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SEGURO DO SFH ABRANGE INDENIZAÇÃO DO DANO ESTRUTURAL

 SEGURADORA RESPONDE POR VÍCIO EM IMÓVEL FINANCIADO PELO SFH

     Um dos grandes problemas que ocorrem nos apartamentos financiados por meio do Sistema Financeiro de Habitação (SFH), é a postura das Cias.  Seguradoras de se recusarem a arcar com os custos de reparação dos danos estruturais que surgem com o passar dos anos, os quais são ocultos e que, às vezes, se agravam após o prazo de garantia de cinco anos que cabe à construtora assumir. 

     Para proteger os compradores que são obrigados a assinar um contrato de adesão, em 16/08/21, no AgInt no REsp 942.310/SP,  Superior Tribunal de Justiça (STJ) condenou, novamente, uma Cia. Seguradora a indenizar o comprador de uma moradia que sofreu danos graves na estrutura, mesmo já tendo este quitado o financiamento habitacional junto à CAIXA, sendo que defendemos esse entendimento há vários anos.

     No julgamento do AgInt no REsp 942.310/SP, os Ministros do STJ não aceitaram a defesa da Cia. Seguradora que alegou a prescrição, tendo a condenado com fundamento em que os danos decorrentes de vício de construção se prolongam no tempo, e, por isso, “não permitem a fixação de um marco temporal certo, a partir do qual se possa contar com segurança, o termo inicial do prazo prescricional para a ação indenizatória correspondente a ser intentada contra a seguradora.” Afirmaram ainda: “À luz dos parâmetros da boa-fé objetiva e da proteção contratual do consumidor, os vícios estruturais de construção estão acobertados pelo seguro habitacional, cujos efeitos devem se prolongar no tempo, mesmo após a extinção do contrato, para acobertar o sinistro concomitante à vigência deste, ainda que só se revele depois de sua conclusão (vício oculto)”. Esse acórdão do STJ fundamentou também a decisão do TRF 5ª Região, proferido no dia 09/09/21, a favor de um mutuário contra a Sul América Companhia Nacional de Seguros.

 POSIÇÃO UNIFICADA DO STJ A FAVOR DO PROPRIETÁRIO DO IMÓVEL

     O STJ ao unificar seu entendimento por meio da Segunda Seção (que une a 3ª e 4ª Turma, ou seja, 10 Ministros), ao julgar em maio/21, o REsp nº 1.804.965/SP, constata-se que centenas de proprietários de apartamentos que estão sofrendo danos e que não tinham como exigir da construtora a reparação por ter essa falido ou, desaparecido do mercado, passam a ter como alternativa requerer a indenização do seguro que pagam na prestação do financiamento do SFH.

INTERPRETAÇÃO DA APÓLICE A FAVOR DO COMPRADOR

     Milhares de apólices de seguro não são claras ou são contraditórias quanto à exclusão do dever da Cia. Seguradora assumir os vícios de construção. Diante da ausência de transparência nas apólices que são impostas aos compradores que as assinam sem compreender vários pontos relevantes, os Tribunais se valem do fato desses contratos serem de adesão e assim analisam suas cláusulas de maneira mais favorável ao comprador/consumidor, com base em dois diplomas legais:

Código Civil:  Art. 423. Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente

Código de Defesa do Consumidor: Art. 47. As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor.

     O STJ entende que os mutuários têm a convicção de que o seguro garantirá a moradia em qualquer circunstância, pois seria absurdo essa ruir e o mutuário continuar a ser obrigado a pagar as prestações sem ter sua família onde morar. 

Constou na decisão do STJ, no Resp 1.804.965 julgado pela Segunda Seção, sendo que reproduzimos algumas partes da ementa:

….“a boa-fé objetiva impõe ao segurador, na fase pré-contratual, o dever, dentre outros de dar informações claras e objetivas sobre o contrato, para permitir que o segurado compreenda, com exatidão, o verdadeiro alcance da garantia contratada, e nas fases de execução e pós-contratual, o dever de evitar subterfúgios para tentar se eximir de sua responsabilidade com relação aos riscos previamente determinados”.

 

7 – Esse dever de informação do segurador ganha maior importância quando se trata de um contrato de adesão – como, em regra, são os contratos de seguro -, pois se trata de circunstancias que, por si só, torna vulnerável a posição do segurado.

8 – A necessidade de se assegurar, na interpretação do contrato, um padrão mínimo de consentimento do segurado, implica o reconhecimento da abusividade formal das clausulas que desrespeitem ou comprometam a sua livre manifestação de vontade, enquanto parte vulnerável.

9 – No âmbito do SFH, o seguro habitacional ganha conformação diferenciada, uma vez que integra a política nacional de habitação, destinada a facilitar a aquisição da casa própria, especialmente pelas classes de menor renda da população, tratando-se, pois, de contrato obrigatório que visa à proteção da família e à salvaguarda do imóvel que garante o respectivo financiamento imobiliário, resguardando, assim, os recursos direcionados à manutenção do sistema.

10 – A interpretação fundada na boa-fé objetiva, contextualizada pela função socioeconômica que desempenha o contrato de seguro habitacional obrigatório vinculado ao SFH, leva a concluir que a restrição de cobertura, no tocante aos riscos indicados, deve ser compreendida como a exclusão da responsabilidade da seguradora com relação aos riscos que resultem de atos praticados pelo próprio segurado ou do uso e desgaste natural e esperado do bem, tendo como baliza a expectativa de vida útil do imóvel, porque configuram a atuação de forças normais sobre o prédio.

11 – Os vícios estruturais de construção provocam, por si mesmos, a atuação de forças anormais sobre a edificação, na medida em que, se é fragilizado o seu alicerce, qualquer esforço sobre ele – que seria naturalmente suportado acaso a estrutura estivesse íntegra – é potencializado, do ponto de vista das suas consequências, porque apto a ocasionar danos não esperados na situação de normalidade de fruição do bem.

     Diante da profunda análise da situação, os Tribunais Estaduais certamente seguirão a orientação do STJ, deliberada em conjunto pelas 3ª e 4ª Turmas, na qual perdeu a força a alegação da Cia. Seguradora de que a apólice cobre somente os sinistros provocados por causas externas e que diante disso não cobre os danos internos. Para o STJ a apólice realmente não cobriria os danos internos se esses fossem provocados deliberadamente pelo segurado, mas quando se tratam de vícios de construção, não há como a Cia. Seguradora se eximir, pois o seguro se qualifica como um verdadeiro contrato de boa-fé que deve atender as justas expectativas do segurado de ter sua moradia preservada.

                      

 Belo Horizonte, 07 de outubro de 2021.

 

Esse artigo foi publicado no Jornal O Tempo.

 

Kênio de Souza Pereira

Advogado e Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG

Vice-presidente da Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB Federal

kenio@keniopereiraadvogados.com.br