em março de 2015, ao reunir a 3ª e 4ª Turmas na Segunda Seção, em sede de recursos repetitivos, julgou os Recursos Especiais nº 1.439.163-SP e n.º 1.280.871/SP, que fixou tese semelhante no Resp nº 1.439.163-SP, que determinou: “Para efeitos do art. 543-C do CPC, firma-se a seguinte tese: “As taxas de manutenção criadas por associações de moradores não obrigam os não associados ou os que a elas não anuíram”.
COBRANÇAS ABUSIVAS TENDEM A DESAPARECER
Durante décadas, grupos pequenos, por exemplo, com 20 ou 40 proprietários criavam uma associação e conseguiram receber taxas associativas de um loteamento formado, por exemplo, 500 lotes, por meio de cobranças que constrangiam, sendo que muitos pagavam a taxa por ser um valor pequeno, por desconhecimento de que ela era facultativa ou para evitar despesas com advogado.
Entretanto, aqueles que não pagavam foram processados e diante da defesa ruim, que não esclarecia a ilegalidade da cobrança por inexistir condomínio regularizado e por não ser associado, muitos eram condenados pelo Poder Judiciário com base na alegação do enriquecimento sem causa, fundamentado na ideia de que os serviços beneficiavam a todos do loteamento.
Com o passar dos anos essa visão simplista gerou o aumento do volume de processos, o que motivou os Ministros da 3ª e 4ª Turma do STJ uniformizar a jurisprudência, tendo em 2015 consagrado que prevalece o art. 5º, inciso XX, da CF que determina, “ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado”.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL ABORDOU LEI nº 13.465 DE 2017
Somente em 2017, foi publicada a Lei nº13.465, que introduziu no Código Civil o artigo 1.358-A que regulamentou o “Condomínio de Lotes”, bem como acrescentou à Lei de Parcelamento do Solo, nº 6.766/79 o art. 36-A que passou a ter sua interpretação distorcida por aqueles que desejam cobrar taxas de quem não era associado.
No RE 695911 julgados em 18/12/20 o STF confirmou o entendimento firmado em 2015 pelo STJ, tendo ainda esclarecido os limites da Lei 13.465/2017. O STF afirmou ser frágil a alegação de que o dono de imóvel, mesmo não associado, deve contribuir por solidariedade, por ter seu patrimônio valorizado pelos serviços e para evitar o enriquecimento sem causa. Para o STF essas regras ou princípios são infraconstitucionais, portanto, inferiores aos princípios constitucionais que consagram que ninguém pode ser obrigado a se associar, sendo necessário tal ato ser formal e inequívoco.
O STF destacou:
“Em verdade, é o princípio da legalidade o instrumento de sopesamento constitucional ao princípio da liberdade de associação. De um lado, assegurando que obrigação só é imposta por lei; de outro – e por consequência – garantindo que, na ausência de lei, não há aos particulares impositividade obrigacional, regendo-se a associação somente pela livre disposição de vontades. Dito de outro modo, ante a ausência de obrigação legal, somente o elemento volitivo manifestado, consistente na anuência expressa da vontade de se associar, pode vincular as partes pactuantes e gerar para as mesmas direitos e obrigações decorrentes da associação”.
Ficou claro que não tem valor a convenção particular, que foi apenas protocolada no Ofício de Registro de Imóveis (não foi registrada definitivamente de forma a vincular as matrículas individualizadas dos lotes e criar obrigação propter rem ou que foi registrada de forma errada no Ofício de Títulos e Documentos. Este cartório não é o correto dar publicidade de maneira a conceder os efeitos erga omnes, isto é, para ser oponível contra terceiros como previsto no art. 1.333 CC, é essencial a convenção ser registrada no Ofício de Registro de Imóveis.
Diante da posição unificada do STF e do STJ, caberá aos Tribunais Estaduais seguirem a orientação de que os condomínios fechados, sem a convenção devidamente registrada nas matrículas dos lotes no Cartório de Registro de Imóveis, que estabeleça o dever de pagar taxa de condomínio não terão direito de exigir o pagamento judicialmente, e que, as associações que gerem os serviços dos loteamentos fechados somente poderão cobrar dos proprietários dos imóveis que tiverem aderido ao seu Estatuto de maneira formal e inequívoca.
Ouça a entrevista na Rádio Itatiaia com o Jornalista Eduardo Costa e o Advogado Kênio Pereira.
Kênio de Souza Pereira
Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG
Vice-presidente da Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB Federal
Diretor da Caixa Imobiliária Netimóveis
Conselheiro do Secovi-MG e da Câmara do Mercado Imobiliário de MG
Membro do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário
kenio@keniopereiraadvogados.com.br
Fone: 31-2516-7008