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ÁGUA: DESCULPA PARA COBRANÇA ABUSIVA DE QUOTA DE CONDOMÍNIO É A IMPORTÂNCIA DA PERÍCIA PARA ESCLARECER QUANDO A FRAÇÃO IDEAL GERA ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA

Kênio de Souza Pereira (*)

        A maioria dos edifícios que têm unidades de tamanhos diferenciados (apartamento tipo/cobertura/com área privativa ou prédio com salas e lojas) fundamenta a cobrança da quota de condomínio com base na fração ideal com o argumento de que as unidades maiores, supostamente, consomem mais água do que as unidades menores. Assim, insistem em cobrar das coberturas entre 50% a 200% a mais do valor pago pelo apartamento tipo em relação a todas as despesas que compõem o rateio do condomínio, como se o custo da água refletisse nos demais, como as despesas com mão de obra que são as mais elevadas.   
        Ignoram, que as despesas que compõem a quota de condomínio decorrem da manutenção e conservação das áreas comuns, que são utilizadas igualmente por todos os condôminos, independente do tamanho das unidades, e que por isso são bem diferentes do rateio das despesas da construção, para o qual foi criada a fração ideal citada no artigo 12 da Lei nº 4.591/64 que regulamenta as incorporações em condomínio.
        Na legislação brasileira, taxa é o preço ou quantia que se estipula na  contraprestação de serviço, ou como remuneração deste, sendo certo que porteiros e faxineiros trabalham de forma idêntica para todos os condôminos. A quota que é chamada erroneamente de taxa de condomínio não pode ser confundida com IPTU ou ITBI, impostos estes cobrados com base no valor da propriedade. Alguns, incomodados com a maior capacidade financeira de seu vizinho, alegam que por ele possuir determinado status, deve pagar taxa maior, ou seja, o punem como o Leão do Imposto de Renda.

REALIDADE SOBRE O USO DA COBERTURA OU TÉRREO

       Como especialista em Direito Imobiliário e ex-vice presidente do Secovi-MG e da Câmara do Mercado Imobiliário de MG por 4 mandatos, esclarecemos que mais de 80% das coberturas são ocupadas por um número de pessoas inferior à alguns apartamentos tipo, sendo isso provado nas perícias judiciais. O IBGE confirmou há décadas que quanto mais elevado o poder aquisitivo da família, maior a tendência desta ter menos filhos.
        É comum a cobertura ser habitada por casais com faixa etária mais elevada, tendo os filhos já saído de casa, sendo habitual ainda servir de moradia para solteiros ou divorciados.
        Interessante que no decorrer desses 36 anos em que atuo como diretor da Caixa Imobiliária Netimóveis, com locação e compra e venda, na Capital Mineira, nunca nos deparamos com uma cobertura ocupada por mais de 6 pessoas. Diante dessa realidade causa surpresa o argumento ilusório dos que defendem a aplicação do rateio pela fração ideal na cobertura, ao afirmarem esta ser destina a ocupada por 10 pessoas ou várias famílias, o que é irracional. As convenções determinam que um apartamento é unifamiliar, razão de inexistir nestes instrumentos a permissão de que a cobertura possa ser utilizada como uma pensão, pois somente neste caso esse argumento seria plausível.

O QUE CONSOME ÁGUA

        Qualquer perícia confirma que a maior parte do consumo de água de um apartamento (entre 75 a 90%) decorre dos banhos das pessoas, do uso do vaso sanitário, da preparação de alimentos e lavação de roupas, portanto, evidente que o consumo de água das coberturas é semelhante ao dos apartamentos tipo.
        Há décadas os pisos dos banheiros e das áreas frias são conservados com pano molhado e não com mangueira, fato esse que fragiliza o argumento de que a cobertura gasta mais água por ter outro piso. As diversas pesquisas sobre consumo doméstico indicam que o gasto de água com a limpeza das áreas e pisos varia de 3 a 4% do consumo de uma moradia, o que é pouco significante perante o fato das outras atividades que decorrem do uso de pessoas chegar a 90% do total consumido.
       Quanto à piscina (que às vezes se assemelha a uma hidromassagem maior), qualquer pessoa sabe que a água é raramente trocada, por ser sempre tratada com produtos químicos.
       Na realidade, há edifícios onde os moradores dos apartamentos tipo com banheira de hidromassagem gastam muito mais água com a utilização constante deste equipamento do que quem possui uma piscina, pois na hidro, a água é jogada fora, conforme apurado em periciais judiciais. Em geral os peritos confirmam ser impossível afirmar que a cobertura com piscina gaste mais que as unidades tipo devido ao consumo ser decorrente dos hábitos das pessoas e não pelo tamanho do apartamento.

RECEIO DA PERÍCIA E A MOTIVAÇÃO DESONESTA PARA IMPEDI-LA

        A falta de estudo profundo sobre as questões que envolvem o rateio de despesas, custos de construção, que são totalmente diversos dos custos de manutenção, e conservação das áreas comuns, bem como a dificuldade da população em dominar questões matemáticas e de engenharia, exigem que o Julgador determine a realização de uma perícia por um engenheiro civil. Este é o único expert apto a responder os diversos quesitos que são importantes para que as partes sejam esclarecidas sobre pontos que exigem um conhecimento técnico sobre incorporação imobiliária, para o Magistrado fundamentar a sua decisão. Sem observar a perícia, vemos às vezes, a frustração de surgir uma decisão judicial com base no senso comum, pois o assunto exigi domínio técnica do que seja incorporação para entender o erro que os construtores cometem ao confundir quota com IPTU e ignorar que o rateio decorre de parte da propriedade, ou seja, das áreas comuns, as quais não se confundem com a área privativa (apartamentos e cobertura)
        Por saber que a cobrança pela fração ideal é abusiva e injusta, é comum o condomínio lutar para impedir que a perícia seja deferida, pois este geralmente nunca a requer. Qualquer pessoa convicta de seu direito e visando fornecer dados robustos para uma análise de um provável recurso de apelação pelos Desembargadores, requer a perícia.
        Impedir ou indeferir a produção da prova pericial evidencia receio de expor a verdade sobre os fatos mediante cálculos matemáticos, pois os números não mentem.
       Além disso, para evitar que ocorra desconfiança de que o magistrado tem visão tendenciosa ou preconcebida sobre essa situação que se mostra equivocada desde 1964, cabe a ele, de ofício, determinar a realização da perícia, pois assim terá elementos válidos para sentenciar de maneira racional e não de forma subjetiva.
       Consiste uma ofensa ao direito de ampla defesa deixar de realizar a perícia, pois sua ausência poderá acarretar erros no julgamento na 2ª instância, tendo em vista que nesta fase não há como fazer prova pericial, que pode instruir num julgamento mais preciso.
        A perícia elucida pontos técnicos que são imperceptíveis à maioria dos operadores do direito, pois estes não são engenheiros e nem contadores. Com os dados técnicos fica evidente o enriquecimento ilícito, que fere os princípios constitucionais da isonomia, proporcionalidade, razoabilidade, além da boa-fé, que vedam que uma pessoa pague a mais pelo que se usa igualmente com os vizinhos.

AÇÃO NÃO QUESTIONA LEGALIDADE FRAÇÃO IDEAL, MAS SUA UTILIZAÇÃO INDEVIDA QUANDO, EM ALGUNS CASOS, FERE 5 ARTIGOS DO CC

        Equivocam-se aqueles que pensam que a Ação Revisional de Nulidade do Rateio pela Fração Ideal visa declarar que o uso da fração ideal seja ilegal. A fração ideal é a regra, pois em geral os edifícios são padronizados, mas quando há unidades de tamanhos diferentes, a boa-fé impõe que seja observada e respeitada a expressão “salvo disposição em contrário” do art. 12 da Lei nº 4.591/64, que foi reproduzida no art. 1.336 do Código Civil (CC), que visa justamente prestigiar o bom senso e o respeito ao raciocínio matemático.
        A perícia estimula o acordo, pois há casos em que as partes, ao terem seus quesitos respondidos, passam a compreender melhor a matéria e assim o magistrado acaba sendo beneficiado com a finalização de mais um processo mediante um entendimento saudável.         Nesse mesmo raciocínio se mostra sábia a posição dos Desembargadores dos Tribunais Estaduais, quando determinam a realização da perícia ao julgarem um Agravo de Instrumento decorrente da posição do Juiz “a quo”, que indeferiu a sua realização.                 É importante compreender que a realização da perícia atende ao pedido do proprietário do apartamento de cobertura/térreo que deseja provar que o uso da fração ideal afronta o art. 884 do CC, e este deseja pagar por sua realização. Consiste em medida de economia e celeridade processual o seu deferimento de imediato, pois a experiência comprova que a mesma favorece o acordo e evita o prolongamento da demanda, bastando o juiz permitir que a Assembleia Geral opine nesse sentido após verificar as respostas dos quesitos.
       Mediante o acordo será evitado o aumento de trabalho para o Tribunal de Justiça, pois não haverá apelação a ser julgada. Mas caso haja apelação, a perícia fornecerá dados preciosos para que o julgamento desta seja acertado, a ponto de desestimular a propositura de Recurso Especial ou Extraordinário.

EVOLUÇÃO DO CONHECIMENTO E AS CONSTRUTORAS

       Com o passar do tempo as pessoas evoluem, adquirem novos conhecimentos e aprimoram a forma de trabalhar, pois com a experiência erros deixam de ser cometidos. Assim, as construtoras mais preparadas têm inserido nas convenções de condomínio cláusula de rateio de despesas ordinárias sem o uso da fração ideal, pois sabem que essa foi criada para dividir despesas de construção, onde a unidade maior que outra paga mais pela obra.
       Várias construtoras têm instalado hidrômetros individuais nos apartamentos, especialmente quando há no edifício apartamento de cobertura ou térreo, o que certamente elimina pontos de polêmica.
       O diretor da Construtora Alturez, o engenheiro Luis Flávio Magalhães Albuquerque que constrói edifícios de alto padrão em Belo Horizonte-MG, desde 1988, esclarece que a experiência e o bom senso determinam a divisão igualitária do rateio nas convenções, ou seja, os apartamentos de cobertura pagam o mesmo valor das unidades tipo.

  “Nas despesas do dia a dia, não há porque o apartamento de cobertura, que utiliza da mesma forma as áreas comuns (porteiros, escadas, salão de festas, áreas de lazer, etc) pagar a mais que os demais apartamentos. Para evitar dúvidas passamos a instalar a hidrometria há mais de 11 anos e os síndicos confirmaram que há uma considerável variação no consumo de água entre as unidades, esta variação é vinculada principalmente ao número de moradores do apartamento e que os excessos de consumo normalmente estão ligados a vazamentos facilmente detectados com a hidrometria, mesmo com o apartamento desocupado. Ao saber quanto cada apartamento consome, foi eliminada essa polêmica, e assim criou o “benefício da justiça”, ou seja, cada um paga o que consome inclusive vazamentos. Assim eliminou-se a ilusão do apartamento de cobertura sempre gastar mais, pois neste é comum residir até menos pessoas que a média dos moradores nos apartamentos tipo e nem sempre tem piscina em uso” esclarece o construtor Luis Albuquerque.

       A postura da construtora de agir com profissionalismo na elaboração da convenção resulta em apartamentos mais valorizados, pois são eliminados pontos de atritos, que às vezes levam a demandas judiciais que motivam até a venda da unidade e a mudança daqueles que desejam sossego e tranquilidade.

 PESQUISAS REVELAM A REALIDADE DO CONSUMO

      Na web há vários sites e pesquisas sobre o consumo de água doméstico, como no www.planetaorganico.com.br, sendo uma das mais confiáveis a realizada pela DECA, tradicional empresa fabricante de materiais hidráulicos e sanitários. A maioria das pesquisas aponta que 70 a 80% do consumo doméstico decorre do uso do banheiro (descargas e banhos), o que não tem qualquer ligação com o tamanho do apartamento e sim o número de pessoas e os costumes destas.
      Na pesquisa da DECA, 46% do gasto é com chuveiro, 26% com lavatório e bacia sanitária, 5% tanque, 8% máquina de lavar roupas, e 15% pia da cozinha, ou seja, são pessoas que consomem água e não o tamanho do apartamento. Isso, porque, ninguém cozinha, dá banho ou lava o apartamento! Tanto é verdade que no site http://www.aguanossa.blogspot.com.br/2011/09/graficos-e-estatisticas-do-consumo (acesso 22/7/13) aponta que num consumo per capita de 150 litros por dia, 92 são com banho e descarga, 17 com máquina de lavar, 11 com cozinha/outros e 2% com limpeza e 2% com lavagem de pisos. Já no www.uel.br/pos/enges/dissetarcoes/34.pdf, referente à dissertação do Dr. Antônio Gil Fernandes Gameiro, da Universidade Estadual de Londrina, os pisos de uma moradia consomem até 4% do consumo total de uma residência.

     Conforme o especialista, Maurício de Castro, agente de saneamento da Copasa (Companhia de Saneamento de Minas Gerais), um dos mais conceituados palestrantes do país sobre o uso racional da água, 37% do consumo residencial decorre da descarga dos vasos sanitários, 40% dos banhos, 20% da cozinha e lavação de vestuário. Apenas 3% restantes são utilizados para limpeza dos pisos dos banheiros e áreas, o que engloba o piso extra das coberturas.

     Diante desses dados estatísticos se mostra viável uma análise criteriosa sobre a questão do consumo de água quando efetivamente é apurado que o apartamento de cobertura ou térreo consome mais que a média dos apartamentos tipo. Entretanto, há situações em que os apartamentos tipo, caso tenham mais moradores ou banheiras de hidromassagem podem vir, em alguns casos, consumir mais que a unidade de maior fração ideal, mesmo que essa possua uma pequena piscina, já que essa água não é esgotada e sim tratada.
     A questão é controvertida, mas pode vir a ser resolvida com a proposta do apartamento de cobertura ou térreo pagar o percentual (entre 10 a 25%) a mais sobre a cota parte de água cobrada do apartamento tipo, sendo mantido o rateio igualitário sobre as demais despesas do rateio. Com bom senso e boa vontade o entendimento prevalecerá e todos pagarão o rateio conforme o que realmente é gasto por cada unidade.

  

Publicado no Boletim do Direito Imobiliário – Diário das Leis em agosto 2013. Revisado em 29 de abril de 2021.

 

Esse artigo foi publicado na Revista BDI – Boletim do Direito Imobiliário

 

Kênio de Souza Pereira

Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG

Vice-presidente da Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB Federal

Representante em MG da Associação Brasileira de Advogados do Mercado Imobiliário

Conselheiro da Câmara do Mercado Imobiliário de MG e do Secovi-MG

Membro do IBRADIM – Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário

Kenio@keniopereiraadvogados.com.br