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CONDOMÍNIO E O SÍNDICO PODEM RESPONDER POR DANOS MORAIS

ABUSOS E EXCESSOS DE MANDATO SOBRE MORADORES FEREM A LEI    

No decorrer da pandemia do Coronavírus vimos aflorar o que há de pior em alguns síndicos, pois em diversos condomínios agiram como ditadores, cometeram abusos e excesso de mandato ao afrontarem o direito de propriedade, feriram a dignidade humana e o direito da personalidade, que são protegidos pela Constituição Federal. O resultado tem sido a condenação dos condomínios e de alguns “xerifes da vida alheia” a pagarem indenizações aos moradores que foram desrespeitados ao serem impedidos de utilizar sua moradia normalmente.  

SÍNDICO NÃO É DONO DAS ÁREAS COMUNS

   Os condôminos são os reais proprietários dos apartamentos, bem como das áreas comuns, sendo essas inseparáveis, ou seja, ninguém pode impedir que um morador venha a utilizar as áreas externas, em especial, as de lazer, pois este é dono da mesma. Diante disso, causa perplexidade a atitude do síndico de criar barreiras para que o proprietário ou inquilino utilize a academia, a piscina, a quadra, salão de festas, espaço gourmet, dentre outros, como se ele fosse o único dono do edifício.

   A lei permite que a utilização das áreas comuns seja regulamentada para que possam ser usufruídas por todos os moradores, sendo que as limitações devem impedir apenas situações que acarretem incômodos ou que um condômino a utilize de forma exclusiva. Dessa forma, qualquer norma que inviabilize o justo aproveitamento dos equipamentos e áreas de lazer do edifício, fere os artigos 1.335 e 1.336, inciso IV, do Código Civil, devendo assim ser ignorada, pois a convenção ou o regimento interno não podem afrontar a lei nº 4.591/64, o Código Civil e demais leis aplicáveis aos condomínios.

 ABUSOS AUMENTARAM DURANTE A PANDEMIA

   Para exemplificar os excessos de mandato dos ditadores condominiais, podemos citar o caso de um síndico que determinou que o visitante que pernoitasse no apartamento só poderia ter acesso ao prédio se a administração fosse avisada com 24 horas de antecedência. No caso em questão, a amiga de uma moradora foi impedida pelo porteiro de acompanhá-la em virtude de terem chegado ao prédio às 23 horas, tendo que ir para um hotel, ou seja, o síndico tornou-se o controlador da vida alheia. Há ainda situação de namorado que foi impedido de subir por chegar após determinado horário, como se o síndico fosse o pai da condômina ou dono do “pensionato”.  Nada mais absurdo! Deveria a vítima desses abusos chamar a polícia e, com o Boletim de Ocorrência, processar condomínio e o infeliz que criou essa regra ilegal visando a condenação ao pagamento dos danos materiais, bem como os danos morais diante da situação vexatória que gerou angústia, sofrimento, raiva e indignação.

   Da mesma forma, com a alegação de risco de contágio pela Covid-19 que já está bem mais brando, há síndico que impediu que uma criança de três anos fizesse aula de natação com um professor na piscina do edifício, que é pouco frequentada pelos demais condôminos, os quais ainda têm o direito de levar um convidado. Será que o síndico deseja que a criança se afogue? Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça condenou alguns condomínios a pagar danos morais por impedir que os inadimplentes frequentassem a piscina, tendo o Ilustríssimo Ministro Luís Felipe Salomão afirmado que:

É ilícita a prática de privar o condômino inadimplente do uso de áreas comuns do edifício, incorrendo em abuso de direito a disposição condominial que proíbe a utilização como medida coercitiva para obrigar o adimplemento das taxas condominiais. Em verdade, o próprio Código Civil estabeleceu meios legais específicos e rígidos para se alcançar tal desiderato, sem qualquer forma de constrangimento à dignidade do condômino e dos demais moradores.”

 OS CONDÔMINOS PODEM COIBIR AS AÇÕES IRRACIONAIS DO SÍNDICO

   Além dos abusos cometidos sob o pretexto de prevenção contra a Covid-19, podemos citar também restrições ilegais que vão ainda mais longe, como o caso de um síndico que impediu que diaristas e cuidadoras de idosos acessassem os apartamentos para prestarem seus serviços, ou ainda outra situação, totalmente irracional, em que um morador idoso foi proibido de receber as compras de supermercado em sua porta. Ao impor que a pessoa idosa ou doente carregue sacolas pesadas, de maneira a lhe causar humilhação, diante da sua limitação física, fica evidente a ilegalidade praticada pelo condomínio que lhe causa o risco de ser condenado judicialmente por danos morais. Esse mesmo abuso ocorre no condomínio que obriga o tutor a carregar seu cão, de mais de 20 quilos no colo, ao transitar na área comum para sair ou entra no prédio, tendo o Tribunal do Distrito Federal anulado essa exigência irracional.

   Há ainda casos em que obras urgentes a serem realizadas nos apartamentos foram paralisadas por determinação dos déspotas.

   Contudo, muitos condôminos ainda não sabem que podem (e devem) buscar os meios de cessar essas práticas. Exemplo disso é que, em 2021, uma condômina, inconformada a proibição por parte do síndico do condomínio no qual reside de que seu filho, diagnosticado com autismo, fizesse o tratamento com o terapeuta na piscina do edifício, buscou judicialmente seus direitos. Nesse caso, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais concedeu, liminarmente, o direito a essa mãe de que seu filho possa utilizar devidamente uma área da qual ele também é dono.

   Importante destacar que não apenas os condôminos diretamente afetados pelos abusos possuem o dever de agir, mas todos os demais moradores, afinal, qualquer um que presencie os fatos poderá ser igualmente responsabilizado por sua omissão. Isso sem mencionar que, em caso de eventual condenação por danos morais, os prejuízos financeiros certamente serão estendidos ao condomínio como um todo.

   Dessa forma, é de extrema importância buscar a orientação devida para que as providências para descontinuar uma gestão autoritária sejam tomadas com a maior celeridade possível. Assim, será cada vez mais comum vermos síndicos sendo processados criminalmente pelo crime de constrangimento ilegal, previsto no artigo 146, do Código Penal e condenados a restituir financeiramente os danos morais causados por seus atos impensados.


Belo Horizonte 10 de março de 2022.

 

Este artigo foi publicado no Jornal O Tempo.

 

Kênio de Souza Pereira

Vice-presidente da Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB Federal

Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG (2010 a 2021)

Conselheiro da Câmara do Mercado Imobiliário de MG e do Secovi-MG

Diretor Regional em MG da ABAMI – Associação Brasileira de Advogados do Mercado Imobiliário

kenio@keniopereiraadvogados.com.br