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OCUPANTE DE ÁREA COMUM PODE GANHAR PROPRIEDADE CONTRA O CONDOMÍNIO – Supressio – Prejuízo – Usucapião – (HOJE EM DIA)

   Por inércia ou falta de conhecimento, o condomínio às vezes permite que um morador tome posse de uma área ociosa que pertence à coletividade condominial da qual não precisa, sendo comum isso ocorrer na área térrea, na garagem, numa lateral, nos fundos do edifício ou mesmo no telhado. Contudo, ocorre que caso essa área comum venha a ser utilizada por apenas uma pessoa como se fosse somente dela aquele espaço, de maneira a excluir os demais coproprietários, por mais de dez anos cria-se a possibilidade de que o condomínio perca o direito de retomar o referido local. Isso porque, diante do desinteresse dos condôminos sobre determinada área comum, aquele que a utiliza por longo período integrando-a ao seu patrimônio exclusivo.

   Nesses casos, o Poder Judiciário entende que a coletividade foi negligente e ao deixar de impedir que a posse por aquele ocupante se tornasse ininterrupta e que fosse exercida como se pertencesse somente àquela pessoa. Essa situação acontece em centenas de edifícios, pois os moradores deixam de se preocupar com determinados espaços, especialmente quando se tratam de áreas encravadas, pois não são úteis aos demais condôminos..

CONDOMÍNIO PERDE PROPRIEDADE PELA “SUPRESSIO”

   Considerando que o condômino é possuidor coproprietário de todas as áreas comuns, e ainda que estas não possuem matrícula individualizada no Ofício de Registro de Imóveis, a evolução jurisprudencial consagrou a “supressio”, a qual consiste na perda do direito de o condomínio requerer a reintegração da posse utilizada individualmente pelo condômino por mais de dez anos. Essa situação se assemelha com a usucapião, porém, diferente da “supressio”, esta somente ocorre nos casos em que o imóvel possui matrícula distinta, como por exemplo, uma casa, uma loja ou até uma vaga autônoma com matrícula individualizada, ou seja, para que seja possível a usucapião é necessário que o imóvel possua fração ideal distinta e guia do IPTU.   

   Diante dos diversos casos de condôminos reivindicando essas áreas comuns cuja posse foi permitida pelo condomínio por dez ou mais anos, de maneira correta, foi aperfeiçoado o entendimento de que se ninguém precisou da mesma e se inexistiu contestação formal, deu-se ao condômino possuidor a certeza de que tal área passou a lhe pertencer integralmente.

   Assim, diante dessa situação pacífica – a qual se constata pela ausência de ação reivindicatória ou de reintegração de posse – o possuidor acaba integrando o espaço ao seu patrimônio em decorrência da “surrectio”, que nada mais é do que esse direito de propriedade que surgiu em razão da “supressio”.

 A IMPORTÂNCIA DE SE DOCUMENTAR A PROPRIEDADE ADQUIRIDA PELO TEMPO

   A integralização da área utilizada de forma exclusiva ao patrimônio do possuidor, a qual não pode mais ser retomada após dez anos, poderá ser formalizada por meio de uma decisão judicial ou mesmo no momento que ocorrer uma rerratificação da convenção. Dessa forma, o processo judicial proposto pelo possuidor visará basicamente obter o reconhecimento formal da área como sua propriedade em decorrência do desinteresse ou da negligência do condomínio. Nesse sentido, certamente é interessante investir nesse tipo de processo, pois a formalização da propriedade acarreta a valorização do apartamento.

   Um exemplo dessa situação se dá nos edifícios onde existem áreas de garagem encravadas que servem apenas aos proprietários de determinadas vagas, bem como os casos de apartamentos que têm acessos a espaços ociosos nos corredores, nos quais só se pode entrar passando por por dentro destes.

 RECUSAR REGULARIZAÇÃO PODE GERAR PREJUÍZO PARA O CONDOMÍNIO

   Há aqueles que a reclamam com os vizinhos sobre determinado condômino que está exercendo um a posse de uma área além do que está no seu registro imobiliário, mas se recusam a contratar um advogado para exigir as providências para a interrupção da utilização da área, querendo evitar gastos.  Assim, ficam anos e anos fazendo comentários superficiais, sem tomar nenhuma providência jurídica, deixando ocorrer a prescrição contra o construtor ou o possuidor, caso estes talvez tenham cometido alguma irregularidade.

   Com isso, após décadas “acordam” e, ao serem informados que perderam o direito de agir, só lhes resta aceitar a consolidação da propriedade. E ainda no caso de se recusarem a proceder à formalização dessa situação por meio de uma rerratificação da convenção, o que eliminará polêmicas futuras, acabarão forçando o possuidor a propor uma ação, a qual provavelmente será procedente ao pedido do propositor, o que resultará em prejuízos ao condomínio.

 USUCAPIÃO É VIÁVEL QUANDO NÃO SE TRATA DE ÁREA COMUM

   Ao contrário dos casos em que o imóvel não possui uma matrícula individualizada, quando este possuir matrícula no Ofício de Registro de Imóveis, poderá vir a ser adquirido pela usucapião, desde que o possuidor exerça uma posse mansa e pacífica do bem, sem oposição ou interrupção, pelo lapso temporal previsto na lei que lhe assegure a prescrição aquisitiva (o qual pode ser maior ou menor de acordo com a natureza da ocupação). Várias são as regras da usucapião, devendo o possuidor verificar nos artigos 1.238 a 1.244 do Código Civil, bem como os artigos 9º e 10º do Estatuto das Cidades, Lei nº 10.257/2001, em qual situação se enquadra.

   Por outro lado, quando se tratar de um condômino utilizando uma área comum, considerando-se que ele já é coproprietário, este poderá obter a propriedade exclusiva por meio da “surrectio”, que decorre da perda do direito de o condomínio retomar a área possuída.

  

Belo Horizonte, 12 de setembro de 2022.

 

Este artigo foi publicado na Jornal Hoje em Dia.

Acesse o link para baixar o PDF do artigo publicado.

 

Kênio de Souza Pereira

Diretor Regional em MG da Associação Brasileira de Direito Imobiliário

Diretor da Caixa Imobiliária Netimóveis

Conselheiro da Câmara do Mercado Imobiliário MG e do Secovi-MG

kenio@keniopereiraadvogados.com.br