Análise da decisão que determinou a abertura dos bares e restaurantes em BH
Como profissional do Direito há mais de três décadas e da imprensa, sinto-me na obrigação de esclarecer à população, sem qualquer viés ideológico ou político, a polêmica ocorrida na semana passada, referente a decisão judicial que determinou a reabertura dos bares e restaurantes. Tentarei expor, de forma simples o tema, evitando utilizar em excesso a formatação técnico jurídica.
No caso, a discussão se dá em relação ao impedimento total do exercício pleno do Princípio da Livre Inciativa, em detrimento do Princípio da Saúde Pública, além da infringência do Princípio da Legalidade pelo Município de Belo Horizonte. Como é do conhecimento geral, os bares e restaurantes estão impedidos por tempo indeterminado de exercerem plenamente as suas atividades, ou seja, a Livre Iniciativa, para que seja garantida a Saúde Pública. Isso, se por um lado, protege a população até que o Município possa oferecer-lhe a garantia de assistência médica adequada, por outro, impede os donos de bares e restaurantes de trabalharem e gerarem riquezas, empregos e impostos, enfim, de impulsionarem a economia, também a fim de manter o bem-estar de todos, pois em torno de 75 mil empregados, dentre elas garçons, atendentes, cozinheiras, além dos que realizam os trabalhos administrativos, estão em extrema necessidade, sem pagar seus compromissos.
A esse impasse a Constituição apresenta a solução do Princípio da Proporcionalidade, que nada mais é do que equilibrar a aplicação dos princípios em choque, evitando a exclusão de um deles, o que também é vedado por ela. E foi isso o que foi reconhecido pelo Juiz Wauner B. F. Machado, de maneira sábia e prudente, ao decidir pela reabertura de bares e restaurantes. A decisão demonstrou a necessidade de se fazer esse equilíbrio, já que são decorridos mais de 120 dias de fechamento ou de impedimento de trabalho por esse seguimento. Isso é anormal, tendo Belo Horizonte obtido o recorde mundial de tempo de fechamento do comércio. Se, o Município de Belo Horizonte não conseguiu se preparar nesse período e as várias promessas de abertura de leitos não foram cumpridas, para garantir a assistência adequada à saúde pública, essa conta não pode mais ser imputada aos donos e empregados dos bares e restaurantes, que estão rapidamente quebrando e perdendo os seus empregos.
VEREADORES DEVERIAM AGIR EM PROL DA POPULAÇÃO
Provavelmente, se o Executivo Municipal tivesse ampliado a participação e a discussão sobre o planejamento e a medidas para o enfrentamento da pandemia junto com a população, por meio da Câmara de Vereadores, estaríamos atualmente em melhor situação. E é justamente aqui que a decisão judicial detectou outra ofensa à constituição, ou seja, ao Princípio da Legalidade, que enseja a participação democrática de todos, por meio dos Vereadores, na elaboração das leis que a população deverá se submeter para enfrentar essa pandemia.
Nós advogados, que repudiamos decisões judiciais influenciadas por correntes ou interesses políticos, e que lutamos pela Justiça e o respeito à legalidade, entendemos que, impor tais restrições à população por decretos municipais fere a Constituição. Basta seguirmos o exemplo do Estado de Minas Gerais vem fazendo, deixando os decretos apenas para regulamentar essas leis, o que, inclusive é determinado por lei. Diante disso, o Juiz da 3ª Vara Municipal, suspendeu o decreto de restrição dessas atividades, para que essas irregularidades sejam corrigidas pelo Município a fim dele elaborar o projeto de lei e enviá-lo à Câmara de Vereadores, que, por sua vez, deverá debatê-lo, emendá-lo, se assim entender, e aprová-lo, para então o Prefeito sancioná-la ou vetá-la. É assim que funciona em uma Democracia e é assim que a Constituição Federal determina que seja.
O Juiz da 3ª Vara Municipal foi brilhante na sua decisão, técnico e corajoso ao não se dobrar ao medo daqueles que não querem assumir riscos ou de outros bem remunerados (recebendo mesmo estando em casa) que não se importam com a miséria, a fome e a violência (assaltos e arrombamentos), além dos suicídios que estão por vir diante do desemprego.
Com respeito à opiniões contrárias, não se deve interpretar que o Supremo Tribunal Federal autorizou os Municípios a imporem as medidas de restrição por decretos, pois ele não disse isso expressamente e, interpretar de maneira extensiva o que ele disse sobre a competência local para impor restrições, também infringe o Princípio Constitucional da interpretação restritiva das normas, quando se quer limitar o que a Constituição prevê.
A decisão não se ateve ao mérito sobre as medidas para evitar a pandemia, mesmo porque isso demandaria a produção de provas, o que não é possível em ações de mandados de segurança. Entendemos que as condições de funcionamento impostas pelo Juiz, após suspender o decreto restritivo, teve apenas a finalidade de evitar o caos na reabertura desses comércios, até que o Prefeito e a Câmara de Vereadores restabelecessem as restrições por lei, debatida por meio da participação dos segmentos da população, mas não de atribuir-se a competência dos demais poderes.
Esse artigo foi publicado no Jornal Diário do Comércio
Kênio de Souza Pereira
Vice-Presidente da Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB Federal
Conselheiro da CMI-MG e do SECOVI-MG
Membro do IBRADIM – Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário