O convívio entre as pessoas, em geral, é complexo diante das diferenças educacionais, culturais e valores de cada um, além de experiências que influenciam diretamente na personalidade do indivíduo. Nos condomínios novos com unidades diferentes (apartamentos de cobertura, térreo, lojas ou com mais vagas de garagem), muitas construtoras evoluíram e por isso deixaram de utilizar a fração ideal para dividir o rateio da taxa de condomínio. Todavia, nos condomínios antigos, há pretendentes que têm deixado de comprar a cobertura ou uma unidade maior por esta ser prejudicada com uma cobrança excessiva por constar na convenção a fração ideal para dividir o rateio.
O assunto é polêmico por prevalecer o desconhecimento da complexidade das leis, por alguns se recusarem a entender a evolução da visão do seja fração ideal ou pelo fato dos que pagam menos não aceitarem de forma alguma aumentar um pouco a sua participação mediante a mudança para o rateio igualitário.
Quando o proprietário uma unidade maior pleiteia a não aplicação da fração ideal, incomoda alguns que levantam verdadeira “bandeira” para impedir qualquer troca de ideias. Por isso, há pessoas que perdem o interesse em comprar apartamentos em edifícios que mesclam unidades de dois e quatro quartos ou coberturas, por existir relatos de comentários decorrentes do ciúme nas assembleias que deliberam a compra de mobiliário do salão de festas, da esteira da academia ou do interfone da portaria que a todos favorece igualmente.
O proprietário de cobertura ou de uma unidade diferente, como uma grande loja no térreo do edifício, sofre com cobrança excessiva dos custos com empregados, pelo simples fato de ter mais vagas, uma pequena piscina, área privativa ou algum benefício, pelo qual ele pagou no ato da compra. Quem tem uma unidade maior ou mais cara não foi sorteado entre todos os condôminos que pagaram o mesmo preço. Ele investiu mais e por isso pagou a mais pelo ITBI, bem como anualmente arca com a maior despesa com o IPTU, que são impostos que incidem sobre o valor do bem.
Entendimento sobre rateio de despesas evoluiu com as perícias
Nos últimos dez anos aumentou os empreendimentos novos com a estipulação do rateio igualitário entre todas as unidades residenciais, pois nas convenções modernas fica claro que o dono da cobertura não tem que pagar tributo para os vizinhos, todos os meses, se sua unidade maior não gera mais gastos nas áreas comuns ou com os funcionários do condomínio. As perícias judiciais de ações que visam o rateio igualitário provam que as despesas não têm ligação com o tamanho interno da unidade.
Pelo fato de o imóvel valer mais é pago, todo ano, ao município IPTU maior, da mesma forma que ocorre com o IPVA no caso dos automóveis. É inaceitável pagar taxa a mais por ter uma loja no térreo ou por ter um apartamento melhor. Somente se for comprovado que determinada unidade consome mais que outra, deve ser cobrado a mais a efetiva despesa, e somente esta, nada mais, sendo essa a ideia que defendemos como base na moralidade, probidade e boa-fé previstas nos artigos 421, 422 e 884 do Código Civil.
Loja é desvalorizada se paga taxa com base na fração ideal
O mesmo problema ocorre em edifícios mistos (apartamentos na torre e lojas com entrada pela calçada) que insistem em cobrar do proprietário da loja localizada no térreo, despesas de serviços que são prestados somente aos apartamentos, utilizando-se da fração ideal. É evidente ser desonesto cobrar da loja as despesas com porteiros, faxineiros, elevadores, áreas de lazer e outros serviços que são utilizados somente pelos moradores dos apartamentos.
Fator emocional atrapalha compreensão das particularidades do caso
Apesar da lógica inquestionável acima, há o fator emocional que leva condôminos a manterem essa cobrança, mesmo sabendo que é injusta, pois fere a lógica matemática. Há relato de proprietário de imóvel maior que, ao apertar o botão para a cobertura, perceber o vizinho que está dentro do elevador “virando a cara”. Teve o caso do vizinho que afirmou que se deseja morar melhor tem que pagar a mais pelo uso do elevador, do interfone e dos porteiros. Em resposta, o dono de cobertura qualificou isso como “taxa da inveja”.
Essa postura revela que a insatisfação com a prosperidade alheia influencia na postura de algumas pessoas em relação a outras, de modo que estas deixam de lado o bom senso. Em razão disso, há pessoas que, mesmo podendo financeiramente, escolhem morar no apartamento tipo, evitando assim adquirir cobertura, a fim de evitar esses transtornos.
É importante fazer uma autoanálise para avaliar as próprias características e condutas, pois é comum achar que “a grama do vizinho é sempre mais verde”. Porém, isso não é motivo para criar uma situação para estragá-la.
Belo Horizonte, 23 de maio de 2022.
Este artigo foi publicado no Jornal Hoje em Dia.
Kênio de Souza Pereira
Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB/MG (2010-2021)
Vice-presidente da Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB Federal (2021)
Conselheiro da Câmara do Mercado Imobiliário de MG e do Secovi-MG
Diretor Regional de MG da ABAMI – Associação Brasileira de Advogados do Mercado Imobiliário
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