Em Belo Horizonte, o Poder Executivo interferiu na elaboração do Plano Diretor em 2019, tendo pressionado os vereadores naquela época a engessar algumas normas por saber que essas seriam danosas e que em breve seriam repudiadas pela população. Contudo, o Plano Diretor deve acompanhar o crescimento e o desenvolvimento da cidade, que são dinâmicos. Entretanto, foi inserida uma “pérola da irracionalidade” no artigo 86, que fixa o prazo mínimo de oito anos, a partir da sua entrada em vigor para que qualquer aperfeiçoamento possa ocorrer. Legalizaram e legitimaram uma mordaça ao progresso ao bloquear os vereadores de legislar em prol dos munícipes.
Logicamente, não se pode ignorar que os vereadores são eleitos para criar leis e aperfeiçoar aquelas a partir do momento que tomam posse. Somente, assim, é cumprido o que a Constituição Federal determina: o exercício da atividade legislativa que não pode ser travada por uma lei municipal.
Lei complicada: até os técnicos da PBH têm dúvidas
Obviamente, a Lei que visa permitir o crescimento urbano de forma equilibrada, por ter 410 artigos e 19 anexos de grande complexidade, nasce com alguns equívocos, além de surgir com o passar do tempo, mudanças no cenário que impõe algumas alterações. Passados mais de três anos da aprovação do Plano Diretor (Lei nº11.181/19), até os técnicos que a elaboraram, dentre eles os arquitetos e engenheiros que trabalham na Secretária Adjunta de Regulação Urbana de BH têm dúvidas, tanto é que para se aprovar um projeto é comum a demora de mais de 8 meses, pois a cada entrevista com o técnico surgem novas interpretações. Assim, rotineiramente, são necessárias quatro entrevistas para se conseguir aprovar um projeto que em outras cidades que prestigiam a produção o alvará é liberado rapidamente, conforme vemos no entorno da Capital.
A insegurança dos técnicos da PBH é evidenciada pela postura de não aceitarem atender pessoalmente os profissionais das construtoras para avaliar os projetos, pois assim evitam expor as dificuldades com a interpretação da Lei e da falta de prática na área. É imposto o atendimento virtual, sendo comum a demora em responder os e-mails que são enviados para os técnicos, que se tivessem domínio das normas resolveriam presencialmente e de forma célere.
Necessidade de ajustes constantes no Plano Diretor e a ADIN
Por ser de grande complexidade qualquer Plano Diretor, o Estatuto da Cidade (Lei federal nº 10.257/2001, que “estabelece diretrizes gerais de política urbana”), determina no art. 40, § 3º, o dever de os municípios revisarem os Planos Diretores, obrigatoriamente, pelo menos, a cada dez anos. Percebe-se que o legislador federal não estipulou prazo mínimo, mas deixou clara a necessidade da lei municipal não ser estática, pois as cidades são dinâmicas. Tanto é verdade que São Paulo mudou diversos artigos, em prazo curto, após aprovar seu Plano Diretor em 2014, para beneficiar seus cidadãos. Mas em Belo Horizonte estamos sendo obrigados a descumprir a intenção da lei federal e fadados ao atraso e estagnação urbanos.
Dessa forma, causa perplexidade o Plano Diretor de BH contar com a garantia do atraso e do prejuízo por oito anos. De maneira acertada o presidente da Câmara Municipal de Belo Horizonte, vereador Gabriel Azevedo, juntamente com a Mesa da CMBH, propôs Ação Direita de Inconstitucionalidade (proc. nº 0100323-73.2023.8.13.0000) contra o art. 86 do Plano Diretor (Lei nº11.181/19), de maneira a derrubar esse prazo de oito anos. Somente a lei federal, no caso, o Estatuto da Cidade, pode estabelecer diretrizes gerais, como tais prazos, conforme se constata em alguns dispositivos da referida lei.
Vereadores não podem ser impedidos de trabalhar
O Plano Diretor foi aprovado em 2019 pela legislatura eleita em 2016-2020, sendo evidente a inconstitucionalidade ao impedir que as legislaturas eleitas em 2021 e 2025 aprovem qualquer mudança no Plano Diretor até 2027. Isso fere o regime democrático, afronta a soberania popular e a atuação livre e independente do Poder Legislativo Municipal.
Sabemos que o poder emana do povo que elege seus representantes, não podendo estes serem impedidos de legislar sobre a lei mais importante da cidade para manter o que outros interesses políticos deliberaram anteriormente, em 2018/19 que apresentava outro cenário, dois anos antes da Pandemia do Coronavírus que afetou todo o mundo.
TJMG pode impor o respeito aos princípios constitucionais
Temos convicção de que os sábios Desembargadores do TJMG, julgarão que o art. 86 não se sobrepõe ao devido processo legislativo e às necessidades da adequação do planejamento do solo que se mostram urgentes, que não podem esperar oito anos. Manter tal aberração jurídica configuraria a inédita suspensão temporal da competência constitucional dos vereadores legislarem garantida pelo art. 30, I e II, da CF e pelo art. 171 da Constituição do Estado de MG, sendo antidemocrático impedir os efeitos naturais da alternância de poder.
Belo Horizonte, 09 de fevereiro de 2023.
O resumo deste artigo foi publicado na nossa coluna do Jornal O TEMPO.
Acesse o link para baixar o PDF do artigo publicado.
Kênio de Souza Pereira
Conselheiro da Câmara do Mercado Imobiliário de MG e do SECOVI-MG.
Diretor Regional em MG da Associação Brasileira de Advogados do Mercado Imobiliário – ABAMI