Existe uma praxe no mercado imobiliário onde a construtora, pouco antes de entregar o empreendimento, assina contratos com fornecedores de serviços, por prazo longo e com cláusula estipulando a renovação automática, mesmo após o edifício ser entregue aos compradores. Entretanto, o condomínio pode romper esse contrato sem pagar multa de forma a contratar outra empresa que cobre um valor menor ou preste um serviço de melhor qualidade.
É comum as prestadoras de serviço darem benefícios para construtora que firma contratos com cláusula de renovação automática, como por exemplo, realizar as instalações do encanamento de gás gratuitamente ou a preço de custo. Assim, a construtora lucra ao deixar de gastar com a obra de encanamento que possibilitaria a leitura individualizada de consumo. Com esse “ajuste”, a companhia de gás coloca o encanamento simples, sem as ramificações que permitem a medição individual de cada apartamento, prejudicando os apartamentos que consomem menos e acabam compelidos a arcar com a divisão geral do condomínio frente à impossibilidade da instalação dos medidores.
Não se mostra ético o construtor firmar contrato com aquelas prestadoras que mais lhe beneficiam, as quais penalizam os adquirentes com cobranças acima da média do mercado. Isso também ocorre com empresas de elevadores e com administradoras de condomínios, que passam a defender a construtora e não os condôminos, havendo aquelas que deixam de cobrar o valor integral da taxa dos apartamentos que ainda pertencem à construtora.
Essa prática não encontra amparo legal, pois a construtora não pode firmar contrato para terceiros cumprirem, no caso o condomínio. Somente aos adquirentes, representados pelo síndico, é reservado o direito de contratar uma prestadora de serviços para o condomínio.
Em razão disso, os síndicos devem se manter atentos e cautelosos para que nenhum contrato estipulado sem sua vontade pendure após a constituição formal do condomínio, especialmente se nele constar preços bem acima da média de mercado.
O Código Civil, especificamente no artigo 1.348, inciso II, determina que compete ao síndico representar o condomínio para os “atos necessários à defesa dos interesses comuns”. O legislador conferiu apenas ao síndico o poder de representação e não à construtora. Dessa forma, se mostra ilógico e abusivo um fornecedor querer que o condomínio assuma uma obrigação firmada por quem não o representa.
Neste sentido, a contratação de serviços por parte da construtora que perdure após a entrega da obra e venha a gerar despesas ao condomínio, fere os princípios da boa-fé contratual e da autonomia de vontade, vez que ninguém é obrigado a contratar ou manter um contrato que foi firmado por terceiro, alheio à sua vontade.
Diante dessas considerações, é fundamental que a construtora, no momento da entrega do empreendimento aos adquirentes, esclareça e apresente ao síndico os contratos por ela firmados anteriormente, a fim de que o condomínio, nesse momento, por iniciativa própria, efetue a ratificação dos contratos que entender vantajosos e úteis, e consequentemente rescinda aqueles que não forem proveitosos para seu funcionamento. É direito do condomínio, após fazer pesquisa de preços ou de qualidade de serviço, pactuar um novo contrato que seja mais adequado aos moradores.
Também é importante que a construtora informe a prestadora de serviço sobre a entrega do condomínio, para que seu representante procure o síndico e ofereça um novo contrato. Dessa forma evita-se que os contratos pactuados pela construtora continuem de maneira a gerar polêmica após os adquirentes terem a posse do edifício.
Cabe ressaltar nessa oportunidade que o síndico, ao assumir um condomínio, deve se valer de uma assessoria jurídica especializada a fim de resguardar melhor os interesses da coletividade condominial. Muitas vezes a construtora se aproveita da falta de experiência e do acúmulo de afazeres do síndico, ou mesmo da parceria com a administradora de condomínio, que foi nomeada por ela para defender seus interesses, para induzir os moradores a erro e assim auferir vantagens indevidas.
OAB/MG REALIZARÁ SEMINÁRIO DIA 16 PARA ORIENTAR O MERCADO
O problema citado neste artigo é um dos vários que serão abortados no dia 16 de setembro, às 19h, no 29º Encontro Imobiliário, que tem como tema “Os Problemas no Mercado de Locação de Imóveis, as Imobiliárias Virtuais e os Condomínios”, podendo as inscrições serem realizadas no site OAB/MG.
Há movimentos que têm por objetivo reduzir drasticamente a participação do corretor de imóveis nas intermediações imobiliárias, o que poderá gerar desemprego no setor. Há casos de locadores tendo prejuízos por acreditarem em propagandas que prometem garantir o pagamento dos aluguéis e dos danos do imóvel, mesmo no caso de inquilinos não terem fiadores e nem seguro fiança. Em diversas ocasiões o Jornal Diário do Comércio publicou artigos alertando sobre esse problema, dentre eles: “A fraude do aluguel garantido”, publicado na edição de 22 a 24/11/2003 e “A enganação do aluguel garantido” publicado em 19/06/18.
O evento terá a participação do Procon da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, por meio do seu Coordenador, Dr. Marcelo Barbosa, que falará das práticas e ferramentas do Direito do Consumidor que podem contribuir com a prevenção dos problemas e a proteção contra os abusos no mercado de locação, a atuação do Procon e da Delegacia do Consumidor. A advogada e professora de Direito Penal, Daniela Almeida Tonholli, abordará os crimes que podem ser caracterizados a partir das condutas praticadas pelos fornecedores de serviços virtuais, considerando o CDC e os aspectos da relação locatícia que ocasionam a propaganda enganosa.
Belo Horizonte 14 setembro 2019
Este artigo foi publicado no Jornal Diário do Comércio.
Kênio de Souza Pereira
Vice-Presidente da Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB Federal
Conselheiro da CMI-MG e do SECOVI-MG
Membro do IBRADIM – Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário
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