Desinteresse estimula o crescimento dos abusos e dos prejuízos no condomínio
Crescem os crimes de apropriação indébita, falsidade ideológica e outros abusos praticados por síndicos na condução dos condomínios. Não podemos afirmar se o desaquecimento da economia, o aumento do desemprego, a onda de centenas de pessoas que se tornaram “síndicos profissionais” e o fato dos muitos gestores não serem coproprietários, podem explicar esse aumento. Entretanto, uma coisa é certa: a omissão dos coproprietários e das administrações dos condomínios em não tomarem medidas jurídicas que exijam a restituição dos valores e punição dos criminosos têm gerado uma impunidade que acaba estimulando a repetição desses atos.
Sabemos que a maioria dos síndicos é honesta, bem intencionada, pois faz o possível para prestar o melhor serviço em prol da coletividade condominial, havendo inúmeros síndicos profissionais competentes e corretos. Muitos síndicos sacrificam seu tempo e até prejudicam seu relacionamento familiar para priorizar o condomínio e resolver problemas que a grande parte dos condôminos ignora para não se envolver.
SÍNDICO: ESCOLHA COM BASE NA CAPACIDADE E HONESTIDADE
Todavia, diante do fato de quase ninguém querer assumir essa função desgastante aliada ao desinteresse pela fiscalização do que ocorre no condomínio, em especial, quanto às questões jurídicas e técnicas, tal cenário tem favorecido pessoas pouco qualificadas ou mal intencionadas se tornarem síndico. Oferecem alguma vantagem – às vezes uma suposta economia com honorários ou flexibilidade – e assim vencem a eleição contra aquele que seria mais adequado e confiável à condução dos interesses coletivos.
Os síndicos não devem ser eleitos por eliminação ou por aceitar trabalhar quase de graça. Eleger alguém pelo fato de ninguém mais querer assumir a responsabilidade ou até mesmo eleger inquilinos que não têm qualquer interesse direto na valorização do bem (na verdade, ao reduzirem a manutenção para pagar um condomínio menor, comprometem o bom estado do prédio a ponto de desvalorizá-lo) é um erro, que poderá dar poder a pessoas motivadas por interesses duvidosos.
TODO CONDÔMINO TEM DIREITO DE ANALISAR A DOCUMENTAÇÃO
Há síndico que quando passa a ter acesso as verbas age como se o dinheiro do condomínio fosse dele e acha ruim quando é questionado. Ignora que qualquer condômino tem o direito de saber o que é feito com os recursos que são coletivos, podendo acessar os contratos e todos os documentos do edifício, pois é sócio do mesmo ante a copropriedade.
Consiste num estímulo aos abusos a atitude amadora dos condôminos que deixam de contratar advogados especializados em Direito Imobiliário e Penal para exigir uma solução pensado em economizar, pois sem saber como combater os mal intencionados criam o cenário para a perpetuação de desvios da administração que com o passar dos anos geram prejuízos elevados e a mudança do prédio do que se cansam de ser lesados.
USUCAPIÃO ARQUITETADO POR QUADRILHA CONDOMINIAL
Existe caso impressionante de síndico que se aproveita do fato de ter várias unidades, ou o apoio de um ou alguns condôminos com grande números de votos, para praticar crimes como o de invadir unidades vazias para depois requerer usucapião. Isso ocorre com maior facilidade em prédios comerciais, onde uma sala ou outra fica tempos sem pagar condomínio em decorrência do falecimento do proprietário e das divergências no seu inventário.
Nesses casos a dívida que cresce a cada ano indica a ausência de interesse do condômino ou de seu herdeiro, e assim o síndico ou seu comparsa arquitetam fraudes ou a invasão para obter a propriedade da unidade vazia ao tomar posse dela sorrateiramente. Havendo a participação de advogado cabe a qualquer condômino denunciá-lo na Comissão de Ética da OAB, pois essa instituição que é considerada uma das mais sérias e respeitadas do país não aceita que um profissional do Direito venha agir em conluio com síndico ou que patrocine crimes para lesar um condomínio.
Em alguns casos, a dívida da unidade que está ocupada irregularmente “desaparece”, consolidando a lesão ao condomínio que é conduzido pelo síndico obscuro que se recusa a prestar contas e explicar a ausência da entrada dos valores devidos da unidade que ele ou seu comparsa invadiu.
PROMOVER PROCESSO PENAL ESTIMULA RESPEITO ÀS LEIS
A solução do problema criado pelo mau administrador deixa de ser somente do direito civil, com a destituição do cargo, e percorre também os caminhos do direito penal. Afinal, quando ocorrem os desvios, há apropriação indébita, qualificada pela condição de síndico, que possui pena de reclusão de até cinco anos e quatro meses. E, se não houver providências, qualquer um que assuma pode se sentir motivado a seguir os desvios, como se permitido fosse.
Para criar obstáculos para que os condôminos que não comparecem à assembleia saibam dos atos irregulares rotineiramente o síndico aliado ao presidente e ao secretário da assembleia manipulam a ata que deve ser redigida de imediato, no decorrer da reunião. Ao se negarem a inserir a manifestação do condômino ou de seu procurador na ata ou adulterá-la ou subtrair parte do que foi dito, cometem o crime de Falsidade Ideológica do art. 299 do Código Penal, que tem pena prevista de um a cinco anos de reclusão e multa:
Art. 299 – Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante”
Em que pese a banalização do crime e o descrédito de muitos no Poder Judiciário, não devemos deixar a providência de lado. Inspiremo-nos na atual realidade, em que estão presos alguns dos maiores empresários e políticos do país que antes pensavam ser inalcançáveis num processo penal.
Vale lembrar que a gestão criminosa do recurso do condomínio, a falsificação das atas e a invasão de propriedade podem levar o mau gestor para a cadeia. Basta agir com técnica jurídica para ver o processo penal funcionar! Além, obviamente de promover o processo civil para cobrar os valores desviados e a devida indenização.
Belo Horizonte, 20 de janeiro de 2020.
Esse artigo foi publicado no Jornal Diário do Comércio.
Kênio de Souza Pereira
Vice-Presidente da Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB Federal
Conselheiro da CMI-MG e do SECOVI-MG
Membro do IBRADIM – Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário
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