A convivência e a tomada de decisões consistem num desafio nos condomínios, pois envolvem dezenas de pessoas com pontos de vista, valores e interesses diferentes, o que acaba gerando milhares de processos judicias. Contudo, uma parte deles poderia ser evitada. Em muitos casos, é espantosa a postura do condomínio em motivar o conflito, pois bastaria que a assembleia deliberasse com racionalidade e bom senso para que uma aventura jurídica que prejudicou a coletividade condominial com o pagamento das elevadas despesas judiciais, fosse evitada.
A experiência adquirida em mais de 32 anos de advocacia, dos quais 12 anos como presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG, me fizeram compreender alguns tipos de comportamento, que relato neste artigo com o objetivo de alertar as pessoas para que se interessem mais pelos assuntos que são debatidos nas assembleias, já que as deliberações ali tomadas serão impostas aos condôminos que não compareceram à reunião.
Sabemos que a grande maioria das pessoas é honesta e age com ética e respeito, no entanto outras procuram evitar problemas e, para não se desgastarem com algumas discussões que naturalmente poderão ocorrer, deixam de ir às assembleias. Estas pecam por não se interessarem sobre os detalhes dos assuntos ali tratados, dando margem para que alguns mal intencionados criem um litígio que não tem sentido.
BAIXA PARTICIPAÇÃO NA ASSEMBLEIA FAVORECE DECISÃO ILÓGICA
Em razão do pequeno volume de participantes nas assembleias e do desinteresse em tratar dos assuntos do condomínio, alguns temas passam a ser conduzidos por pequenos grupos que, às vezes, agem de forma abusiva e desonesta, já que se recusam a cumprir as obrigações legais.
Para que ninguém descubra a má-fé do gestor ou do grupo que deseja impor a situação abusiva, esses procuram impedir que os fatos sejam esclarecidos ou até mesmo mentem e distorcem os fatos acerca do tema para induzir os condôminos a erro. Quando o assunto é levado à assembleia, tal grupo tumultua a reunião para impedir que as pessoas prejudicadas esclareçam as irregularidades e digam qual seria a atitude correta, legal e em conformidade com a ética e a boa-fé.
Como exemplo de casos que seriam facilmente resolvidos, mas que acabam por gerar demandas judiciais surreais, citamos a negativa do condomínio de consertar o telhado do prédio e indenizar os danos causados pela infiltração que às vezes decorre das fachadas; a recusa de indenizar os reparos do carro que foi danificado pelo portão que o porteiro acionou no momento indevido ou pela goteira da laje; a recusa em estabelecer um rateio de despesas justo, conforme o efetivo uso de cada unidade; a divisão de vagas contrárias à documentação ou uso irregular da garagem; o desvio de verbas; a aprovação irregular de instalação de antena de telefonia; a aplicação abusiva de multas; a omissão sobre o dever de repreender condutas antissociais, dentre outros.
MAL INTENCIONADO SE DESTACA E INIBE OS VIZINHOS
Mundialmente, constata-se que as pessoas que não têm limites éticos se destacam ou conseguem o que desejam com maior facilidade. Isso também pode ser observado nas casas legislativas (Congresso Nacional, Assembleia Legislativa e Câmara Municipal), bem como em núcleos menores como nas reuniões, por exemplo, onde a pessoa bem intencionada ou mais consciente deixa de se manifestar por receio de ser atacada ou perseguida pelo mal intencionado. No caso dos condomínios, há muitos que nem comparecem à assembleia para evitar desgastes diante do clima desrespeitoso. Entretanto, é importante que estes outorguem procuração para que seu voto seja computado em prol da decisão correta, bem como para evitar que o errado prospere.
Aquele que faz de tudo para levar vantagem ou prejudicar o vizinho, não se preocupa em criar um litígio, mesmo que acarrete em uma grande despesa processual, pois para ele são irrelevantes os desgastes nas relações de amizade, bem como os custos com a contratação de advogados, perícias e os ônus da sucumbência.
Além disso, o mal intencionado aproveita para não deixar constar na ata a sua manifestação que comprovará no futuro que ele provocou o litígio que gerou prejuízo. Assim, maliciosamente faz constar apenas que a maioria aprovou o ato ilegal, de forma genérica, pois assim se esconder das consequências decorrentes da condenação de um processo judicial criado pelo condomínio de maneira inconsequente. Se constasse na ata os nomes e os votos de cada um dos condôminos para arcarem pessoalmente com os prejuízos da aventura jurídica, estes provavelmente mudariam de posição, já que não contariam com o pagamento rateado com os demais condôminos ingênuos ou que deixaram de participar da assembleia.
PESSOAS SENSATAS DEVEM SE IMPOR NA REUNIÃO
Obviamente, o certo e o errado existem, sendo dever de todos optar pelo que é correto e digno. Mas, de forma incrível, nos depararmos com decisões de assembleias que negam o óbvio, como a recusa de pagar pelos móveis danificados pela infiltração decorrente do telhado, da fachada ou da prumada do edifício. Com isso, o que se constata é que pelo menos 20% dos processos judiciais deixariam de existir se as pessoas sensatas efetivamente se manifestassem na assembleia contra um ou outro mal intencionado, que grita para fazer valer sua pretensão de levar vantagem ou de lesar o vizinho.
As pessoas éticas e conscientes não podem se omitir, nem ter receio de confrontar aquele que luta para impedir que uma decisão justa seja tomada. É comum que o mal intencionado tente impedir que alguém esclareça o caso, dizendo que não interessa o que o outro tem a falar, e esbravejando: “Vamos para a Justiça!”. Estes agem assim, pois sabem que o prejuízo que estão causando será dividido entre todos, inclusive com os inocentes e com os que se calaram. Com isso, entendemos o que Martin Luther King disse: “O que preocupa não é o grito dos maus, mas o silêncio dos bons”, pois a omissão das pessoas boas aumenta o poder de convencimento daqueles que são mal inencionados.
Belo Horizonte, 22 de setembro de 2022.
Este artigo foi publicado na Jornal O Tempo.
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Kênio de Souza Pereira
Diretor Regional de MG da Associação Brasileira de Advogados do Mercado Imobiliário
Conselheiro do Secovi-MG e da Câmara do Mercado Imobiliário de MG
Diretor da Caixa Imobiliária Netimóveis
kenio@keniopereiraadvogados.com.br