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ABUSOS E CRIMES NA ASSEMBLEIA DE CONDOMÍNIO

 

LEI DÁ AUTORIDADE PARA ADVOGADO COMBATER A INJUSTIÇA E GRAVAR SEM TER QUE SOLICITAR AUTORIZAÇÃO

      A assembleia de um condomínio consiste num dos ambientes mais desafiadores quando o assunto envolve interesses divergentes, pois em vários casos os condôminos praticam atos inacreditáveis para fazer prevalecer seu desejo, não se importando em agir ilegalmente para prejudicar os vizinhos que defendem outra posição. Em decorrência dos abusos praticados por alguns síndicos ou grupos, que fazem de tudo para encobri-los ao se negarem a registrar na ata o que realmente ocorreu, gerando a ausência de presença na reunião; o condômino que é prejudicado contrata advogados para que esses lutem pelo respeito às leis, à boa-fé e à ética.

     Nessas assembleias conduzidas por verdadeiros ditadores, revela-se o caráter obscuro de pessoas que, diante do interesse em levar vantagem, pagar menos do que é devido, impor um rateio injusto, negar seu dever de prestar contas, consertar uma infiltração ou dano que causou, simplesmente ignoram o direito de todos se manifestarem, de terem suas falas registradas na ata que deve ser redigida de imediato. Não se importam em praticar o crime de falsidade ideológica previsto no Art. 299 Código Penal, ao “montarem” a ata depois, pois neste caso passa a ser definida como relatório por conter fatos passados. Não se admite recusar a redação de imediato da ata, para que depois possam ser subtraídos fatos e incluído o que não ocorreu para alterar a verdade. Essa atitude possibilita que o condômino prejudicado tome providências contra o secretário e o síndico que alteraram a ata, com base no Código Penal:

Art. 299 – Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante:

Pena – reclusão, de um a cinco anos, e multa, se o documento é público, e reclusão de um a três anos, e multa, de quinhentos mil réis a cinco contos de réis, se o documento é particular.

 LEI GARANTE O DIREITO DE GRAVAR A ASSEMBLEIA SEM TER QUE PEDIR PERMISSÃO

     O direito de gravar está previsto no Código de Processo Civil, sendo que até numa audiência judicial, as partes podem gravar em vídeo e áudio, sem ter que pedir autorização para o Juiz, conforme prevê o artigo 367 “O servidor lavrará, sob ditado do juiz, termo que conterá, em resumo, o ocorrido na audiência, bem como, por extenso, os despachos, as decisões e a sentença, se proferida no ato. [….]

  • 5º A audiência poderá ser integralmente gravada em imagem e em áudio, em meio digital ou analógico, desde que assegure o rápido acesso das partes e dos órgãos julgadores, observada a legislação específica.
  • 6º A gravação a que se refere o § 5º também pode ser realizada diretamente por qualquer das partes, independentemente de autorização judicial.”

     Diante dessa disposição legal, se nem o Juiz impede a gravação do que será constado na ata que é redigida na hora, se mostra abusiva e inaceitável a tentativa do síndico, do presidente da assembleia ou de alguns condôminos, de criar obstáculos para que qualquer pessoa grave a reunião ou que haja de forma a garantir o fiel registro da manifestação de um condômino ou de seu procurador.

DIREITO DO ADVOGADO PERMANCER NO LOCAL E PARTICIPAR DA ASSEMBLEIA

     O advogado, ao comparecer à assembleia, causa incômodo àqueles que têm más intenções, que tentam inibir a atuação desse profissional ao alegar que ele não é bem-vindo, que não foi convidado e que deve se retirar. Nada mais absurdo, pois, tentar impedir a participação do advogado que representa um condômino é agir contra o próprio condômino, pois o procurador atua em nome do seu cliente, que tem pleno direito de participar da assembleia e de se manifestar, desde que esteja adimplente. O local onde é realizada uma assembleia é um ambiente destinado a todos os condôminos e, assim, se torna público em relação a estes e seus procuradores, não havendo como limitar a atuação do advogado que representa ou acompanha seu cliente.

     A Lei Federal nº 8.906/94, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil, estabelece as prerrogativas dos advogados, com base no artigo 133 da Constituição Federal, garantido assim as condições para a defesa da cidadania:

Art. 7º São direitos do advogado:

[…]

VI – ingressar livremente:

a) nas salas de sessões dos tribunais, mesmo além dos cancelos que separam a parte reservada aos magistrados;

b) nas salas e dependências de audiências, secretarias, cartórios, ofícios de justiça, serviços notariais e de registro, e, no caso de delegacias e prisões, mesmo fora da hora de expediente e independentemente da presença de seus titulares;

c) em qualquer edifício ou recinto em que funcione repartição judicial ou outro serviço público onde o advogado deva praticar ato ou colher prova ou informação útil ao exercício da atividade profissional, dentro do expediente ou fora dele, e ser atendido, desde que se ache presente qualquer servidor ou empregado;

d) em qualquer assembleia ou reunião de que participe ou possa participar o seu cliente, ou perante a qual este deva comparecer, desde que munido de poderes especiais;

VII – permanecer sentado ou em pé e retirar-se de quaisquer locais indicados no inciso anterior, independentemente de licença;

 QUEM TEM PRESSA OU DESINTERESSE NÃO DEVE IR À ASSEMBLEIA

     Portanto, a Lei confere ao advogado prerrogativas que autorizam defender seu cliente contra os abusos que ocorrem em inúmeros locais, entre eles as assembleias, sendo inaceitável e ilegal o síndico ou grupo criar empecilhos para que ocorra a manifestação livre, devidamente registrada, de maneira a esclarecer as dúvidas para os presentes que têm interesse em compreender o tema que está sendo deliberado. Não tem, inclusive, o advogado e seu cliente que tolerar a falta de educação dos membros de uma assembleia, especialmente daquele que diz que não se interessa em ouvir ou que tem pressa, pois a este basta exercer seu direito de ir embora, diante do sua falta de interesse.

     Para o advogado defender os cidadãos, o artigo 33 da Constituição Federal estabelece que ele é indispensável à administração da justiça e inviolável por seus atos no exercício de sua atividade, podendo participar de qualquer assembleia ou reunião como procurador de seu cliente, podendo se manifestar junto com este ou de maneira individual.

LGPD NÃO ALTERA DIREITO DE GRAVAR ASSEMBLEIA

     No Brasil o Direito tem como regra, o que a Lei não proíbe é permitido. Portanto, além de não existir Lei que impeça a gravação de uma reunião ou assembleia, há ainda, o Código de Processo Civil, que nos termos do seu art. 367, garante o direito das partes, em especial, do advogado, gravar até uma audiência ou julgamento sem ter que pedir permissão nem mesmo para o Juiz numa audiência, o que deixa óbvio não ter que solicitar autorização dos participantes de uma assembleia.

     É importante esclarecer que a Lei Geral de Proteção de Dados (13.709/2018), conforme definição no seu artigo 1º dispõe basicamente sobre “o tratamento de dados pessoais” para evitar que informações pessoais sejam transferidas a qualquer um de maneira aleatória ou indevida, por um controlador ou operador (arts. 2º e 3º, 5º, 7º dentre outros). Em nenhum artigo a LGPD interfere quanto à liberdade de realizar tal gravação, pois essa visa apenas garantir que a ata constará exatamente o que realmente ocorreu, sendo que o registro correto dos fatos na ata assemblear constitui um direito dos condôminos. Todavia, há condôminos que visando induzir o Juiz a erro e distorcer os fatos para manipular um processo judicial, fazem de tudo para impedir que a ata registre as manifestações dos presentes na assembleia. Dessa forma, cabe a qualquer condômino levar um notebook e impressora para a reunião e assim exigir a redação da ata para gerar segurança jurídica, a qual será impressa e assinada pelos presentes no final dos trabalhos, sendo evidente que a gravação de uma assembleia tem fins exclusivamente particulares, sem qualquer conotação econômica.

            Vejamos o que diz a LGPD:

Art. 4º Esta Lei não se aplica ao tratamento de dados pessoais:

I – realizado por pessoa natural para fins exclusivamente particulares e não econômicos;

II – realizado para fins exclusivamente: 

a) jornalístico e artísticos; ou 

[…]

III – realizado para fins exclusivos de:

d) atividades de investigação e repressão de infrações penais; ou […]

ASSEMBBLEIAS VIRTUAIS E CÂMERAS EM INÚMEROS LOCAIS SÃO INQUESTIONÁVEIS

     Ao contrário, a LGPD, inclusive confirma a possiblidade de utilização das milhares de câmeras de vídeo espalhadas por todas as ruas, edifícios, locais de trabalho, que visam justamente garantir o registro de algum furto, roubo, fraude ou qualquer outro ilícito penal, conforme previsto na alínea “d”, inciso III, do art. 4º.

     Inexiste nas suas diretrizes qualquer impedimento de gravar uma assembleia, pois essa Lei dispõe sobre a proteção de dados, entre outros bens jurídicos, da inviolabilidade da intimidade das pessoas. Os dispositivos da LGPD não são aplicáveis ao direito de um particular realizar a filmagem de uma reunião ou assembleia da qual faça parte, pois tal filmagem está longe de ser da intimidade de alguém.  Basta vermos as milhares de assembleias virtuais que a cada dia vêm sendo mais utilizadas diante da sua praticidade, sendo as mesmas gravadas sem qualquer questionamento dos participantes.

     Conforme a LGPD, a imagem da pessoa, somente será violada conforme a destinação dada às imagens capturadas, e não por sua captura em si, podendo ser utilizada, sim, como meio de prova, desde que tratada devidamente. Fosse diferente não poderia mais existir sistema de segurança por meio de filmagens, pois tais imagens visam justamente inibir atos ilícitos, bem como servir de prova em um processo penal contra quem os pratica, como por exemplo o crime de Falsidade ideológica por quem frauda a ata na frente de várias pessoas numa assembleia.

     Repita-se, capturar imagem não é ilegal. Ilegal pode ser o mal uso de tais imagens, o que no caso da reunião de condomínio não ocorre, sendo que a cada dia aumenta a realização das assembleias virtuais que se mostram muito produtivas.

 

Belo Horizonte, 23 de setembro de 2021.

 

Esse artigo foi publicado no Jornal O Tempo.

 

Kênio de Souza Pereira

Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG

Vice-presidente da Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB Federal

Conselheiro do Secovi-MG e da Câmara do Mercado Imobiliário de MG

Diretor da Caixa Imobiliária Netimóveis

kenio@keniopereiraadvogados.com.br