RETOMADA DO IMÓVEL É REALIZADA NORMALMENTE DURANTE A PANDEMIA
O costume das pessoas lerem apenas o título de matérias nos jornais ou de repetirem sobre o que “ouviu dizer”, tem gerado confusão, pois algumas têm cometido o equívoco de achar que despejos nos imóveis alugados estão suspensos. Na verdade, o proprietário continua tendo liberdade de requerer a desocupação do seu imóvel que esteja alugado, caso o contrato esteja vigorando por prazo indeterminado, pelo simples fato de não desejar manter a locação residencial ou não residencial. Essa ação é conhecida por “despejo por denúncia vazia”, podendo ser proposta um dia após o vencimento do contrato. Caso o locador tenha permitido a prorrogação por prazo indeterminado, poderá, após notificar o inquilino para desocupar no prazo de 30 dias, propor a ação de despejo para reaver a posse do seu bem, sendo que o processo tramitará normalmente.
JULGAMENTO DO STF TEM COMO FOCO AS OCUPAÇÕES COLETIVAS E NÃO IMPEDE EXECUÇÃO DE DESPEJO PROVENIENTE DE LOCAÇÃO
O Supremo Tribunal Federal (STF), por meio do Ministro Luís Roberto Barroso, deferiu parcialmente medida cautelar no dia 03 de junho, nos autos da ADPF nº 828, suspendendo por 6 meses, ou seja, até 03/12/21, medidas administrativas e judiciais que resultem em despejos, desocupações, remoções forçadas ou reintegrações de posse de natureza coletiva em imóveis que sirvam de moradia ou que representem área produtiva pelo trabalho de populações vulneráveis. Esse julgamento em nenhum momento prejudicou as locações urbanas. Continua tendo o locador, pleno direito de solicitar a desocupação do seu imóvel, especialmente se o inquilino cometer infração contratual, como a falta de pagamento ou a sublocação.
O que a cautelar do STF determinou foi apenas suspender pelo prazo de seis meses, a concessão de despejo liminar sumário (prazo de 15 dias para desocupação) sem ouvir o inquilino, “nos casos de locações residenciais em que o locatário seja pessoa vulnerável, mantida a possibilidade de ação de despejo por falta de pagamento com observância do rito normal e contraditório”. Portanto, a suspensão provisória é apenas da raríssima possibilidade do juiz determinar a desocupação no prazo de 15 dias, nos casos previstos no § 1º, do art. 59 da Lei do Inquilinato, dentre eles: liminar concedida antes da oportunidade do inquilino pagar a dívida, no caso da ação por falta de pagamento numa locação que não exista garantia como fiança, caução ou seguro fiança. Essa suspensão temporária de liminar que determina a desocupação no prazo de 15 dias, logo no início do processo, se aplica também ao despejo por “denúncia vazia” da locação não residencial, por falta de garantia em decorrência de pedido de exoneração e alguns outros casos raros, conforme podemos verificar na Lei nº8.245/91:
Das Ações de Despejo
Art. 59. Com as modificações constantes deste capítulo, as ações de despejo terão o rito ordinário.
- 1º Conceder -se -á liminar para desocupação em quinze dias, independentemente da audiência da parte contrária e desde que prestada a caução no valor equivalente a três meses de aluguel, nas ações que tiverem por fundamento exclusivo:
I – o descumprimento do mútuo acordo (art. 9º, inciso I), celebrado por escrito e assinado pelas partes e por duas testemunhas, no qual tenha sido ajustado o prazo mínimo de seis meses para desocupação, contado da assinatura do instrumento;
II – o disposto no inciso II do art. 47, havendo prova escrita da rescisão do contrato de trabalho ou sendo ela demonstrada em audiência prévia;
III – o término do prazo da locação para temporada, tendo sido proposta a ação de despejo em até trinta dias após o vencimento do contrato;
IV – a morte do locatário sem deixar sucessor legítimo na locação, de acordo com o referido no inciso I do art. 11, permanecendo no imóvel pessoas não autorizadas por lei;
V – a permanência do sublocatário no imóvel, extinta a locação, celebrada com o locatário.
VI – o disposto no inciso IV do art. 9º, havendo a necessidade de se produzir reparações urgentes no imóvel, determinadas pelo poder público, que não possam ser normalmente executadas com a permanência do locatário, ou, podendo, ele se recuse a consenti-las;
VII – o término do prazo notificatório previsto no parágrafo único do art. 40, sem apresentação de nova garantia apta a manter a segurança inaugural do contrato;
VIII – o término do prazo da locação não residencial, tendo sido proposta a ação em até 30 (trinta) dias do termo ou do cumprimento de notificação comunicando o intento de retomada;
IX – a falta de pagamento de aluguel e acessórios da locação no vencimento, estando o contrato desprovido de qualquer das garantias previstas no art. 37, por não ter sido contratada ou em caso de extinção ou pedido de exoneração dela, independentemente de motivo.
- 2º Qualquer que seja o fundamento da ação dar -se -á ciência do pedido aos sublocatários, que poderão intervir no processo como assistentes.
- 3º No caso do inciso IX do § 1º deste artigo, poderá o locatário evitar a rescisão da locação e elidir a liminar de desocupação se, dentro dos 15 (quinze) dias concedidos para a desocupação do imóvel e independentemente de cálculo, efetuar depósito judicial que contemple a totalidade dos valores devidos, na forma prevista no inciso II do art. 62.
PROJETO DE LEI Nº827/2020
Existe em andamento no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 827/2020, de autoria dos Deputados Federais André Janones, Natália Bonavides e Rosa Neide, apresentado em março de 2020, que previa a suspensão da execução por 90 dias das ordens de despejos de locações residenciais por falta de pagamento de aluguel, nos casos de inquilinos que ficaram desempregados ou que comprovadamente tiveram suas rendas afetadas pela cessação de atividades laborais autônomas. Essa suspensão era prevista também nas locações comerciais de microempreendedores individuais (MEI), microempresas e empresas de pequeno porte.
Ocorre que o referido projeto de lei sofreu diversas alterações, por meio de outros Projetos de Lei apensados ao PL 827/2020, apresentados pelos deputados federais, passando a ter uma nova Ementa: “Estabelece medidas excepcionais em razão da Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (Espin) decorrente da infecção humana pelo coronavírus SARS-CoV-2, para suspender o cumprimento de medida judicial, extrajudicial ou administrativa que resulte em desocupação ou remoção forçada coletiva em imóvel privado ou público, urbano ou rural, e a concessão de liminar em ação de despejo de que trata a Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991, e para estimular a celebração de acordos nas relações locatícias.”
O PL 827/2020 aprovado pela Câmara dos Deputados, foi enviado para o Senado Federal em 19 de maio de 2021, com uma nova versão muito diferente do texto original, pois contém outros dispositivos bem mais amplos, como os seguintes:
- a) suspensão de decisões judiciais de desocupação ou remoção forçada coletiva de imóvel que sirva de moradia ou que represente área produtiva pelo trabalho, que na prática visa proteger as ocupações coletivas ou arrendamentos em assentamentos de comunidades, além de áreas que abrangem os povos indígenas. O objetivo é evitar o desalojamento de grande volume de pessoas para não gerar assim um novo problema social, além da propagação do Covid-19, caso não exista outro local para acomodar a coletividade.
- b) a suspensão de concessão de liminar para desocupar em 15 dias, no caso de o locatário demonstrar que perdeu a capacidade de pagamento em decorrência da pandemia. Portanto, a ação de despejo tramitará normalmente, sendo que ao proferir a sentença, poderá o locador executar o despejo, sem problemas.
- c) a permissão do locatário residencial que tenha perdido o emprego ou renda, em desocupar o imóvel, estando o contrato de locação vigorando por prazo determinado, sem ter que pagar a multa rescisória.
- d) a permissão do locatário não residencial que teve sua atividade comercial ou trabalho interrompido por mais de 30 dias em decorrência das medidas de isolamento, a desocupar o imóvel sem pagar a multa rescisória, caso o contrato esteja por prazo determinado.
Diante disso, o PL 827/2020 será objeto de discussões e aprimoramento pelos Senadores, podendo essa tramitação demorar. Ao analisarmos o texto desse PL fica evidente que o mesmo não prejudicará o mercado imobiliário, permanecendo as locações sendo regidas pela Lei do Inquilinato, nº8.245/91, que mantem a autonomia dos locadores e locatários, sem afetar o direito de retomar o imóvel. O direito de propriedade e a liberdade de contratar as locações não foi e nem serão afetados, caso o PL 827/2020 venha a ser aprovado futuramente conforme o texto atual.
LOCADOR CONTINUA A TER PLENA LIBERDADE SOBRE SEU IMÓVEL
Portanto, em nenhum momento, o STF ou alguma nova lei, suspendeu toda e qualquer ordem de despejo. A medida cautelar do STF se limitou às ocupações coletivas, que são muito diferentes das locações normais. Os processos de despejo estão tendo andamento normal e, com a sentença favorável ao locador, deverá o inquilino desocupar o imóvel. Caso não o faça, o locador requererá a desocupação forçada, sendo que o recurso para a 2ª Instância não suspende a execução da sentença.
Belo Horizonte, 17 de junho de 2021.
Esse artigo foi publicado no Jornal O Tempo.
Kênio de Souza Pereira
Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG
Vice-presidente da Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB Federal
Conselheiro do Secovi-MG e da Câmara do Mercado Imobiliário de MG
Diretor da Caixa Imobiliária Netimóveis