Os condomínios edilícios não são fiscalizados pelo Fisco por não visarem lucro, pois objetivam apenas receber os recursos dos condôminos para cobrir as despesas com funcionários, a conservação e manutenção do edifício. Entretanto, diante da inadimplência, especialmente nos condomínios de grande porte, compostos por 500 e até 1500 apartamentos, têm surgido empresas, algumas com a fachada de “administradoras de condomínio” e outras como “garantidoras”, de consultoria/cobrança, que têm agido como instituições financeiras ao adiantarem a receita mensal do condomínio. Esse tipo de transação camufla a atividade de factoring, pois a administradora faz um contrato que promove o adiantamento da receita (que seria no caso, os títulos de crédito representados pelas quotas condominiais estipuladas na ata) mediante a cobrança de uma taxa de 7% a 10% ao mês, sob o argumento de que o condomínio fica despreocupado com quem está inadimplente. Assim, a administradora/garantidora assume a obrigação de cobrar dos devedores, prestando os serviços de administração de crédito, faturando, além da taxa de 10% ao mês (que é muito maior do que os juros cobrados por qualquer banco), a multa de 2% de atraso, os juros de 1% ao mês (ou mais conforme estipulado na convenção) e os honorários advocatícios de 20% sobre o total da dívida.
Na prática, a empresa, age como se fosse um banco ou financeira ao exercer uma atividade comercial, mista e atípica, que soma a prestação de serviços à compra de ativos financeiros, sendo que tal ato, praticado por quem não tem autorização legal, constitui ilícito administrativo e criminal, nos termos do art. 1º da Resolução BACEN nº 2144/1995:
“Art. 1º Esclarecer que qualquer operação praticada “por empresa de fomento mercantil (“factoring”) que não se ajuste ao” “disposto no art. 28, parágrafo 1º, alínea “”c.4″”, da Lei nº 8.981, de” 20.01.95, e que caracterize operação privativa de instituição financeira, nos termos do art 17, da Lei nº 4.595, de 31.12.64, constitui ilícito administrativo (Lei nº 4.595, de 31.12.64) e criminal (Lei nº 7.492, de 16.06.86).”
EMPRESÁRIOS PODEM RESPONDER POR CRIME
As administradoras não possuem autorização legal para realizar operações financeiras de antecipação de receita oriunda do rateio de despesas do condomínio e assim cometem ilegalidade que afronta o artigo 17 da Lei nº 4.595/64. Seus diretores podem vir a responder por agiotagem, além de incorrerem no risco de pena de reclusão, de 1 a 4 anos, e multa, nos termos do art. 16, da Lei 7.492/86, pois tais empresas se travestem com a roupagem de factoring para cobrar juros de até 10% ao mês (camuflada na forma de taxa de antecipação).
Além desse ilícito, nessas empresas, em especial nas que atuam como administradoras de condomínio e de cobrança, há casos de advogados que prestam serviços jurídicos aos condomínios e moradores, o que consiste em atitude antiética, uma captação irregular de clientes que fere o Estatuto da Advocacia que proíbe a prestação de serviços jurídicos vinculada a qualquer empresa.
OAB TEM PROCESSADO E DENUNCIADO A LESÃO AO FISCO
Essa captação imoral de clientela é vedada, pois são inúmeros os casos de condomínios e condôminos que são induzidos a erro, com orientações maliciosas decorrentes do fato do advogado da administradora proteger essa que tem interesses conflitantes com quem solicita a consultoria, conforme já mencionado nos artigos publicados no jornal O Tempo que esclarecem os riscos que os síndicos, conselheiros e condôminos correm ao contratarem empresas que agem à margem das leis:
“SERVIÇO JURÍDICO É FUNÇÃO DO ADVOGADO, NÃO DA ADMINISTRADORA” 10 de setembro de 2020
“OAB-MG DEFENDE O TRABALHO DOS ADVOGADOS” 18 de novembro de 2021
“GESTORAS DE CONDOMÍNIO SÃO MULTADAS PELA JUSTIÇA FEDERAL POR ATOS ILEGAIS” 27 de janeiro de 2022
A Ordem dos Advogados do Brasil, seção Mato Grosso, acionou a Justiça Federal contra a atuação ilegal das administradoras que invadem a área jurídica e que promovem a concorrência desleal por meio de advogados antiéticos e ao promover os estudos e procedimentos prévios, ao notifica-las apurou indícios de crimes tributários, pois, essas não responderam se pagam o IOF, o Imposto de Renda, a Contribuição Social, o Pis e Cofins sobre o fato de emprestarem dinheiro aos condomínios e praticarem a atividade de factoring.
Há ainda a lesão aos municípios, caso não paguem o ISSQN sobre o enorme lucro que recebem ao praticar fomento mercantil, sendo interessante a Prefeitura de Belo Horizonte apurar, bastando exigir os contratos que essas empresas elaboram com os condomínios. Os valores são astronômicos, pois basta vermos o seguinte exemplo:
* 10 clientes/condomínios que tenha por exemplo 500 apartamentos cada.
* 5000 apartamentos com o valor da quota mensal R$700,00
* Valor da taxa de 10% mensal = R$70,00
* Faturamento da mensal da Garantidora: R$70,00 x 5.000 = R$350.000,00
* Somado a esse faturamento: multas, juros moratórios e honorários advocatícios, uma empresa pequena, com pequena capital, fatura mais de R$500.000,00 por mês e R$6.000.000,00 por ano sem pagar diversos tributos
Diante disso, no processo 1030190-90.2021.4.01.3600, da 1ª Vara Federal Cível da SJMT, proposto contra as Administradoras de Condomínios e Empresas Garantidoras que agem de maneira irregular, foi solicitada a multa de R$50.000,00 por cada ato irregular dessas empresas, a indenização por danos coletivos de R$1.900.000,00, bem como a instauração de procedimento investigatório pela Procuradoria da Fazenda Nacional, do Estado e do Município, bem como pelo Ministério Público para que sejam apuradas as irregularidades perante o Fisco.
Belo Horizonte, 10 de fevereiro de 2022.
Este artigo foi publicado no Jornal O Tempo.
Kênio de Souza Pereira
Advogado e vice-presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB Nacional
Membro da Ibradim
kenio@keniopereiraadvogados.com.br