Vantagem ilícita para o permutante ou construtor no rateio e em determinadas áreas comuns do prédio
Adquirir um imóvel em construção pode ser a realização de um sonho, que favorece o investimento nas adaptações e decoração, para ali se residir ou se trabalhar por longos anos, com a expectativa de haver uma relação saudável, equilibrada e amistosa com os vizinhos. Ocorre que, diante do fato da construtora não fornecer a minuta da convenção do condomínio aos pretendentes à compra, estes são levados a assinarem o contrato de compra e venda confiando nas promessas do corretor de imóveis e do construtor. Contando com a sorte, deixam de analisar juridicamente a documentação e a convenção que regulamenta a propriedade, podendo causar situações que se soubesse antes não teria comprado. Entretanto, ao ocuparem o edifício têm surpresas e prejuízos que poderiam ser evitados.
Alguns construtores, visando seduzir o proprietário do terreno a fazer a permuta por lojas, salas ou apartamentos que serão construídos, estabelecem na convenção cláusulas que beneficiam suas unidades em prejuízo das demais que serão vendidas para terceiros. Há edifícios em que o permutante ou o construtor retem para si as lojas do térreo ou determinados apartamentos e estabelecem uma forma de rateio que os beneficia, transferindo para as demais unidades residenciais uma parcela maior das despesas, apesar das áreas comuns e empregados serem usufruídos igualmente, pois os custos decorrem do uso externo ou seja, não tem ligação do a área interna dos apartamentos.
A falta de compreensão de que a fração ideal foi criada para dividir despesas de construção numa incorporação (art. 12, Lei º 4.591/64) e que a mesma não tem qualquer relação com o art. 24 que trata da divisão das despesas de manutenção e conservação das áreas comuns que são utilizadas igualmente, acarreta erros no rateio que acabam desvalorizando as unidades maiores.
CONVENÇÃO PODE FAVORECER PERDA DE ÁREAS COMUNS
Os abusos se verificam, às vezes, no pilotis ou nas áreas que sobram na garagem e no subsolo, que o construtor retem a posse para no futuro reivindicar a propriedade por meio de usucapião ou surrectio; bem como ao usar espaços do edifício para colocar placas de propaganda eternamente, sem nada pagar aos verdadeiros proprietários que têm uma fração de tudo.
Na maioria desses casos a construtora lucra com essas manobras, pois por ser bem assessorada juridicamente, cria argumentos que enganam os compradores que cometem o equívoco de ignorar a importância do advogado especializado para proteger seus legítimos interesses.
ARTIFÍCIO PARA DIFICULTAR A CORREÇÃO DOS ERROS
Em alguns casos, fica evidente a má-fé, pois o redator da convenção, apesar de saber que a lei estabelece o quórum de 2/3 para aprová-la e alterá-la, estipula maliciosamente, que os condôminos poderão eliminar os “erros” somente mediante o quórum qualificado unânime. Isso causa revolta e depõe contra a construtora que acaba criando uma situação de conflito extremo entre os coproprietários, pois aqueles condôminos que são beneficiados (permutantes e amigos do construtor) impedem a mudança ao impedir a obtenção do quórum. Assim, o elevado número de votos para aprovar solução justa é utilizado por quem é beneficiado para perpetuar vantagem que sabe ser imoral.
Quando a polêmica envolver valor de quotas de unidades diferentes, os beneficiados se limitam a justificar que “a lei permite” e por uma pequena vantagem/quantia impõe ao vizinho um pesado prejuízo mensal com o pagamento da quota baseada na aplicação irracional da fração ideal.
O problema é que as pessoas prejudicadas, ao deixarem de lutar no Poder Judiciário para eliminar esses abusos, por agirem de forma amadora e desorganizada aumentam o prejuízo ou perdem o direito pela prescrição no caso da posse irregular das áreas que pertencem à coletividade. O Judiciário tem o poder de eliminar o lucro e a vantagem que gera o enriquecimento sem causa, decorrente da lesão praticada contra o condômino que acreditou na boa-fé de quem elaborou a convenção.
Belo Horizonte, 21 de outubro de 2021.
Este artigo foi publicado no Jornal O Tempo.
Kênio de Souza Pereira
Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG
Vice-presidente da Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB Federal
Conselheiro da Câmara do Mercado Imobiliário de MG e do Secovi-MG
Diretor da Caixa Imobiliária Netimóveis
kenio@keniopereiraadvogados.com.br