Uma questão polêmica é a constituição de república em condomínio, que é caracterizada pela convivência de três ou mais estudantes ou pessoas sem parentesco em uma unidade. Mas, conforme sua composição, torna-se um desafio definir se é república, especialmente quando há parentesco entre os membros. Muitos condomínios vedam na convenção a ocupado de apartamentos por república, pois temem que os jovens venham a realizar festas constantemente ou que possam criar problemas decorrentes de comportamento rebelde. Assim, nos decorrer das décadas passadas firmou-se a ideia de que gera incômodos.
Até os anos 90 era comum jovens do interior que tinham a vida mais controla pelos pais, ao virem residir nas cidades maiores para cursar faculdade ficavam eufóricos com a novidade de liberdade junto com os colegas e assim ultrapassam certo limites. A sociedade evoluiu, a internet e a maior liberdade fez essa geração amadurecer e os problemas com grupo de jovens residindo reduziu sensivelmente. Entretanto, surgem ainda alguns problemas que incomodam os vizinhos dos demais apartamentos, inclusive com o recente Airbnb que oferece hospedagem diária, tendo a coletividade direito de coibir situações que geram incômodos.
Em geral, os Tribunais entendem que se consta cláusula na convenção que proíbe, não poderá então haver república naquele condomínio. Entretanto, quando a convenção é omissa cria-se a possiblidade do Poder Judiciário indeferir o pedido de sua retirada, caso essa não ocasione perturbação ao sossego.
LEI E CONVENÇÃO PERMITEM RESTINGIR USO DO APARTAMENTO
O direito à tranquilidade no condomínio é assegurado no artigo 1.336 do Código Civil: “São deveres do condômino: IV – dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes”.
Diante disso, caso o condomínio deseje realmente impedir que um apartamento venha a ser ocupado por uma república e outros tipos de atividade, deve atualizar e inserir na convenção as restrições de forma a definir que as unidades serão unifamiliares.
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, ao julgar uma ação proposta por um condomínio contra uma senhora que alugava os quartos para estudantes, entendeu que não deveria proibir a república por não haver desvio da finalidade, no caso, residencial e por inexistir registros de perturbação ao sossego. Este caso evidencia que cabe aos condôminos constatar se a convenção está bem redigida.
Para exemplificar a importância da elaboração profissional da convenção, citamos o caso de um empreendimento em Belo Horizonte, com três torres com o total de 358 apartamentos, onde há uma linda área de lazer, com duas piscinas, quadras poliesportivas e de tênis, academia, sauna, espaço gourmet, etc, que se assemelha a um clube. Nesse condomínio o síndico constatou que existia apartamento de dois quartos onde constava o registro de 17 moradores, havendo outros com menor número, tendo em vista que os amigos dos moradores desejamos aproveitar dos diversos equipamentos de lazer. Certamente, a piscina, a sauna e as quadras não foram projetadas para esse volume de ocupação, o qual acarreta maiores despesas com água, com o uso dos elevadores e os serviços.
Na Apelação nº 743.859-1, os desembargadores do TJPR decidiram manter sentença que proibiu o proprietário alugar sua unidade para estudantes, pois havia proibição no regimento interno do condomínio. Vejamos um trecho do acórdão que confirmou que vedar república não fere o direito de propriedade: “Isto porque, além de tratar-se de pequena limitação ao direito de propriedade, este direito sempre sofrerá ponderação quando diante de outros valores jurídicos postos em consideração, tais como o sossego, as convenções particulares e a dignidade da pessoa humana que devem ser resguardados nas relações de vizinhança”.
OMISSÃO SOBRE RAMOS DE NEGÓCIOS PODE GERAR PREJUÍZOS
Há relatos de casos de condomínio localizado na zona nobre da cidade que procurou um advogado para requerer a retirada de uma Delegacia de Polícia que recebia presos até de madrugada, que foi instalada na loja de localizada no térreo do edifício. Problema semelhante ocorreu com outro edifício, que os moradores que reclamaram da loja que foi locada para uma funerária e outra para um sacolão que gerou a desvalorização dos apartamentos de luxo.
Não há como exigir a retirada da delegacia e nem desses dois ramos de negócio, tendo em vista que são atividades lícitas que não foram previamente vedadas pela convenção, a qual era omissa. Se os condôminos tivessem desde do início da edificação uma convenção bem elaborada não teriam esses problemas, pois os 2/3 dos condôminos poderiam vetar esses tipos de negócio, bem como impedir que um apartamento de dois quartos fosse utilizado por 17 moradores e ainda definir melhor as restrições como no caso, uma república ou a rotatividade de ocupação que configura uma hospedaria.
Diante das novidades que têm surgido com as plataformas digitais de hospedagem, apesar das convenções dos edifícios residenciais geralmente estipularem que os apartamentos se destinam à utilização unifamiliar, caso seja de interesse dos construtores e condôminos, se mostra prudente fazer constar a proibição de ocupação diária, como temos visto com a Airbnb. Dessa maneira, apesar de ser evidente que tal atividade é comercial, pois não se encaixa na concepção de locação residencial que é mais duradoura, será evitada uma polêmica do condomínio.
Belo Horizonte 26 de junho 2019
Esse artigo foi publicado no Jornal Diário do Comércio.
Kênio de Souza Pereira
Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG (2010 A 2021)
Vice-presidente da Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB Federal
Diretor Regional em MG da Associação Brasileira de Advogados do Mercado Imobiliário
Conselheiro do Secovi-Mg e da Câmara do Mercado Imobiliário de MG