O mundo digital é uma maravilha quando funciona, ou seja, quando os contratantes cumprem o combinado. Assim, pode-se questionar: para que ter um corretor de imóveis ou um advogado para intermediar ou orientar numa transação imobiliária? Afinal, se todo mundo fosse honesto e agisse com boa-fé, não haveria conflitos, seria desnecessário juízes, tribunais e policiais. Entretanto, o mundo real é bem diferente!
Muitas pessoas têm ficado frustradas com o atendimento das imobiliárias digitais, pois essas visam a obtenção de lucro mediante a automatização de procedimentos, com um modelo de negócios que se baseia no envio de mensagens robotizadas, já que inexistem pessoas para atenderem e compreenderem as particularidades dos clientes. Na prática é impossível conseguir um atendimento pessoalmente, sendo raro conseguir contato por telefone, pois nos sites não constam endereço e nem o número do telefone.
O contato com este tipo de imobiliária só é possível por e-mail ou WhatsApp, sendo comum a demora nos retornos e, quando ocorrem, são muitas vezes mensagens prontas que não atendem à real necessidade do cliente. Assim, o cliente acaba sendo vencido pelo cansaço e desiste do assunto, pois nunca obtém a orientação que não se encaixe no rol de resposta pré-programadas. Quer conferir? Basta entrar no Site Reclame Aqui e pesquisar as centenas de reclamações contra os robôs que nada resolvem nas inovadoras imobiliárias virtuais!
UBER E CABIFY CONFIRMAM AS LIMITAÇÕES DAS EMPRESAS VIRTUAIS
A mesma frustração ocorreu com a UBER, pois o excelente atendimento com carros impecáveis, motoristas bem vestidos e educados ficou no passado. O cancelamento de corridas, a falta de carros e a cobrança excessiva com a tarifa dinâmica nos fazem ter saudade dos táxis que acabaram sendo reduzidos diante da agressiva concorrência virtual.
As empresas virtuais entram no mercado de forma agressiva, com preços e condições sedutoras, mas diante da impossibilidade de manter a condição de terem prejuízos por longo prazo, seus serviços vão se deteriorando, as falhas aumentando. O resultado são os milhares de motoristas que eram literalmente explorados, que abandonaram essas plataformas, tendo a Cabify indo embora do Brasil em junho 21 e a UBER perdido milhares de motoristas diante da postura de impor preços que nem pagam o aluguel do carro.
INTERMEDIAÇÃO DE VENDAS DE FORMA PRECÁRIA
As imobiliárias virtuais estão agora intermediando também a compra e venda de imóveis, utilizando-se de modelos de contratos que deixam margem a diversas dúvidas, já que estas não disponibilizam profissionais experientes para conversar com o comprador e o vendedor e inserir no contrato as cláusulas específicas que atendam as partes. Robôs e atendentes de call center não sabem fazer isso, pois não está na programação ou no script. Pensar fora da telinha do computador, nunca! Não têm expertise com problemas que geram cobrança, litígios, pendências com financiamentos e questões urbanísticas e cartoriais.
Os contratos digitais são simplórios, como modelos do “google”, pois os atendentes/robôs não sabem redigir cláusulas específicas, que gerem segurança jurídica adequadas a determinado imóvel ou em função de fatos posteriores, as quais são importantes para determinado cliente. Para essas imobiliárias, o importante é faturar, receber a comissão. Depois o cliente “se vira”, pois não há como ele bater na porta da empresa, já que nem endereço ela tem. Essa é a regra!
TOMARA QUE TUDO DE CERTO OU ENTÃO TERÁ COMPLICAÇÕES
Ao surgir o choque de interesses entre os contratantes, estes acabam tendo que contratar um advogado especializado para solucionar o problema, pois nesse caso, o robô de nada serve.
A lógica das startups é a seguinte: gerar milhares de negócios com rapidez, automaticamente, pois a maioria dá certo! Porém, quando surgem problemas, essas empresas virtuais contam com o fato de o brasileiro “deixar pra lá” por ser culturalmente pacífico e não luta por seus direitos. Quando o cliente foge à regra e reclama diante do problema, a startup o transfere para um atendimento com várias respostas automáticas. Se tinha acesso privilegiado por ser locador ou vendedor, diante do encerramento do negócio, a startup o descadastra da plataforma, pois assim esse passa a não como contactar. E se, assim, o “reclamão” não sossegar, a empresa diz que ele perdeu o prazo, pois dificilmente o cliente insatisfeito entrará com um processo se nem sabe que são os donos da tal empresa que nem endereço possui.
PROPAGANDA CRIATIVA IGNORA OS RISCOS DOS NEGÓCIOS
As imobiliárias virtuais são ótimas com as propagandas criativas para captar o imóvel e para anunciá-lo, mas para resolver problemas, são um caos! Basta ver que no seu contrato de locação, para evitar trabalho, elas inserem que o inquilino fica isento de pintar o imóvel quando desocupa o imóvel, que é devolvido com os danos. Nesse momento o robô não exige nada do inquilino e o locador descobre que assinou o contrato sem ler vários detalhes.
Casos específicos não são resolvidos por atendimentos automatizados, pois robôs não pensam e não conversam racionalmente com as partes envolvidas, especialmente se uma delas for prejudicada por descumprimento de uma obrigação.
Quer testar se é verdade? Tente ir ao escritório para sentar à mesa com o atendente para uma reunião e verá que isso é impossível. Muitos que cansam de reclamar via e-mail recebem a resposta: “não tratamos de questões judiciais” ou “lamentamos que sua experiência conosco não tenha sido satisfatória, mas estamos empenhados em melhorar”.
Belo Horizonte, 16 de junho de 2022.
Este artigo foi publicado no Jornal O Tempo.
Kênio de Souza Pereira
Diretor Regional em MG da Associação Brasileira de Advogados do Mercado Imobiliário – ABAMI
kenio@keniopereiraadvogados.com.br