Projeto sobre distrato aprovado no Senado Federal beneficia apenas as Construtoras e não reduzirá os processos judiciais
O Distrato aprovado no Senado Federal é uma aberração. O Senado aprovou no dia 20/11, o texto-base projeto de lei complementar n° 68/2018 que trata dos direitos e deveres das partes nos contratos de aquisição de imóveis em regime de incorporação imobiliária ou loteamento, tendo o PLC sofrido emendas que em nada beneficiaram os
consumidores. Pelo contrário, o texto se mostra totalmente desequilibrado, pois, inova ao afrontar a Súmula 543 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o Código Civil e o resultado do julgamento do Resp. 1300418 analisado em
regime de Recurso Repetitivo pelo STJ.
Desde 2016 as construtoras e incorporadoras têm lutado para enfraquecer as normas legais que protegem o comprador de unidades na planta de certos abusos, que são praticados constantemente devido ao descumprimento do prazo para entrega das unidades, o que tem gerado inúmeros processos judiciais, a ponto de motivar o STJ a criar Súmulas para facilitar o julgamento de milhares de causas provocadas pelas construtoras.
O projeto do Distrato se mostra tão desequilibrado que pretende burlar entendimento já sedimentado pelo STJ na Súmula 543, que garante ao consumidor a restituição imediata das parcelas pagas à Construtora em caso de resolução do contrato, sendo que o novo projeto se configura como uma verdadeira “carta branca” às Construtoras ao disponibilizá-las o prazo de 180 dias, a contar da data de formalização da rescisão, para ressarcir o promitente comprador.
Para tentar justificar a criação do projeto de lei do Distrato, seus autores se basearam na falsa premissa de redução dos processos judiciais. Tal argumento é infundado, pois o projeto não é capaz de impedir que as Construtoras continuem protelando tanto a entrega do imóvel quanto a restituição dos valores pagos em caso de rescisão motivada por sua própria falta contratual, sendo estes os principais pontos que originam ações judiciais envolvendo a matéria.
Além disso, há previsão de multa de apenas 1% sobre o valor já pago pelo comprador, estipulada para as construtoras em caso de inadimplemento contratual, o que denota total desequilíbrio frente a multa mínima de 25% imposta ao comprador em caso de desistência da compra da unidade, além de pagar a comissão de corretagem.
Ainda em relação à estipulação das multas rescisórias, estas foram fixadas em 25% para os empreendimentos sem patrimônio de afetação e de 50% para aqueles que contam com a afetação, sendo que a maioria das decisões judiciais dos Tribunais de Justiça Estaduais e Superior Tribunal de Justiça estipula que a multa por rescisão em decorrência de arrependimento do adquirente é de 10%, e que somente em casos excepcionais ela atinge 25%, ou seja, quando a comissão de corretagem tenha sido paga pela construtora.
Havendo patrimônio afetado, o PLC 68/2018 determina a retenção de 50% dos valores pagos a título de multa caso o adquirente se arrependa da compra. Tal fato desestimulará a adoção do Patrimônio de Afetação, que foi criado para estimular a proteção do consumidor, ocasionando efeito contrário, pois penalizará o consumidor que desejar ter maior segurança da conclusão da obra, em flagrante vantagem exagerada às construtoras.
Trata-se, portanto, de um projeto de lei desequilibrado que traz perplexidade, levando a crer que foi elaborado por especialistas defensores dos interesses das construtoras. Basta vermos que não existe nenhuma penalidade para a construtora que não pagar o crédito do comprador após passar os 180 dias de prazo, a contar da rescisão. Da forma que está, tendo a construtora 6 meses para atrasar sem multa, e depois, mais 6 meses para pagar o valor que pertence ao comprador, este ficará mais de um ano esperando, para depois ter que entrar com o processo judicial. Se realmente tivessem a intenção de reduzir as ações, o texto deveria conter uma multa de 100% para a construtora que não cumprisse a lei e deixasse de pagar ocrédito após o prazo de 6 meses.
O Senado Federal falhou ao deixar de proteger os cidadãos que compram unidades na plantas, pois atendeu basicamente o lobby das incorporadoras e construtoras que financiam os políticos, restando a Câmara Federal fazer algo para evitar a consagração de um projeto que visa basicamente afrontar o CDC e as decisões do STJ. É de fundamental importância que a sociedade entenda os riscos e prejuízos caso a Lei seja aprovada nos moldes informados, o que certamente ocasionará grandes perdas aos consumidores.
Kênio de Souza Pereira.
Diretor da Caixa Imobiliária Netimóveis.
Advogado e Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG.
Conselheiro da Câmara do Mercado Imobiliário de MG e do Secovi-MG.
Vice-diretor da ABRADIM – Associação Brasileira de Direito Imobiliário.
keniopereira@caixaimobiliaria.com.br