POSSO FAZER O QUE QUISER COM MEUS BENS
Nesse mundo cada vez mais materialista, inúmeros pais que deixaram de usufruir de muitas coisas para dar mais conforto e educação aos filhos, são surpreendidos na velhice com a absurda interferência destes sobre suas decisões em relação ao patrimônio que conquistaram. Desconhecem o óbvio, pois o que nos pertence é somente aquilo que adquirimos conforme nossa capacidade de produzir, que decorre do nosso esforço e dedicação. Há filhos que ignoram que não existe herança de quem está vivo. Ser idoso é bem diferente de ser incapaz. É vergonhoso o volume de aventureiros que se apropriam dos empréstimos consignados dos aposentados ou que tentam interditá-los para obter vantagem que, às vezes, configura crime.
Impressiona a arrogância de alguns filhos que só geraram despesas e que nada constroem, apesar do bom padrão de vida e das facilidades que possuem, as quais os pais não tiveram, acharem que podem interferir sobre a liberdade do pai ou da mãe de gastar, viajar, presentear, vender ou comprar algum bem. Agem como se fossem os responsáveis pelas conquistas dos pais e ignoram as renúncias destes para terem êxito.
Em muitos casos, os pais contribuíram para essa ingratidão, pois pecaram ao darem tudo e satisfazerem os desejos dos filhos sem exigir nada. Deixaram de ensinar a diferença entre o preço e o valor das coisas e que poucos são os que têm expectativas de herdar, pois a ninguém é garantido tal direito.
PERDA DE VALORES DIANTE DA AUSÊNCIA DE EDUCAÇÃO
Nas gerações antigas, o pai era como o Deus do Antigo Testamento: acima de tudo tinha que ser obedecido. Essa imposição foi se flexionando de tal maneira que os pais e os filhos se tornaram mais próximos, sendo mantido ainda o poder paterno. Por falta de preparo ou por se acharem “modernos” alguns pais deixam de exercer o poder/dever de educar, outros por comodidade delegam para as escolas e até para as empregadas (que são orientadas a aceitar tudo da “crioncinha”), e assim, confundem amor com permissividade, resultando filhos egoístas, incapazes de aceitarem qualquer frustração ou inaptos a produzirem.
Como um príncipe, se julga o “centro do universo”, devendo seus pais servi-lo, como vemos nos casos de adolescentes quarentões e daqueles que se colocam como socialistas, ou seja, adoram dividir tudo (dos outros), menos o que lhe pertence, que em geral é pouco quando não é chegado ao trabalho. Por isso se preocupa tanto com os pais, ou melhor, com o patrimônio deles. Muitos jovens acreditam que a vida é igual nas novelas, onde pouco se trabalha e a pessoa se torna empresário de sucesso em alguns capítulos, não tendo que prestar contas a ninguém, pois só tem direitos, dando tudo certo num apertar de botão.
Atualmente perecemos uma diversificação nessas relações familiares, mas o que chama a atenção é o fato da autoridade paterna estar sendo cada dia mais diluída. Muitos pais se tornam “amigos” e “companheiros” dos filhos, abandonando seu lugar de autoridade. E, como consequência, os filhos, se dão o poder de ditar ordens a seus pais. Por isso, se vê hoje filhos usurpando o poder de seus progenitores de modo, às vezes, hostil e violento. Trocam os papéis, querendo impor ordens a seus pais. E muitos obedecem, sem fazer valer seus direitos, pois deixam de buscar o apoio de um advogado que poderá colocar as coisas nos seus devidos lugares.
DIREITO DE SER FELIZ COM NOVA COMPANHIA
Enquanto a pessoa estiver viva, seu patrimônio não é passível de herança. Cabe unicamente a ela administrar seus bens como bem lhe convier. Não há limite quanto a essa liberdade, pois mesmo na terceira idade, poderá vender e gastar com o que desejar, inclusive como um novo companheiro, não tendo que dar satisfação se resolver casar novamente ou ter outro filho.
É constrangedor vermos filhos infelizes e raivosos com a felicidade do pai ou da mãe que encontra uma nova companhia que lhe faz bem e que provavelmente, na velhice, estará mais ao seu lado do que os próprios filhos, que buscam os asilos com a desculpa de falta de tempo para cuidar de quem fez tudo por eles.
LIBERDADE DE FAZER O QUE BEM ENTENDER COM SEU PATRIMÔNIO
A lei visa frear a ganância daqueles que acham que podem interferir no que não é deles ou que, imoralmente, especulam sobre os benefícios que terão perante a morte de alguém. O Código Civil estabelece no art. 426 “Não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva”. A herança é o conjunto de direitos e obrigações que se transmite em razão da morte do titular dos bens e a ninguém é dado o direito de reclamar ou constranger os pais quanto à liberdade de administrar, vender ou gastar como quiserem. Somente no caso de demência ou caracterizado ser a pessoa pródiga, que esteja delapidando seus bens de maneira irracional, poderá o filho vir agir em prol de seu genitor.
Quanto a fazer um testamento, poderá a pessoa vir a fazê-lo como bem entender, podendo mudar sua redação posteriormente ou cancelá-lo a qualquer momento, sem ter que comunicar a ninguém. Somente com o falecimento haverá a sucessão, que é o ato formal de substituição dos titulares dos bens.
Poderá o genitor, caso queira, adiantar parte da herança ou doar a quem quiser até 50% do seu patrimônio sem ter que dar qualquer explicação. Antes da morte, o herdeiro não possui qualquer direito com relação ao patrimônio dos pais, somente eventual expectativa de direito à sucessão.
É ILEGAL O CONTRATO PARA GARANTIR HERANÇA DE PESSOA QUE ESTÁ VIVA
Elaborar contrato de herança com pessoa ainda viva é expressamente proibido, sendo considerado absolutamente nulo pelos tribunais, nos termos do artigo 426 Código Civil. Essa proibição se baseia em três motivos:
1) Não existe herança de pessoa que está viva, pois herança pressupõe o fato jurídico morte de quem detém patrimônio, ou seja, feriria a lógica jurídica.
2) Agride a moral e a sociedade, pois realizar esse tipo de contrato poderia despertar o desejo de morte ou que essa fosse antecipada, daquele de quem a herança se trata.
3) Caso um contrato desse tivesse valor, o herdeiro poderia, mediante determinada pressão ou situação grave como uma dificuldade financeira, dispor da herança ou cedê-la de forma onerosa.
Como já mencionado, caso a pessoa deseje definir previamente o destino de seu patrimônio após a sua morte, poderá elaborar um testamento ou promover a doação de um bem como adiantamento da herança. Em ambos os casos, deverá seguir os requisitos e as formalidades específicas que seu advogado poderá esclarecer sobre qual a melhor opção em cada caso concreto. A antecipação da transmissão de bens, caso o proprietário venha a efetivá-la, por meio de antecipação da herança, seja por testamento ou doação, e em ambos os casos, deverá se limitar a 50% do patrimônio, preservando-se os demais 50% aos herdeiros legítimos.
Belo Horizonte, 24 de maio de 2021.
Este artigo foi publicado na Revista DBI Diário das Leis.
Kênio de Souza Pereira
Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG
Vice-presidente da Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB Federal
Conselheiro do Secovi-MG e da Câmara do Mercado Imobiliário de MG
Diretor da Caixa Imobiliária Netimóveis – BH/MG
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