A diversidade de posicionamento dos condôminos tornam complexa a convivência, o que é visível nas assembleias. Até temas simples geram discussões calorosas, que às vezes resultam em problemas que perduram por anos, resultado até na mudança de alguns moradores do edifício. Para solucionar essas polêmicas e orientar sobre o melhor caminho a seguir, se torna necessário a contratação de especialistas, como um engenheiro ou arquiteto em relação a obras, um contador em relação as contas e de um advogado, com vivencia na área condominial para esclarecer o direito de cada um.
Vários são os advogados que não aceitam advogar em ações que envolvem condomínios por tais conflitos exigirem dele um tempo muito superior que os demais tipos de processo, sendo que vários acabam de arrependendo ao constatar que o valor cobrado de honorários não cobriu os custos, resultando em prejuízo para o escritório de advocacia.
Para explicar sobre o desafio de advogar para um condomínio o jornalista Artur Filho (que apresentou a Voz do Brasil por décadas), como âncora da Rádio Justiça, entrevista o colunista de Direito Imobiliário, Kênio Pereira, que é presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG e em nível nacional Vice-presidente da Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB Federal.
Veja por quais razões são poucos os advogados que aceitam trabalhar para condomínios e por que alguns renunciam aos processos que decorrem dos conflitos entre diversos condôminos.
Qual o perfil do advogado que se especializa na área condominial?
Quais os riscos que o advogado condominial assume além do que ocorre nos processos em geral?
Por qual razão os honorários advocatícios dos advogados que atuam em condomínios é maior que o cobrado em processos em outras áreas? O advogado tem mais trabalho ou maior risco de ter prejuízo quando atua com demandas que envolvem condomínios?
1 – Um advogado ao aceitar uma causa analisa diversas situações para o seu cliente, sendo que caso ele venha atuar em defesa ou contra um condomínio, muitos profissionais acabam declinando. Por qual motivo inúmeros advogados evitam atuar nesses processos?
R. O fato dos problemas que geram demandas dos condomínio envolverem dezenas de pessoas, que contam versões diferentes, que envolvem às vezes fatos ocorridos há 20, 30 anos, acarreta muitos problemas para o advogado, pois tem que atender dezenas de condôminos com pontos de vista diferentes. Assumir uma causa de condomínio por ser um risco, havendo casos de agressões, ameaças, que exigem coragem do advogado para enfrentar tantas posições polêmicas, bem como até maliciosas que geram surpresas no decorrer do processo.
2 – Os processos que envolvem condomínios geram situações estressantes diante das falhas nos documentos que são mal elaborados, como as convenções e regimentos internos e por ter o advogado que lidar com informações conflitantes. Qual o perfil do advogado para enfrentar essas situações e as tensões que ocorrem nas assembleias?
R. O advogado que atue na área imobiliária, principalmente com condomínios, deve ter inteligência emocional, determinação, nervos de aço, muita perspicácia e know-how para não meter os pés pelas mãos e criar inimizades, além de se queimar diante do fato de, às vezes, um dos condôminos tenta sabotar o serviço por ferir seu interesse. O advogado deve ter cuidado ao prestar informações sobre a estratégia a ser adotada, o andamento do processo e as possibilidades de resultado, pois há casos de um dos membros do condomínio levar informações importantes para a parte contrária, gerando assim dificuldades para a condução do processo.
3 – Advogar para um condomínio com dezenas de proprietários de apartamentos ou salas exige mais tempo do advogado. Isso reduz sua condição de assumir mais processos? Essa situação causa prejuízo para o advogado caso ele não mensura a dimensão do caso no momento da contratação do valor dos seus honorários?
R. Vários são os casos de advogados que cobram um valor de honorários sem antes aprofundar no assunto, pois às vezes que levou para ele as informações do caso omite alguns pontos, havendo ainda situações que surgem de maneira a surpreender o síndico e quem mais levou a causa para a advogado, pois deixaram de passar para ele informações que outras moradores mais antigos possuíam.
4 – Os riscos de ações que envolvem os condomínios são maiores que os de uma ação comum que tenha apenas um pessoa como réu e outra como autor?
R. Sim, analisar documentação que envolvem dezenas ou centenas de pessoas exige mais expertise, dominío de diversas leis, sendo duas, conhecidas como as mais complexas do país: A lei de incorporação em condomínios, bem como a Lei do Inquilinato que é aplicada nos casos de unidades locadas, as quais às vezes são ocupadas por inquilinos que causam muitos litígios diante de alguns tipos de abusos, como o uso indevida da garagem ou mesmo ruídos em excesso, dentre outros.
5 – Um advogado ao aceitar defender um coproprietário contra o condomínio pode ter algum tipo de prejuízo, já que terá que enfrentar dezenas de pessoas numa assembleia que têm posição contraria ao seu cliente?
R. Deve o advogado mensurar o valor do seu honorário em patamar maior, que compense a perda de futuros clientes ou até de amizades dentre as centenas de pessoas que irá contrariar, ao defender seu cliente. Os ônus e transtornos para o advogado nesses casos são muito maiores dos que ocorrem num processo comum, com apenas duas partes distintas. Em muitos casos, o advogado inexperiente se arrepende do valor do cobrou, pois não imaginou os transtornos, sabotagens e complicações que tem que enfrentar diante de diversas pessoas que o procuraram para reclamar do que não entendem, pois levam informações distorcidas para outros advogados opinarem sobre o teor de processos que não viram com o devido detalhamento.
6 – É comum as pessoas não desejarem participar das assembleias dos condomínios, por ocorrerem discussões calorosas sobre conflitos que se agravam por falta de consultoria jurídica especializada. O fato do prestador de serviços ter que participar de uma assembleia para que essa venha a aprovar sua contratação, mediante 03 orçamentos gera receito para quem deseja apresentar uma proposta de honorários?
R. desafio é tão grande que muitos engenheiros, arquitetos, prestadores de serviços e demais profissionais que fazem orçamento para condomínios se limitam a entregá-lo para o síndico. Se recusam a participar de assembleia, pois surgem questionamentos estranhos, sendo alguns agressivos, às vezes do condômino que desejava que seu parente ou amigo fosse escolhido para fazer o trabalho.
7 – Por ser um edifício composto por centenas de apartamentos ou salas comerciais e lojas, quando ocorre um vício de construção dentro do prazo de garantia, o síndico em geral está preparado para conduzir a situação que exige da construtora o que é devido, ou seja, a reparação dos danos?
R. Em geral o síndico do novo edifício é eleito ou indicado pela construtora, ficando assim este ligado ao construtor que acaba deixando de realizar os reparos por falta de iniciativa d a Lau
Quando se trata de aprovar uma ação contra a construtora que deixou de fazer os reparos dos defeitos do prédio, dentro do prazo da garantia, rotineiramente, surge um amigo (ou ex-funcionário, que ninguém sabe) do construtor ou alguém que lhe deve um favor, para inviabilizar os procedimentos, gerar dúvidas, criar obstáculos a ponto de protelar até gerar a prescrição que faz o condomínio perder o direito. Em vários casos, quando o advogado especializado chega a ser contratado, este constata que foram tomadas atitudes que favorecerem a defesa da pessoa que será ré no processo (um vizinho, o prestador de serviços ou a construtora) devido a má orientação por parte de alguém que tinha algum interesse ou ligação com a mesma, o que aumenta e complica o trabalho jurídico a ser realizado.
RISCO PARA O ADVOGADO RESULTA EM HONORÁRIO MAIOR
É comum advogado se arrepender em prestar serviço para um condomínio, pois ao passar o orçamento de seu serviço o fez pensando que prestaria o trabalho para apenas uma pessoa, o que é normal. Não imaginou que teria que participar de assembleias tumultuadas, que teria que responder a dezenas de pessoas, algumas que acham que ele não tem nenhum outro cliente, mas apenas o condômino, como se um serviço sustentasse todo o escritório.
A diversidade de opiniões, os conflitos internos entre os moradores e os choques de informação acabam por inviabilizar muitos escritórios de advocacia, a ponto da maioria adotar como regra não aceitar causas que envolvam condomínios, pois essa situação impõe que o profissional tenha uma equipe, situação essa que exige um honorário maior do que seria cobrado de um único cliente.
INIMIGO OCULTO AGRAVA O PROBLEMA NO CONDOMÍNIO
Em alguns casos ocorre boicote e conluio de alguns condôminos para prejudicar o prestador de serviço, que passa a gastar um tempo inimaginável, tendo que ouvir comentários maliciosos, superando enormemente os procedimentos que foram orçados para cobrar os honorários pelo trabalho. É comum surgir aquele que fala que o filho dele fará mais barato; que o cunhado advogado resolverá o caso ou que o assunto não é complexo e nem urgente. O resultado é o agravamento do problema e do prejuízo com a condução amadora ou motivada por outros interesses.
Quem tem experiência evita indicar parentes e amigos ao condomínio, pois se a ação der errado, o advogado será taxado de incompetente, havendo casos de o vizinho exigir que ele indenize o prédio pelo fracasso do processo.
Belo Horizonte, 04 de Janeiro de 2022.
Ouça esta entrevista na Rádio Justiça.
Kênio de Souza Pereira
Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG
Vice-presidente da Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB Federal
Conselheiro do Secovi-MG e da Câmara de Mercado Imobiliário de MG
kenio@keniopereiraadvogados.com.br