O lucro de bancos, muitas vezes, vem da inadimplência em financiamentos imobiliários
O lucro de bancos causa perplexidade ante uma economia desaquecida, com desemprego elevado, o que motivou um recorde de perda de moradias financiadas, decorrente da falta de capacidade dos mutuários, também denominados “devedores fiduciantes”. Na realidade, constata-se que se tornou um excelente negócio retomar o imóvel dado em garantia fiduciária, pois, em geral, o devedor, por não conhecer as complexidades que envolvem a Lei 9.514/1997, e diante dos contratos de financiamento, que só protegem os agentes financeiros, fica sem saber como agir para reduzir seu prejuízo. Há banco credor fiduciário que, diante da inadimplência de alguns meses, tem consolidado a propriedade e auferido lucros expressivos.
Para facilitar a compreensão, vejamos, por exemplo, o caso de um apartamento que tem preço de mercado de R$ 800 mil, tendo o adquirente pagado R$ 450 mil ao vendedor e financiado R$ 350 mil em 25 anos. Após pagar as prestações durante anos, o fiduciante perde o emprego e atrasa cinco prestações, sendo que o saldo devedor é de R$ 200 mil. Ao não quitar o débito em atraso em 15 dias, o banco se torna proprietário do imóvel ao registrar a guia paga do ITBI. Ocorre que, se o devedor tivesse assessoria jurídica especializada e não ficasse emocionalmente abalado com a situação, saberia agir de maneira a promover de imediato a venda do bem, pois evitaria perder um imóvel que vale R$ 800 mil por uma dívida de R$ 200 mil.
Como viabilizar uma solução
O devedor deixa de tomar atitudes que podem viabilizar uma solução melhor para ele, sendo comum o banco criar taxas e despesas excessivas para inviabilizar o pagamento, pois constitui um lucro extra vender o imóvel tomado para terceiros em seguida. E a venda para “terceiros”, às vezes, é realizada de maneira que não venha a sobrar nenhuma quantia acima do valor da dívida, porque assim o banco evita entregar para ex-proprietário o valor que receberia a mais.
Na maioria das aquisições, o comprador paga parte do imóvel antes de financiar, faz benfeitorias que o valorizam e, assim, causa espanto a perda por uma dívida que corresponde a 25% do bem. Tem gente ganhando fortunas com a infelicidade dos que tinham bons empregos e renda e que deram azar com a situação caótica da economia, que frustrou quem confiou no país ao pensar que teria estabilidade para arcar pontualmente com prestações de um imóvel por 20 a 35 anos.
Diante disso, passamos a compreender a incrível rentabilidade, ou seja, o lucro de bancos, que alcançou, em 2017, 14,6%, quando a inflação média foi de 2%, o que resultou em lucro de R$ 57,6 bilhões, considerando apenas os quatro maiores do país, isto é, o Bradesco, o Banco do Brasil, o Itaú e o Santander. Vários são os mecanismos utilizados pelas instituições para se aproveitarem do devedor, que, se tivesse mais informação, conseguiria receber parte do valor do imóvel financiado, reduzindo assim seu prejuízo ao perder sua moradia ou local de trabalho.
Kênio de Souza Pereira
Vice-presidente da Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB Federal
Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG (2010 a 2021)
Diretor Regional de MG da Associação Brasileira de Advogados do Mercado Imobiliário (ABAMI)