A todo momento surge uma empresa, na maioria das vezes virtual, com a promessa de que garantirá o pagamento dos aluguéis, dos encargos e dos reparos do imóvel locado, caso o inquilino não pague. A criatividade para faturar a venda de fiança locatícia tem motivado alguns aventureiros a oferecerem para as imobiliárias e locadores diversos tipos de garantia, que acabam seduzindo também os inquilinos com a comodidade de não precisarem pedir para parentes ou amigos que assinem o contrato de locação como fiadores.
Como bons vendedores, só divulgam as vantagens e benefícios mediante taxas que parecem atrativas, mas que se comparadas com a comissão de 10% que as imobiliárias cobram para administrar diversos problemas, fica evidente que o custo da garantia imobiliária ou da carta fiança é extremamente elevado. Não é dito o que realmente o produto contempla para garantir os prejuízos decorrentes de uma inadimplência, pois em geral, não cobre nem 30% dos riscos reais. Por isso, é muito mais seguro para o locador exigir os tradicionais fiadores que são analisados por uma imobiliária de verdade, a qual sempre está à disposição do locador para atendê-lo pessoalmente na sua sede.
PROPAGANDA ENGANOSA E A BOA-FÉ DOS LOCADORES
Essas criativas empresas garantidoras, que usam como garotos propagandas belos atores, contam com a inexperiência dos locadores e de algumas imobiliárias que desconhecem as complicações que envolvem um processo judicial de cobrança, pois em inúmeros casos, o limite de garantia se esgota muito antes de ocorrer a desocupação do imóvel pelo inadimplente.
As empresas que vendem garantia sabem que as pessoas têm boa-fé, que acreditam nas promessas e que elas não leem contratos complexos que remetem parte deles para os sites, nos quais, algumas, inserem documentos com letras miúdas, com diversos adendos, para que o cliente não tenha conhecimento das “armadilhas” que só descobrirá depois que acontecer a inadimplência.
No Youtube, há palestras que demonstram a verdade que não é mencionada nas engenhosas propagandas, sendo que os locadores só descobrem que dispensaram o inquilino de pintar o imóvel quando este é desocupado com a pintura danificada, cujo reparo essas imobiliárias virtuais não cobrem e assim o locador tem que assumir o prejuízo de ter que recuperar o imóvel para poder realizar nova locação. Isso e outras armadilhas praticadas pelas startups, como a enganação do aluguel garantido, foram demonstradas no Seminário da OAB/MG sobre “OS SEGREDOS DESVENDADOS DO QUINTO ANDAR” – https://www.youtube.com/playlist?list=PL9Vk_iwqQU-CA5nOF4o250y1PH7wDgFW6 .
INEFICIÊNCIA DO PODER JUDICIÁRIO É USADA PARA PROTEGER AS STARTUPS
É um desafio citar um inquilino que se utiliza de manobras e recursos judiciais para dificultar o andamento do processo. Por desejar economizar, é comum a Garantidora não contar com boa assessoria jurídica, apta a se empenhar para dar o devido andamento ao despejo, pois paga pouco ao advogado que trabalha por atacado. Ao final, a Garantidora acaba se livrando do problema ao ter o valor de cobertura esgotado, ficando o locador sem receber a maior parte da dívida, e com um processo conduzido de forma precária pelo advogado da startup imobiliária ou pela Garantidora. Em alguns casos, essa empresa sai do mercado ou deixa o assunto de lado, já que ela não tem nenhum patrimônio para efetivamente garantir a dívida.
Os locadores desconhecem que as imobiliárias virtuais não cobram dos inquilinos várias obrigações, além da pintura do imóvel, cabendo ao locador arcar com elevado gasto com a reparação para torná-lo novamente habitável, além das dívidas com o IPTU e quotas de condomínio. Basta verificar no site Reclame Aqui para ver os vasos das “garantidoras que não garantem nada”.
Diante da inexistência de sede física, que torna impossível o locador prejudicado sentar à mesa com o responsável pela empresa que lhe garantiu o pagamento, tem sido fácil a “Garantidora Virtual” enrolar, criar desculpas e diversas justificativas padronizadas por e-mail para ao final, após meses, não pagar a dívida que disse que quitaria no momento que convenceu o locador a contratá-la. Ela sabe que o locador acabará aceitando o prejuízo, pois este será maior de ficar esperando uma perícia judicial com o imóvel fechado.
Quanto à Carta Fiança, quando contratada, é redigida por um expert que se utiliza de conhecimento jurídico, especialmente, processual, para inserir “surpresas” nas entrelinhas. E assim elas lucram de maneira bem moderna e tecnológica.
Belo Horizonte, 14 de julho de 2022.
Este artigo foi publicado no Jornal O Tempo.
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Kênio de Souza Pereira
Diretor Regional de MG da Associação Brasileira de Advogados do Mercado Imobiliário
Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG (2010 a 2021)
Vice-presidente da Comissão Especial da OAB Federal (2019/21)