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EXCESSOS E ILEGALIDADES DO SÍNDICO AO IMPEDIR A ENTRADA NOS EDIFÍCIOS

O receio de contágio pelo coronavírus tem gerado comportamentos irregulares em alguns condomínios, que apesar de bem-intencionados, caracterizam afronta às leis, em especial, às recentes normas publicadas no dia 22/03/20, que estipulam que a construção civil, supermercados, além dos serviços de assistência médico-hospitalares e demais serviços que não podem ser interrompidos. São dezenas de atividades não sujeitas à restrição de funcionamento e nem ao isolamento social, pois a paralização causaria danos ao interesse público e à sociedade, pois são essenciais, conforme artigos 8º e 9º, da Deliberação do Comitê Extraordinário COVID-19, nº 17, do Governo Mineiro, publicada no Minas Gerais. Essas normas são as mesmas divulgadas pela maioria dos estados da federação.                       

O fato é que o temor exagerado tem levado a situações ilógicas, com condomínios barrando a entrada de cuidadores de idosos, de diaristas, operários da construção civil (pintor, marceneiro, pedreiro, etc) que precisam prestar seus serviços dentro dos apartamentos, sendo tal proibição ilegal. Eles não ficam parados nas áreas comuns e ao transitar por elas podem ser exigidos cuidados como o uso do álcool. Todas as normas divulgadas pelo Poder Público visam basicamente evitar a aglomeração de pessoas, estimular o distanciamento a partir de 1,5 metro e incentivar o maior cuidado com a higiene.                       

O Princípio da Legalidade traz em sua essência que os atos que não são proibidos por lei podem ser praticados. Portanto, não existe como o síndico, porteiro e qualquer pessoa criar obstáculo para que os cuidadores, enfermeiros, as diaristas ou operários tenham livre acesso aos apartamentos ou salas do edifício.

DIREITO AO TRABALHO PARA PROTEGER A VIDA E A FAMÍLIA                       

Consiste numa postura egoísta e desumana agir como se ninguém mais tivesse direitos, sendo ilegal síndicos e conselheiros criarem normas como seu fosse o Poder Público. As pessoas idosas que residem nos apartamentos fazem jus à atenção de cuidadores que são fundamentais para ministrar medicação, dar banhos e garantir a mínima qualidade de vida, pois muitos não conseguem nem se locomover sem auxílio.                       

Dependendo do quadro de saúde da pessoa, o acompanhamento de um enfermeiro pode ser fundamental e sua ausência por proibição do síndico pode resultar no falecimento do morador, pois muitos nem têm familiares ou estes não têm condições de ficar no apartamento. Será que o síndico ou conselheiros desejam assumir esse risco? Vale a pena criar um processo judicial?

REFORMAS PARALIZADAS GERAM PREJUÍZOS E O DIREITO À INDENIZAÇÃO                       

Logicamente ninguém que reforma um apartamento deseja prejudicar ou incomodar seus vizinhos. Entretanto, há reformas que já estavam em andamento muito antes do início da pandemia, tendo seu proprietário realizado diversos compromissos e pagamentos. Vários serviços são pagos de forma adiantada e o marceneiro, a eletricista, o fornecedor do mármore e demais materiais não parou de trabalhar e exige que o dono do apartamento receba o material ou então que assuma os prejuízos pelo atraso. Há ainda os trabalhos de alvenaria, revestimentos, pintura, gesso, dentre outros que são realizados em etapas pré-ordenadas e ao impedir a entrada de operários e técnicos, esses ficam sem condições de receber para comprar comida, quitar aluguel, luz, água etc.                       

A falta de reflexão e de sensibilidade podem acarretar, em alguns casos, problemas muito mais graves que a contaminação, como prejuízos que gerarão direito à indenização aquele que teve a obra atrasada. Já estamos vendo o aumento dos crimes como saques aos supermercados e os assaltos, pois sem trabalho as pessoas desesperam. Devem os administradores dos condomínios refletirem sobre o que eles fariam se fossem impedidos de sustentar suas famílias.                       

Há famílias que têm aceitado o impedimento do acesso em prol da boa convivência. Mas, a maioria não tem como aceitar uma medida que às vezes é motivada por preconceito contra as pessoas mais simples. Caso o porteiro crie obstáculo, caberá a este indicar com detalhes quem lhe deu a ordem ilegal, para que o proprietário da unidade possa chamar a polícia e exercer seu direito de dar acesso àquele que lhe presta tais serviços. Caberá ao condomínio apenas exigir que o prestador de serviços tome os devidos cuidados com a higiene ao circular pelas áreas comuns.

Esse artigo foi publicado no jornal Hoje Em Dia

 

Kênio de Souza Pereira

Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG

Vice-presidente da Comissão Nacional de Direito Imobiliário da OAB Federal

Conselheiro do Secovi-MG e da Câmara do Mercado Imobiliário de MG

Membro do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário – Ibradim-MG

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