Diante do desconhecimento dos vereadores que não têm condições técnicas de aprofundar nas complexidades de uma Lei de Uso e Ocupação do Solo, vemos prefeituras criando mecanismos que as permitam vender o “direito de construir” que foi tomado de milhares de cidadãos, os quais tiveram seu patrimônio subtraído sem qualquer indenização.
A grande jogada consiste no fato do Poder Executivo do município alegar que há a necessidade de reduzir os potenciais de construção dos terrenos, para evitar o adensamento populacional, causado pela verticalização da cidade, para não sobrecarregar a infraestrutura urbana existente. Com esse argumento, em 2010, a Prefeitura de Belo Horizonte convenceu os cidadãos que participaram da Conferência Municipal de Políticas Urbanas a aprovar a redução do potencial de construção em prol da melhoria da qualidade de vida. Houve a redução dos coeficientes de aproveitamento em até 11,76%, passando, este, a ser denominado “coeficiente de aproveitamento básico – CAb”, e a redução da possibilidade de se construir boxes de despejo na garagem, varanda, áreas de escada e hall de uso comum e até da caixa d’água. Milhares de propriedades que poderiam gerar construções até três vezes a área do terreno foram achatados para uma vez. Ninguém percebeu as duas linhas da Lei 9.959/2010 de Belo Horizonte-MG, que determinaram no art. 69-A que: “as áreas localizadas em um raio de 600 metros das estações de transporte coletivo existentes ou das que vierem a ser implantadas” passaram a ter a restrição de pode construir apenas uma vez a área do terreno. Isso liquidou o valor de imóvel em muitos casos, pois vários terrenos se tornaram inviáveis de serem utilizados, pois em muitos a Prefeitura de Belo Horizonte autoriza a construção apenas de estruturas móveis, ou seja, tem simplesmente impedido a concessão de alvará de construção em alvenaria e até mesmo negado Habite-se de casas já edificadas há décadas, o que afronta o direito de propriedade.
Na ZAP (Zona de Adensamento Preferencial) o CAb caiu de 1,7 para 1,5 (11,76%); na ZHIP (Zona Hipercentral) e ZCBH (Zona Central de Belo Horizonte), caiu de 3,0 para 2,7 (10%); sendo que na ZA, que abrangem bairros nobres como Serra, Anchieta e Sion, caiu de 1,5 para 1,4 residencial (6,7%) e para 1,0 (33%) para edificações não residenciais; as zonas de CAb = 1, permaneceram.
Em outros centros urbanos do país têm surgido legislações semelhantes, como em São Paulo, onde o Poder Executivo Municipal tem procurado obter recursos com mecanismos criativos, sendo raros os profissionais aptos a desvendar as intenções contidas em alguns dispositivos transvestidos de “interesse ou função social”. Essa engenharia jurídica na verdade cria situações que majoram o valor das moradias e locais de trabalho num futuro próximo, com um mercado de venda do “direito de construir” que tem sido retirado com muita habilidade.
PREFEITURA PODERÁ “FABRICAR DINHEIRO” COM A LEI
É notório que o valor de um terreno decorre principalmente do volume de metros quadrados que nele podem ser edificados. Quando se diminui o seu potencial construtivo, o valor do terreno cai, podendo ainda inviabilizar uma construção economicamente viável.
Em contrapartida, como exemplo, em Belo Horizonte, foi criado em 2010 o “coeficiente de aproveitamento máximo – CAm”, que poderá ser atingido comprando direto de construir do Poder Municipal. Esta venda ainda não foi regulamentada, mas não haverá menor verticalização: foi confiscado o direito do dono da terra de construir, para a Prefeitura vender para ele mesmo o direito que lhe foi retirado. Isso ficou evidente na reunião que a Prefeitura promoveu no dia 15 de março de 2014.
CONFISCO DE ATÉ 63% DO VALOR DO IMÓVEL
Outro confisco foi a reserva de áreas para as Operações Urbanas Consorciadas. Estas áreas, reservadas pela Lei 9.959/2010, passaram a ter CAb igual a 1, sendo que em algumas zonas, como o Barro Preto, era 2,7. Neste caso estes terrenos perdem 63% do seu potencial construtivo e, por consequência, passaram a valer menos. No caso de desapropriação, a Prefeitura de Belo Horizonte pagará este novo preço desvalorizado. Se há a desvalorização do terreno, por que a Prefeitura não abaixou o IPTU destes imóveis?
Milhares de proprietários nem sabem ainda que foram prejudicados. Alguns terrenos tornaram-se comercialmente imprestáveis para empreendimentos. Será que os vereadores, de todos os partidos, compreenderam estes fatos ao aprovarem a Lei 9959/2010? Se compreenderam, eles eram favoráveis ao confisco? Ou votaram apenas para cumprir as ordens do Executivo? Lamentavelmente, temos visto Câmaras Municipais de diversas cidades sendo subservientes ao Prefeito em troca de benefícios que facilitam a reeleição dos vereadores que fazem quase tudo para viabilizarem seus interesses. Será reflexo das Assembleias Legislativas e do Congresso Nacional?
DESAPROPRIAÇÃO BRANCA
É incrível a habilidade de alguns governantes em criar “massas de manobra” com membros de Associações de Bairros, que não têm conhecimento especializado e que são usados para gerar lucros de forma inconfessável. A Constituição Federal (CF) determina o dever do Agente Expropriante indenizar o valor justo e previamente em dinheiro, ao dono do imóvel que é tomado ou excessivamente prejudicado para uso do interesse coletivo ou social.
O direito de propriedade é consagrado pela CF, não podendo a alegação de “função social” ser utilizada para gerar caixa para políticos se perpetuarem no poder, com a arrecadação leonina, que na maioria das vezes é desviada, como vemos diariamente nas manchetes dos jornais. Parece que toda a energia dos políticos está concentrada em obter poder e não perdê-lo, custe o que custar, mesmo que princípios constitucionais sejam afrontados, pois com o dinheiro extra os votos da massa carente, que se contenta com bolsas, vales e outros agrados são facilmente manipulados.
Diante das atuais discussões da revisão da Lei de Uso e Ocupação do Solo de Belo Horizonte, que deve ser votada no final de 2014, percebe-se o intuito da Prefeitura de vender justamente o potencial dos terrenos que ela retirou com uma “canetada” em 2010, e que pretende reduzir para apenas um o Coeficiente de Aproveitamento em 2014, sem nada pagar aos cidadãos que confiaram que realmente seria necessário o combate à verticalização.
Importante alertar que não há nenhum artigo no Estatuto da Cidade que imponha o potencial de construção limitado a um, sendo inaceitável a justificativa de que a venda de outorga onerosa visa cumprir função social do imóvel, pois o foco é a ganância, o intuito de aumentar a arrecadação à força. A Constituição Federal é clara ao consagrar que o imóvel cumpre a sua função social a partir do momento que é adequadamente utilizado.
O preço das unidades construídas será elevado de forma expressiva, já que será embutido o custo da outorga onerosa, o que consiste num reflexo antissocial, ou seja, contrário à função social que deveria orientar os governantes.
São bilhões de reais que algumas Prefeituras podem auferir ao vender o que ela não pagou ou que subtraiu com argumentos dissimulados. Com as Operações Urbanas Consorciadas, com o Coeficiente de Aproveitamento Máximo (que está prestes a ser regulamentado) e outras manobras que quase ninguém é capaz de decifrar, sob o manto do ilusório interesse coletivo, fica evidente motivação bolivariana, arbitrária e inconstitucional de obter recursos com a usurpação do patrimônio dos cidadãos. Se era necessário reduzir o potencial de construção, porque agora estão montando uma lei para vender esse potencial para aumentar a verticalização? Se o desejo é elaborar uma nova forma de adensamento da cidade, com concentração de moradores onde haja infraestrutura compatível, que a Prefeitura cumpra os preceitos do Estatuto da Cidade que criou o instituto da outorga onerosa, ou seja, que venda direito de construir, além do que a lei municipal permite hoje, sem prejudicar o proprietário da terra nestes locais.
Belo Horizonte, 14 de maio de 2014.
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Kênio de Souza Pereira
Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG
Conselheiro da Câmara do Mercado Imobiliário de MG e do SECOVI-MG
Representante em MG da Associação Brasileira de Advogados do Mercado Imobiliário
E-mail: keniopereira@caixaimobiliaria.com.br (31) 3225-5599