Perito Judicial se errar, pode ser punido criminalmente e ter que indenizar quem prejudicou com o laudo
O trabalho dos peritos engenheiros, arquitetos, médicos, odontólogos, contadores, corretores de imóveis e demais profissionais nos variados campos do conhecimento, merece respeito e destaque, por contribuírem com o aprimoramento dos julgamentos, com a verdade e com a justiça. Todas as vezes que a matéria de prova for de uma área de conhecimento diferente do próprio direito, os magistrados contarão com o auxílio de um perito para esclarecimento dessas outras ciências. Os esclarecimentos do perito contribuem para o magistrado decidir com maior precisão e segurança, sendo que a produção dessa prova exige rigor técnico e ética por parte do profissional nomeado para tal encargo oficial.
Sempre que necessário, a perícia deve ser requerida, e dela não se deve abrir mão, pois pode ser que essa prova seja inconveniente para a parte contrária, justamente pela certeza que muitas vezes elas trazem ao processo, o que justifica os esforços para vê-la indeferida, invalidada ou desacreditada. A experiência comprova que quem tem boa-fé deseja a prova pericial, especialmente para evitar dúvida no caso de ocorrer um julgamento de uma apelação. Por isso, é inaceitável o juiz indeferi-la, pois impedirá que os desembargadores e ministros possam analisar tal prova que pode definir quem tem razão.
Como perito nomeado por juízes em processos imobiliários, por atuar há décadas no setor de locação e venda de imóveis, presenciei, logo após a realização da perícia, quando as dúvidas das partes são esclarecidas antes de finalizar o laudo, que o conflito em vários casos é encerrado com um acordo diante do melhor entendimento da questão, facilitando e acelerando o trabalho do juiz. Mas, claro, isso somente é possível em um pro cesso em que as partes e seus advogados estejam conduzindo o exercício dos direitos processuais de forma ética e com vista em uma solução justa. Quando o que bastava era uma informação, que desconhecida, criava um equívoco, o acordo é possível. Porém, quando o que se quer é ganhar tempo ou apostar que a demora do judiciário favo receberá quem sabe estar errado, então, vemos o quanto o rigor técnico e científico são importantes, e o quanto a infração a essa imparcialidade, por um perito, é nefasta.
Perito deve respeitar quem solicita esclarecimentos
Por essa razão, existem previsões legais com vista em garantir a lisura da prova pericial. Alguns peritos têm seus laudos anulados em grau de recurso, sendo determinada realização de uma outra perícia, ficando provada, inclusive, a má-fé do expert. Contudo, mesmo que o perito malicioso não encontre um motivo externo para vi ciar sua perícia, pode ocorrer de que conduza a conclusão de maneira tendencioso, abusando da confiança do juiz que o nomeou, pelo simples fato de ter “opinião” formada sobre como deveria ser a aplicação do direito naqueles casos. Simplesmente ignora a ciência e se em penha a ver o caso solucionado à sua maneira, sabendo que a perícia pode influenciar a decisão do juiz.
Há casos de ações revisionais de aluguel, desapropriação, servidão e de danos em imóveis que foi provado que o perito “errou” de maneira inacreditável, tendo insistido em manter dados falsos, mesmo depois de advertido pelo advogado, que em alguns casos é especializado na matéria e com grande experiência no objeto da perícia. Verifica-se em alguns processos que o perito ignora que as partes, tendo direito a um assistente técnico para lhe auxiliar, que domina o tema em julgamento tanto quanto perito, o questionará de maneira técnica, sendo um dever do perito judicial prestar os esclarecimentos exigidos pelas partes e aprofundar o es tudo para sanar a dúvida com o espírito desarmado.
Várias são as justificativas ou motivações que levam um perito a falhar com seu dever de agir com imparcialidade. Pode ser por interesse próprio, ou de terceiros, pode ser por vaidade, por desleixo, arrogância, preguiça ou incompetência, entre tantas outras. Para todas elas a lei prevê a punição indiferentemente de suas razões. A punição não é branda e pode se dizer, é das mais completas que existem no sistema processual, pois abrange a esfera civil, penal, ética e processual. A lei não deixa barato. Ao construir uma falsa verdade, trai a ética da função, o dever de agir com integridade, imparcialidade e de respeitar seu compromisso científico.
Perito responde por danos mesmo que não tenha dolo
O CPC prevê de forma completa a sanção para tais casos, determinando no seu art. 158: “O perito que, por dolo ou culpa, prestar informações inverídicas responderá pelos prejuízos que causar à parte e ficará inabilita do para atuar em outras perícias no prazo de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, independentemente das demais sanções previstas em lei, devendo o juiz comunicar o fato ao respectivo órgão de classe para adoção das medidas que entender cabíveis”. Assim, além de ter que devolver os honorários que tenha recebido, arcará com os prejuízos, sendo comum, além dos danos materiais, também responder pelos danos morais. É muito difícil imaginar que até que vejamos esse procedimento finalizado e a prova, que esse desgaste não gere um dano moral, que muitas vezes criou uma exposição da própria pessoa, que é parte no processo.
Sofrerá processo em seu Conselho Profissional, terá o caso remetido ao Ministério Público criminal para análise de crime e denúncia pelo crime do art. 342 do Código Penal, que prevê que a afirmação falsa prestada por perito em processo judicial constitui crime passível de pena de prisão de 2 a 4 anos e multa. Além disso, o perito antiético ficará “manchado” perante os tribunais, pois constará uma restrição em seu cadastro que o impedirá de ser nomeado novamente pelo prazo estabelecido pelo juiz.
Enquanto há tempo, corrija os erros
A atitude do perito em manter um dado errado, o que induz a uma falsa impressão, ou negar esclarecer a resposta inadequada a um quesito, talvez decorra do fato dele ignorar o risco de ser punido, de achar que é intocável ou por pensar que aquele que o nomeou assumirá os riscos de ter a sentença cassada pelo Tribunal de Justiça. Defendemos os peritos que agem com liberdade, mas com a imparcialidade e transparência, sem arrogância de acharem que são infalíveis a ponto de se recusarem a conversar com os assistentes técnicos e de prestar esclarecimentos de forma clara e coerente.
Nenhum perito está livre de se deparar com um equívoco que somente lhe vem à consciência após a análise de seu laudo por parte dos assistentes técnicos e advogados das partes, após sua entrega. O mais correto é verificar o que houve e esclarecer, justificar, corrigir, enquanto é tempo, se de fato houve um erro. Para essa postura lógica não há sanção e certamente, o conceito do perito será ainda maior. Digladiar com a criatividade para criar uma justificativa de um erro que não se sustenta cientificamente, é deflagrar um processo de consequências severas, sem necessidade, e com altíssimo risco.
De toda forma, é interesse, ao menos de uma das partes apontar essa situação e exigir providências no processo. Da parte do juiz, deve promover o procedimento em nome da ética e imparcialidade, ainda que tenha o perito em bom conceito e nele confie, não valendo a pena “assumir”, para si o ônus dos erros do perito.
Belo Horizonte janeiro 2022
Este artigo foi publicado na Revista BDI Diario das Leis.
Kênio de Souza Pereira
Vice-presidente da Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB Federal
Conselheiro do Secovi-MG e da Câmara de Mercado Imobiliário de MG
Membro do IBRADIM- Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário
Diretor da Caixa Imobiliária Netimóveis
kenio@keniopereiraadvogados.com.br