Convenção de condomínio redigida de forma superficial pode dar ao proprietário essa preorrogativa
Para o proprietário de um imóvel, a existência de vagas de garagem vinculadas a um apartamento é um fator decisivo para a compra de uma unidade residencial, bem como de uma sala ou loja. Nesse sentido, a regulamentação do uso das vagas em condomínios é de fundamental importância para os proprietários de apartamentos, sendo certo que a garantia legal desse uso representa a tranquilidade do proprietário em relação aos vizinhos, bem como a valorização de sua propriedade.
Em muitos edifícios antigos é comum a falta de previsão ou convenções de condomínio redigidas de forma superficial, sem constar o local exato das vagas ou a sua forma de utilização. Em vários casos em que haviam mais apartamentos que número de vagas, era comum os condôminos estabelecerem o uso conforme as conveniências e o costume. Essa falta de preocupação em definir o local exato das vagas ou a postura de não processar a construtora que deixou de entregar uma vaga para cada apartamento, conforme prometido no ato da venda, decorria do fato de muitos proprietários não possuírem automóveis antes da década de 80. Esse costume de um ou outro morador estacionar de determinada maneira depois de 10 anos acaba por consagrar o direito permanente ao uso da vaga ou de estacionar um segundo automóvel onde o normal seria estacionar apenas um carro.
Em tais situações, após vários anos de uso das vagas não demarcadas sem qualquer oposição entre os condôminos, ocorre um fenômeno jurídico conhecido como “supressio”, que consiste em um comportamento reiteradamente omissivo pelo não exercício de um direito por longo período de tempo gerando a expectativa de que um determinado ato não seja mais praticado. Essa reiterada conduta omissiva do condomínio, que poderia questionar o uso regular da área comum, faz surgir ao proprietário do apartamento e possuidor da vaga a garantia legal ao uso permanente e à propriedade dessa vaga, ou seja, dessa área comum. O surgimento desse direito é legalmente conhecido como “surrectio”, sendo que tal fato foi permitido pelo condomínio que nada vez para questionar o uso da área comum por simples entender, por décadas, que não era relevante o vizinho estacionar como sempre fez por mais de dez anos.
Alterar a convenção não elimina o direito adquirido
Consolidado esse direito de propriedade, não é mais possível àqueles condôminos que tem menos vagas retirar o direito ao uso de uma segunda vaga, nem por meio de alteração da Convenção de Condomínio como a aprovação de 2/3 do condomínio, pois para se alterar um direito de propriedade o artigo 1.351 do Código Civil exige votação unânime de todos os condôminos O mais sensato para evitar divergências é fazer a alteração da convenção ratificando a situação consolidada pelo tempo e estipulando o uso conforme disposição das vagas atuais, evitando polêmicas. A tentativa de alguns condôminos de querer alterar essa situação gera demandas judiciais e insegurança jurídica, bem como alto custo e prejuízo para o condomínio.
Formalizar seu direito
Qualquer tentativa de alteração na convenção de condomínio não tem o condão de retirar o direito do possuidor à continuidade do uso perpetuado da vaga, pois uma vez consolidada a perda do direito do condomínio em alterar a posição das vagas, caberá ao condômino interessado buscar as garantias legais para formalizar seu direito, o que pode se dar por regulamentação pelos próprios condôminos em assembleia de condomínio ou por determinação judicial.
A consolidação do direito do proprietário à manutenção do uso e propriedade das vagas não regulamentadas e que vem sendo usadas ao longo de anos pelo condômino exige bom senso, estudo e, acima de tudo, conhecimento técnico para se evitar polêmicas que geram desgates e conflitos desnecessários. A aplicação adequada desses três requisitos trará uma solução jurídica efetiva que garantirá o direito dos condôminos ao uso das vagas, eliminando a insegurança jurídica e valorizando a propriedade.
Kênio de Souza Pereira.
Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG.
Conselheiro da Câmara do Mercado Imobiliário de MG e do Secovi-MG.