Inúmeros são os prejuízos relatados em processos judiciais que surgem em decorrência da falta de escritura pública e do seu registro na matrícula no Ofício de Registro de Imóveis para transmitir a propriedade ao comprador. A informalidade na compra de imóveis tem gerado transtornos que poderiam ser evitados, pois conforme o artigo 1.245 do Código Civil, a propriedade imobiliária no Brasil é transmitida somente com o registro perante o Oficial Registrador. Do contrário, continua a figurar o nome do vendedor como proprietário do imóvel.
Outro fator que agrava os riscos é o comprador não ter nenhum contato direto com o vendedor, pois por algum motivo esse não aparece e o negócio é realizado por meio de um procurador que apresenta uma procuração por instrumento público, que lhe outorga poderes para assinar o contrato de promessa de compra e venda e a escritura.
Há casos em que o procurador indicado pelo comprador, embora a venda seja realizada por meio do contrato particular de promessa de compra e venda, não cumpre fielmente sua função, deixando de lavrar a escritura ou inserindo nela informações que não foram combinadas. Essa falha pode ocasionar diversos transtornos, tanto para comprador, quanto para o vendedor que confiou em outorgar a procuração para quem ele não conhece. O fato é que passados alguns anos, caso o comprador venha a falecer sem que o imóvel esteja registrado em seu nome, seus herdeiros terão dificuldade em incluí-lo no inventário, ficando sua comercialização inviabilizada.
Um imóvel sem a documentação regularizada gera perda em torno de 35% do seu valor de mercado, tendo o comprador em alguns casos que esperar dez anos para obter a transferência no Ofício de Registro de Imóveis por meio da usucapião – que tem alto custo financeiro com o processo – diante da impossibilidade de conseguir resolver a pendência de forma administrativa com os herdeiros.
Como se não bastassem os problemas com a comercialização do imóvel, decorrentes da falta de registro, há ainda os empecilhos que afetam o crédito do vendedor que passa a figurar como devedor de forma injusta se o comprador não pagar o IPTU ou a quota de condomínio, caso o bem seja uma unidade condominial. Na hipótese de o comprador não quitar o IPTU, dará margem para que o vendedor venha a ser protestado pelo município junto ao Ofício de Protestos, podendo este vir também a ser réu numa ação de execução fiscal. No caso da inadimplência da quota condominial o vendedor poderá responder um processo de execução proposto pelo condomínio, o que negativará seu cadastro. Os credores, seja o município ou o condomínio, tomarão as providências para exigir o pagamento da dívida contra o proprietário que figura no Ofício de Registro de Imóveis, no caso, o vendedor, pois tais débitos estão ligados ao imóvel.
Entretanto, quando o comprador reside no apartamento e entrega uma cópia do contrato de promessa de compra e venda para o condomínio, passando a votar na assembleia, no caso de cobrança, o síndico promoverá a execução em nome do comprador, mas em alguns casos, o vendedor será incluído no processo para viabilizar a penhora. Caso essas dívidas não sejam quitadas após a condenação judicial do devedor, o credor pedirá ao juiz que faça a penhora do dinheiro que estiver na conta bancária do vendedor, por meio do BACENJUD, pois a penhora do imóvel e seu leilão só ocorre se não for encontrada moeda corrente.
O vendedor terá seu crédito negativado na praça, não conseguindo movimentar conta bancária, cartão de crédito, fazer empréstimos, tendo prejuízos nas relações comerciais até que consiga uma decisão judicial que elimine o problema e responsabilize o comprador.
Há ainda o risco com a Receita Federal, pois a falta de escritura poderá dar margem para o comprador utilizar a procuração para vender o imóvel a terceiros por um preço maior do que o vendedor recebeu. Essa nova transação realizada por meio de procuração pode fazer o Fisco cobrar do vendedor 15% sobre lucro imobiliário, que na verdade foi obtido pelo comprador.
No caso de o imóvel ser utilizado para construir um edifício, sendo as unidades vendidas na planta, a transação realizada por procuração pode ainda gerar transtornos para o vendedor que poderá vir a ser envolvido numa incorporação. Sendo praticados pelo comprador atos irregulares ao vender as unidades para dezenas de adquirentes, se estes forem lesados, poderão propor ação contra quem estiver figurando como dono na matrícula do Ofício de Registro de Imóveis, sendo que o vendedor poderá ser confundido com o incorporador, pois constará o seu nome nos documentos formalizados com terceiros.
Regularize seu imóvel para evitar problemas para si, seus herdeiros, pois assim terá tranquilidade, segurança e a devida valorização do seu patrimônio.
Esse artigo foi publicado no Jornal Diário do Comércio
Kênio de Souza Pereira
Vice-Presidente da Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB Federal
Conselheiro da CMI-MG e do SECOVI-MG
Membro do IBRADIM – Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário