Boa-fé, fidelidade e equilíbrio devem ser a base de um contrato
Sabe-se que quando se compra um apartamento, uma sala ou uma loja, o preço do imóvel está diretamente relacionado à metragem do local, isto é, a sua fração ideal. Quanto maior a construção, maior seu custo e, assim, mais elevado será o seu preço final. Porém, há casos em que o construtor vende um imóvel com uma determinada metragem, mas o entrega com o tamanho menor, sendo que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) há anos pacificou o entendimento de que o comprador do imóvel pode exigir abatimento proporcional do preço ou a rescisão do contrato quando a construtora entregar o imóvel num tamanho menor ao que foi prometido.
Geralmente os contratos são redigidos pelas construtoras de forma a protegê-la, em prejuízo do comprador, que muitas vezes é leigo e age com excesso de confiança ao adquirir um imóvel. Logicamente, seria um atestado de incompetência o departamento jurídico da construtora inserir cláusulas contra o interesse de seu contratante. Da mesma forma, consiste ingenuidade o comprador não buscar assessoria jurídica para equilibrar o contrato de maneira a reduzir seu risco. Os compradores desconhecem que as construtoras, interessadas na conclusão do negócio, respeitam o comprador que busca assessoramento jurídico e aceitam inserir cláusulas que visam proteger os seus direitos, pois um contrato deve ser bilateral e prestigiar a boa intenção das partes.
ABUSO x DIREITO – Utilizar-se da lei para levar vantagem é inaceitável
O artigo 500 do Código Civil (CC) estipula que quando um comprador adquire um imóvel “por medida”, denominado ad mensuram, ou seja, com determinados metros quadrados, somente poderá pedir abatimento proporcional do preço ou até rescindir o contrato se a diferença ultrapassar 5% do tamanho do imóvel.
O Ministério Público do Distro Federal, ao perceber que, rotineiramente, determinada construtora de Brasília “errava” propositadamente a metragem até o limite de 5%, moveu uma Ação Civil Pública e conseguiu anular a disposição contratual que isentava tal construtora de indenizar o comprador no caso deste receber uma unidade com área menor do que aquela que constou no contrato de compra e venda.
Na ocasião, o STJ esclareceu que nos contratos imobiliários não prevalece o CC, pois se aplica o Código de Defesa do Consumidor, por ser lei especial. Apesar do CC prever que possa haver pequena falha na medição, esta cláusula deve ser declarada nula de pleno direito quando se verifica que há abusividade por prever a exoneração da responsabilidade da construtora.
Para a ministra, “mostra-se não apenas visível, como também notória a má-fé da recorrida (construtora) ao socorrer-se da exceção legal prevista no artigo 1.136, parágrafo único, do CC/1916 (atual artigo 500) para, além de eximir-se da responsabilidade advinda da venda por medida quando não correspondente à área constante do contrato com as reais dimensões dos imóveis, fazê-lo de maneira deliberada e rotineira, com o claro intuito de proveito próprio”. E continua: “é impossível que uma empresa de grande capacidade empreendedora, com profissionais da engenharia qualificados, cometa o mesmo erro em várias unidades e mais, exatamente nos limites que a exoneram de responsabilidade previstos na lei. “A ninguém é permitido valer-se de lei ou de exceção prevista em lei para obtenção de benefício próprio quando este vier em prejuízo de outrem.”
Portanto, é ilícita a prática deliberada de redução das dimensões contidas nos contratos, em desacordo com aquelas fisicamente constatadas nos imóveis comercializados na planta ou em construção. Conforme constatado pelo STJ, imagine que a construtora erre deliberadamente em dezenas de apartamentos de 200 m², ou seja, venda cada unidade com 10m² a menos. A cada 20 apartamentos ela ganha um, auferindo assim lucro ilícito e muito representativo, além de penalizar o comprador. É fundamental na contratação haver fidelidade, lealdade, coerência e cooperação.
Dessa maneira, cabe a construtora, como fornecedora, por dominar tecnicamente as várias denominações de medidas (área bruta ou líquida, área real, área privativa e comum) deixar claro no contrato de compra e venda a real área que está sendo negociada (se inclui ou não garagem/área externa ao apartamento) na qual foi baseada o preço de venda, pois assim evitará questionamentos futuros.
Este artigo foi publicado no Jornal Hoje em Dia
Kênio de Souza Pereira
Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG
Diretor da Caixa Imobiliária Netimóveis
Conselheiro da Câmara do Mercado Imobiliário de MG e do Secovi-MG
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