Geralmente as pessoas têm uma enorme dificuldade de entender as leis que regulamentam os condomínios, o que é compreensível devido à redação precária da maioria das convenções, que, em geral são copiadas por leigos que se baseiam em vários modelos ultrapassados, que ao serem adaptados tornam quase impossível o entendimento de alguns artigos remendados ou contraditórios.
Basicamente, a questão da fachada dos edifícios é regulamentada por dois artigos, sendo o artigo 10 da Lei nº 4.591 que dispõe sobre “o condomínio em edificações e as incorporações imobiliárias” e o artigo 1.336 do Código Civil, que regulamentou em 2002 as relações condominiais. Vejamos os artigos que exigem vivência para serem compreendidos:
Lei nº 4.591/64
Art. 10. É defeso a qualquer condômino:
I – alterar a forma externa da fachada;
Il – decorar as partes e esquadriais externas com tonalidades ou cores diversas das empregadas no conjunto da edificação;
III – destinar a unidade a utilização diversa de finalidade do prédio, ou usá-la de forma nociva ou perigosa ao sossego, à salubridade e à segurança dos demais condôminos;
IV- embaraçar o uso das partes comuns.
- 1º O transgressor ficará sujeito ao pagamento de multa prevista na convenção ou no regulamento do condomínio, além de ser compelido a desfazer a obra ou abster-se da prática do ato, cabendo, ao síndico, com autorização judicial, mandar desmanchá-la, à custa do transgressor, se Este não a desfizer no prazo que lhe for estipulado.
- 2º O proprietário ou titular de direito à aquisição de unidadepoderá fazer obra que (VETADO) ou modifique sua fachada, se obtiver a aquiescência da unanimidade dos condôminos.
Código Civil:
Art. 1.336. São deveres do condômino:
I – [….]
II – não realizar obras que comprometam a segurança da edificação;
III – não alterar a forma e a cor da fachada, das partes e esquadrias externas;
IV – dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes.
-
1o[….]
-
2oO condômino, que não cumprir qualquer dos deveres estabelecidos nos incisos II a IV, pagará a multa prevista no ato constitutivo ou na convenção, não podendo ela ser superior a cinco vezes o valor de suas contribuições mensais, independentemente das perdas e danos que se apurarem; não havendo disposição expressa, caberá à assembleia geral, por dois terços no mínimo dos condôminos restantes, deliberar sobre a cobrança da multa.
ENTENDENDO O QUE É FACHADA
A fachada abrange as quatro faces do edifício, sendo um bem comum dos condôminos que a lei protege para preservar a sua harmonia visual e evitar sua desvalorização. Dessa maneira, consagrou-se há décadas a norma de que é vedada a instalação de aparelho de ar-condicionado que causa prejuízo estético já que se assemelhavam a caixotes.
Diante da elevação da temperatura mundial, com os termômetros superando os 32 graus Celsius, até mesmo em regiões que eram conhecidas por serem frias, vemos os Tribunais de Justiça decidindo a favor dos moradores e ocupantes que instalam ar condicionado dentro de algumas regras que não afrontem o foco da lei e da convenção. Em alguns casos entende-se ser desumano impor um desconforto excessivo e em outros vemos que alguns tipos de aparelhos não afetam de forma danosa a fachada.
É COMUM CONVENÇÃO REGULAR MATÉRIA DE FORMA CONFUSA
A questão é polêmica, devendo cada um dos casos ser analisado com bom senso, sem apego a posturas ultrapassadas, pois a Lei nº 4.591/64, que regulamenta os condomínios foi criada há mais de 50 anos. Por outro lado, não devemos desprezar o direito de a coletividade condominial preservar a harmonia da fachada, Há centenas de edifícios desvalorizados em virtude do visual “carnavalesco” decorrente da instalação de aparelhos de forma abusiva e antiestética, além do fechamento desordenado das varandas.
As convenções, em geral, são pessimamente redigidas, copiadas sem qualquer critério, sendo comum estipularem o quórum unânime para tudo o que envolve a fachada, o que caracteriza um equívoco. A lei exige o quórum unânime apenas quando a alteração é praticada por um condômino. Não é exigido este mesmo quórum quando a alteração decorre de uma obra que seja realizada em prol do interesse coletivo, como, por exemplo, a troca do revestimento da fachada diante do surgimento de infiltrações ou da queda das pastilhas que acabam colocando em risco os transeuntes. Nesse caso, o quórum da maioria simples dos presentes é suficiente para autorização da obra, por ser essa necessária. A assembleia, no caso, se limitará a escolher qual empresa fará a obra, o tipo de revestimento e a sua forma de pagamento mediante a aprovação da taxa extraordinária.
BOM SENSO DEVE PREVALECER
Diante da grande variedade de aparelhos de ar-condicionado que possibilitam a instalação de maneira mais discreta, às vezes na varanda ou na área de serviço, vemos que muitos moradores têm obtido conforto sem afrontar a coletividade, por não prejudicar o visual.
Muitos edifícios permitem a instalação nas fachadas dos fundos e das laterais. A fachada frontal é mais visível e, portanto, merecedora de maior proteção em decorrência da valorização das unidades. Já, em vários outros casos, é autorizada a instalação dos aparelhos somente nas esquadrias das janelas, dentro de uma determinada simetria, sendo vedada apenas a perfuração da alvenaria.
Há entretanto, situações que inviabilizam a instalação de aparelhos na fachada frontal, especialmente em edifícios de alto padrão, pois a perda de harmonia visual é inaceitável. Muitos edifícios gastam verdadeiras fortunas com o revestimento de suas fachadas com material nobre.
CONVENÇÃO NÃO É LEI
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, ao jugar o processo nº 700.22661474, esclareceu que, apesar de a convenção do prédio proibir a instalação de aparelho de ar-condicionado não pode ser encarada como uma norma ditatorial. Os Desembargadores do TJRGS fizeram uma analogia com os julgados em SP, RJ e MG, nos quais, apesar de a convenção proibir animais domésticos na maioria dos prédios, passaram eles a serem aceitos, desde que não perturbem.
Com base no mesmo raciocínio, autorizaram o ar-condicionado na fachada do prédio porque o local onde foi instalado não gerou dano estético. Dessa forma, é importante que os condôminos tenham uma assessoria jurídica especializada para analisar o pedido de um morador ou ocupante que deseja instalar aparelhos de ar-condicionado, pois a falta de compreensão dos limites da lei e do que seja dano estético poderá gerar conflitos judiciais que geram elevados custos financeiros e desgastes nas relações.
Belo Horizonte, 08 de Dezembro de 2016.
Este artigo foi publicado na Revista BDI.
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Kênio de Souza Pereira
Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG
Professor da pós-graduação da Escola Superior de Advocacia da OAB-MG
Conselheiro da Câmara do Mercado Imobiliário de MG e do SECOVI-MG
Diretor da Caixa Imobiliária Netimóveis de Belo Horizonte-MG
keniopereira@caixaimobiliaria.com.br – Tel. (31) 3225-5599