O Decreto nº 11.165 de 09/08/22, que modificou a regulamentação da profissão de Corretor de Imóveis, foi revogado pelo Presidente da República no dia seguinte, após os protestos por parte do COFECI (Conselho Federal de Corretores de Imóveis), por entender que seus dispositivos prejudicariam esses profissionais.
O COFECI afirmou que o Decreto era ilegal e que abriria o mercado imobiliário para atuação de “qualquer aventureiro”, pois tira do corretor de imóveis a prerrogativa da intermediação imobiliária sobre o que foi chamado de atividades e serviços auxiliares, como a captação (inserida no decreto como “indicação de imóveis para intermediação”), publicidade ou marketing, uso da internet para divulgação de imóveis para venda e locação, bem como a hospedagem em sítio eletrônico. Ele incluiu atividades não relacionadas com a profissão, dentre as quais o atendimento ao público em geral e a distribuição de panfletos, geralmente realizadas por recepcionistas.
Os especialistas que atuam no mercado imobiliário percebem que a preocupação do COFECI consiste na redução do número de pessoas que os CRECIs (Conselhos Regionais de Corretores de Imóveis) poderiam vir a impor sua fiscalização, por elas se enquadrarem nas atividades e serviços auxiliares que não estão sujeitos à multa que o Conselho aplica com a alegação de exercício ilegal de corretagem.
Por terem receio de serem multadas, as imobiliárias estimulam seus colaboradores obterem a carteira de corretor. Ao se inscrever e obter a carteira de corretor, o CRECI passa a receber uma anuidade de R$790,00, que se equipara ou até supera o valor cobrado por outros conselhos profissionais que exigem curso superior. A grande questão do COFECI talvez esteja no receio de perda de receita, pois o decreto poderia ser utilizado na defesa de quem não se inscreveu no CRECI.
DECRETO REFLETE A REALIDADE
Ao analisarmos o Decreto nº11.165/22, constata-se que ele simplesmente reproduz o que de fato ocorre há anos no mercado imobiliário, já que na prática inexiste qualquer lei que proíba um proprietário vender ou locar seu imóvel, podendo qualquer pessoa que não seja corretor intermediar uma ou duas locações, esporadicamente, pois tais atos não configuram exercício profissional. Somente quando uma pessoa exercer a intermediação de vários imóveis, ou seja, se apresenta como um profissional para os proprietários de imóveis, e busca meios e recursos de atrair clientes para esse negócio passa a ter que observar os preceitos legais e o Código de Ética que torna-se obrigatório ter a carteira do CRECI, inscrição essa também obrigatória para se abrir uma imobiliária. O que a Lei nº 6.530/78, que regulamenta a profissão de corretor, determina no artigo 3º é: “compete ao Corretor de Imóveis exercer a intermediação na compra, venda, permuta e locação de imóveis, podendo, ainda, opinar quanto à comercialização imobiliária.”
Portanto, somente o exercício constante, ou seja, a prática rotineira da intermediação por pessoa jurídica ou natural, é que configura o exercício profissional sujeito à proteção legal e disciplinar do COFECI e dos CRECIs, vinculados ao Ministério do Trabalho.
OMISSÃO NA EXIGÊNCIA DE MELHOR QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL
O fato é que o COFECI que é presidido pela mesma pessoa desde 2000 e os CRECIs têm se omitido há décadas quanto ao dever de exigir melhor qualificação de quem obtém a Carteira de Corretor, pois basta responder a alguns pontos de uma apostila e fazer uma prova, a qual é feita num bate-papo coletivo, sem qualquer fiscalização. O que se percebe é o interesse meramente financeiro desses conselhos em receber, cada vez mais as anuidades de milhares que flutuam entre ser ou não corretor, a depender de quando o mercado está aquecido.
Os Conselhos de Corretores têm, há décadas, fechado os olhos para os corretores que ignoram os preceitos que dignificam a profissão e o Código de Ética, pois não criam mecanismos para exigir melhor qualificação de quem deseja se tornar um corretor. E assim, milhares de bons profissionais são prejudicados por uma concorrência desleal que se observa com proliferação de placas de diversas imobiliárias num único imóvel sem opção prévia e escrita do proprietário, a captação predatória, a falta de respeito com o outro profissional e a afronta à tabela de honorários. Esses atos irregulares denigrem a imagem do profissional, mas os CRECIs nada fazem para coibir tal situação que tem estimulado muitos proprietários a não darem o devido valor à intermediação, abrindo espaço para o atendimento robotizado, criado por startups que só visam o lucro.
STARTUPS OBTIJEVAM ACABAR COM A PROFISSÃO DE CORRETOR
O que temos visto nos últimos cinco anos é a criação de novas imobiliárias virtuais, tais como o Quinto Andar e a Loft, que na realidade colocam robôs para atender os locadores, inquilinos, vendedores e compradores. Essas startups sequer possuem sede física, sendo um mistério a quantidade de corretores de imóveis que realmente possuem, pois divulgam ter dezenas de milhares de colaborares. Entretanto, os clientes raramente têm contato com um corretor, pois por e-mail ninguém apresenta a Carteira do CRECI.
Tudo é eletrônico, sendo que milhares de clientes nunca viram um corretor nessas plataformas digitais. Raramente se consegue falar com alguém ao telefone, sendo comum ser automatizado (inventaram o Corretor Robô!). Mas nada é dito pelos CRECIs. E assim, vemos a profissão de corretor sendo substituída por robôs, sem ninguém reclamar. Isso sim é que é grave!
Belo Horizonte, 15 de agosto de 2022.
Este artigo foi publicado na Jornal Hoje em dia.
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Kênio de Souza Pereira
Diretor Regional em MG da Associação Brasileira de Advogados do Mercado Imobiliário
kenio@keniopereiraadvogados.com.br
Conselheiro da Câmara do Mercado Imobiliário de MG e do Secovi-MG