Manipular a ata pode configurar crime de Falsidade Ideológica
Qualquer condômino tem direito de gravar em áudio/vídeo a assembleia de condomínio, não tendo que pedir permissão para isso. Não há norma que proíba a gravação de reuniões, especialmente se a mesma tratar de assuntos que envolvem posições antagônicas, pois justamente por isso se torna importante registrar o que exatamente foi debatido e deliberado.
Na verdade, o direito de gravar está previsto no Código de Processo Civil, sendo que até numa audiência judicial, as partes podem gravar em vídeo e áudio, sem ter que pedir autorização para o juiz, conforme prevê o artigo 367 – “O servidor lavrará, sob ditado do juiz, termo que conterá, em resumo, o ocorrido na audiência, bem como, por extenso, os despachos, as decisões e a sentença, se proferida no ato. [….]
- 5º A audiência poderá ser integralmente gravada em imagem e em áudio, em meio digital ou analógico, desde que assegure o rápido acesso das partes e dos órgãos julgadores, observada a legislação específica.
- 6º A gravação a que se refere o § 5º também pode ser realizada diretamente por qualquer das partes, independentemente de autorização judicial.”
Diante dessa disposição legal, se nem o juiz impede a gravação do que será constado na ata que é redigida na hora, se mostra abusiva e inaceitável a tentativa do síndico, do presidente da assembleia ou de alguns condôminos criar obstáculos para que qualquer pessoa grave a reunião ou que vise a impedir o fiel registro da manifestação de um condômino ou de seu procurador.
De acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, as audiências são públicas sendo a gravação legal, a qual pode inclusive ser divulgada. Se a audiência for sigilosa, poderá haver gravação, porém não poderá ser divulgada a terceiros.
Admissibilidade da gravação de assembleia
No ambiente condominial a assembleia possui caráter público, sendo facultada a sua gravação. As convenções mais recentes preveem expressamente o direito do condômino de gravar a reunião, bem como a realização de assembleia virtual, que diante da evolução dos meios eletrônicos passará em breve a ser muito utilizada, sendo logicamente perpetuada com a gravação inerente a esse meio.
A gravação da assembleia tem o fim de assegurar os direitos dos condôminos em prol da verdade, da transparência e dos bons costumes, sendo certo que inibe atos agressivos, bem como a má-fé daqueles que têm a intenção de lesar alguém. A gravação de assembleia não traz qualquer prejuízo, ao contrário, contribui para que a reunião ocorra de forma pacífica e dentro dos limites da legalidade e da cordialidade. Por ser direito de todos registrar em ata a sua posição, sem que o presidente, o síndico ou o secretário procure distorcer ou resumir o que foi dito, pois tal arbitrariedade poderá configurar o crime do art. 299 do Código Penal, que será facilmente provado diante da ata manipulada deixar de registrar o que está no áudio e no vídeo. É interessante a pessoa que foi desrespeitada filmar o seu protesto para não deixar dúvida da má-fé dos que fraudaram a ata.
É importante que os fatos ocorridos na assembleia sejam registrados por escrito no momento exato em que forem acontecendo para se evitar a perda ou distorção de qualquer informação relevante quanto ao patrimônio ou à honra dos seus participantes. Aquele que for prejudicado, tem o direito de fazer registrar seus argumentos na ata, podendo levar um pen drive para inserir sua manifestação de maneira a agilizar o trabalho do secretário que estiver utilizando o notebook.
Uso do computador facilita redação – Ata deve ser elaborada na hora
Há pessoas que ainda redigem atas a mão, o que configura um retrocesso, pois defender isso seria o mesmo que levar uma máquina de datilografia para a assembleia. Tudo hoje é redigido, inclusive nos cartórios, por meio de computadores que permitem a correção imediata de qualquer equívoco na redação, bem como a impressão de imediato para que os presentes assinem o documento, evitando assim qualquer alteração do que foi registrado.
Recusar digitar a ata no decorrer da assembleia é negar as facilidades da informática que há mais de três décadas faz parte do nosso dia a dia. Qualquer pessoa pode levar o notebook para a assembleia e assim facilitar o registro imediato do que foi discutido, pois o que deve prevalecer é a boa-fé conforme prevista no art. 422 Código Civil e o interesse maior do respeito à segurança jurídica, pois ata consiste no registro de fatos que acabaram de acontecer. Aquele que alega que fará posteriormente a ata, ignora que isso não existe, pois, o registro posterior de fatos passados é definido como relatório. Ata é o registro de fatos presentes, como faz o juiz ao colher um depoimento ou um notário do cartório de notas ao registrar uma reunião.
Gravação inibe a fraude e estimula o respeito
Nas assembleias deve-se digitar a ata, cuja impressão e assinatura devem ser realizadas no mesmo ato para evitar fraude. O secretário, e quem mais venha a impedir ou distorcer o que for escrito na ata, poderá responder um processo penal por Falsidade ideológica, conforme previsto no Código Penal:
“Art. 299 – Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante:
Pena – reclusão, de um a cinco anos, e multa, se o documento é público, e reclusão de um a três anos, e multa, de quinhentos mil réis a cinco contos de réis, se o documento é particular. ”
A tentativa de impedir a gravação, geralmente, significa a intenção de lesar ou ofender algum membro da assembleia, já que decorre do medo de quem deseja evitar o registro que prova de seu ato abusivo ou uma situação irregular.
Há que se considerar, inclusive, ser uma realidade o julgamento eletrônico nos tribunais. A sessão de julgamento é gravada, o que é discutido e deliberado é reduzido a termo e publicado. Dessa forma, garante-se a fidelidade entre o áudio e a redação dos acórdãos, o que evita dúvidas. Não devemos admitir que a desonestidade e a fraude na redação da ata tenham espaço numa assembleia, pois a transparência e o respeito são fundamentais para a convivência saudável nos condomínios.
Sendo a assembleia de condomínio considerada um ato de natureza pública dentro do condomínio se mostra positiva a atitude de gravar a reunião, pois garantirá a redação mais cuidadosa da ata e a conduta para respeitosa dos participantes.
Esse artigo foi publicado no Jornal do Síndico
Kênio de Souza Pereira
Advogado e Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG.
Vice-presidente da Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB Federal
Conselheiro da Câmara do Mercado Imobiliário de MG e do Secovi-MG