A ilusória ideia de que o Site não divulgará os dados de quem realiza a reclamação tem estimulado alguns consumidores a praticarem crimes na internet por meio de reclamações maliciosas. Ao sinal da menor contrariedade, o indivíduo utiliza portais como o “Reclame Aqui” para denegrir a imagem de empresas acreditando que não será punido. Entretanto, os Tribunais de Justiça têm reconhecido o direito da empresa de ser reparada pelo consumidor que publicou críticas ofensivas ou infundadas. O “Reclame Aqui”, visando orientar adequadamente o público, divulgou matéria em 11/09/15, sobre uma consumidora que foi condenada a indenizar empresa por um comentário exagerado na internet.
O Site que divulga reclamações de terceiros também pode ser responsabilizado a indenizar a empresa ofendida, especialmente, se não passar todos dados do reclamante que se utilizou desse canal da internet – que gera lucro para seus proprietários – para difamar a imagem de terceiros. Há aquele que se utiliza de nome falso para fazer uma reclamação, sendo dever da diretoria do Site fornecer à vítima da difamação todos os dados do autor, com a qualificação, identidade, endereços e e-mail.
NÃO SE ADMITE A FALTA DE IDENTIFICAÇÃO DO RECLAMANTE
Caso o Site divulgue nota negativa sem exigir todos os dados do autor, tal imprudência e negligência lhe acarretará o dever de indenizar pelos danos causados com base nos artigos 186, 187 e 927 do Código Civil. Dependendo da gravidade das acusações, consiste dever do Site coibir a prática danosa, não devendo permitir a postagem de má-fé, com o intuito de prejudicar, de difamar ou caluniar, da mesma maneira que faz o Facebook, YouTube e o Instagram, os quais têm uma política que prima pela ética e responsabilidade.
Já que ganha dinheiro com a visibilidade das reclamações, deve o Site, quando verificar que a reclamação é agressivo ou duvidosa, fazer uma prévia verificação, para evitar danos irremediáveis decorrentes de possível má intenção. É fato que há reclamações tão ilógicas e fantasiosas que devem ser enviadas primeiro para a empresa reclamada, para apurar a veracidade dos fatos, devendo logo após ser publicada no Site se tiver fundamento. Assim, evitará os danos materiais e morais que uma nota falsa ou maliciosa causa após ser acessada por milhares de pessoas, as quais podem deixar de ser clientes da empresa vitimada pelas inverdades.
DEVER DE INDENIZAR PERSISTE MESMO NÃO HAVENDO DOLO
Não pode o Site se esquivar de responder pelos danos que poderia evitar se tivesse agido com a devida cautela, pois sendo profissional, assume os riscos ao dar visibilidade há milhares de pessoas de um comentário ou nota depreciativa. Basta relembramos o trágico episódio da Escola Base, em São Paulo, que em 1994, teve seus diretores e funcionários acusados de pedofilia, o que depois, foi provado ser mentira. Apesar dos veículos de comunicação e autoridades desmentirem as informações após a descoberta do equívoco, os donos da escola, que foi vandalizada, já estavam falidos e sofriam ameaças de morte.
Há diversas reportagens que relatam que após manchar a imagem de uma empresa, o pedido posterior de desculpas ou a retratação vale pouco, pois o estrago já terá se consumado. A Escola faliu e seus proprietários tiveram grande prejuízo financeiro, emocional e além da saúde prejudicada. Os maiores veículos de comunicação do Brasil foram condenados a indenizar as seis pessoas da Escola Base, bem como à empresa, em milhões de reais, pois divulgaram dados inverídicos, o que serve de orientação para os Sites de Reclamações. Citamos apenas alguns links, dentre vários que estão no Google, para que haja reflexão sobre a responsabilidade de acusar alguém injustamente:
– https://canalcienciascriminais.com.br/caso-escola-base/
– https://pleno.news/brasil/justica-condena-globo-em-r-135-mi-em-caso-da-escola-base.html
– https://iserassessoria.org.br/a-escola-base-e-o-suicidio-do-reitor/
RECLAMAÇÃO DEVE SER RESPEITOSA E VERÍDICA
Cabe ao reclamante agir de forma séria e criteriosa ao relatar sua indignação que deve ter fundamentação jurídica. Mas, se age de forma abusiva, corre o risco de responder civilmente e até criminalmente, mesmo que não tivesse a intenção de criar os danos que geraram os prejuízos.
O TJMG, ao julgar em 19/11/20, a Apelação Cível 1.0000.20.495001-8/001, confirmou que o direito de reclamação do consumidor e a livre manifestação de pensamentos são limitados, não podendo ofender a honra de pessoa jurídica na internet ou por meio de rede social, conforme decisão:[…] “A pessoa jurídica pode sofrer dano moral desde que demonstrada ofensa à sua honra objetiva (imagem e reputação). O direito à livre manifestação do pensamento, previsto no artigo 5º, inciso IV, da CF, deve ser compatibilizado com outros direitos, dentre os quais a imagem e honra. Postagens em redes sociais que extrapolam a liberdade de expressão e o direito do consumidor de reclamar da prestação do serviço ensejam direito a indenização por danos extrapatrimoniais”.
Fazer uso da internet para coagir uma empresa a agir conforme o seu desejo ou vingar-se dela por não ter cedido à pretensão injusta, tem gerado o aumento dos processos contra reclamantes, que têm se surpreendido, ao serem condenados a indenizar o reclamado pelo art. 139 do Código Penal.
ABORDAGEM CORRETA POR PARTE DOS CONSUMIDORES
O cliente deve estar ciente de que usar termos pejorativos ou difamatórios contra a empresa pode acabar prejudicando a si mesmo. Ele desperdiça a oportunidade de exercer o direito legal, como consumidor, em razão da atitude de distorcer o problema. Não se mostra racional, fazer parte das diversas ações ajuizadas pelas empresas com pedido de dano moral e de retirada das postagens ofensivas, como se pode verificar numa simples pesquisa na internet.
Muitos consumidores confundem algumas liberdades garantidas pela Constituição Federal, como por exemplo, a prerrogativa de reclamar, respaldada pelo CDC – liberdade de expressão (artigo 5º, IX); a livre manifestação do pensamento (artigo 5º, IV) e o marco civil da internet (artigo 3º, I), para justificar uma postura agressiva e desrespeitosa. Entretanto, a lei não autoriza quem alguém acuse uma empresa de maneira irresponsável, pelo contrário, a própria Constituição Federal estabelece limites, protegendo a intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas (artigo 5º, X), e, ainda, o CDC estabelece a boa-fé como princípio norteador das relações de consumo (artigo 4º, III).
Postagens desprovidas da observação a esses limites e suas consequências ultrapassam o direito de reclamar, esbarrando no abuso de direito que enseja a responsabilização civil fundamentada pelo artigo 52 do CC e pela Súmula 227 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que prevê: “A pessoa jurídica pode sofrer dano moral”.
Em recente decisão do TJSP, houve condenação do torcedor que utilizou palavrões para tecer críticas ao clube de futebol.
DANO MORAL. Ofensas ao autor, clube recreativo, por meio da rede social Facebook. Impropérios que ultrapassam o direito de crítica e de livre manifestação. Liberdade de expressão que não deve se sobrepor aos direitos fundamentais da honra objetiva e do bom conceito da pessoa jurídica. Linguagem coloquial e informal usada na Internet tem limite na violação da honra alheia. Dever de indenizar por danos morais. Possibilidade de danos morais à pessoa jurídica, titular de determinados direitos da personalidade. Critérios de fixação dos danos morais. Funções ressarcitória e preventiva. Quantum indenizatório mantido, à luz das circunstâncias do caso concreto. Recurso improvido.
(TJ-SP 10061414320168260362 SP 1006141-43.2016.8.26.0362, Relator: Francisco Loureiro, Data de Julgamento: 26/10/2017, 1ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 26/10/2017)
A orientação dos Tribunais é que o consumidor evite mensagens com teor de desabafo ou vingança, elaboradas no calor da emoção.
Há de se fazer uso da proporcionalidade, moderação e respeito à verdade dos fatos. Com base nisso, tentar resolver o caso diretamente com a empresa, registrando a sua reclamação devidamente documentada, que comprove o prejuízo ou justifique a chateação, é o melhor caminho.
Esse artigo foi publicado no Jornal Diário do Comércio
Kênio de Souza Pereira
Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG
Vice-presidente da Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB Federal
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