voltar

AUMENTARAM OS RISCOS DE COMPRAR IMÓVEL NA PLANTA

     A maior novidade de 2019 no mercado imobiliário foi o aumento dos riscos para quem comprar unidades na planta, diante da Lei dos Distratos, nº 13.786, de 27/12/18, que teve como foco principal derrubar a jurisprudência que condenava os abusos praticados pelas incorporadoras e construtoras que descumprem os contratos, em especial, o prazo de entrega do empreendimento.

     A nova lei protege unicamente as incorporadoras que passaram a poder cobrar multas de até 25% sobre o valor pago pelo comprador, podendo chegar a 50% no caso do empreendimento protegido pelo patrimônio de afetação. Além das multas, no caso do comprador desistir, terá que pagar também a comissão de corretagem, fato esse novo, pois a maioria das decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estipulava a multa em 10%, sendo que em raros casos a multa alcançava 25% justamente para abranger o pagamento da comissão do corretor.

     Com a nova legislação, os contratos de promessa de compra e venda possibilitam que o comprador possa perder até 70% do que pagou, sendo que isso até 2018 era tido como abuso. O lobby das construtoras é tão forte junto ao Congresso Nacional que ele conseguiu aprovar uma das leis mais desequilibradas do País, que afronta o Código de Defesa do Consumidor, pois quanto à construtora inexiste multa caso ela venha a arrepender. Ocorrendo o atraso da entrega da obra a construtora pagará apenas 1% ao mês sobre o valor pago, o que se mostra irrisório diante do fato de geralmente o comprador pagar em média 20% do valor do bem. Na maioria dos casos, o descumprimento por parte da construtora lhe acarretará benefício diante da ausência de punição que venha a lhe motivar o respeito ao prazo do contrato, cabendo ao comprador, mediante a consultoria jurídica antes de assinar qualquer documento, inserir as cláusulas que venham a proteger seus direitos.

     Ao atrasar a entrega do edifício, a construtora receberá a correção (CUB ou INCC) sobre os 80% do saldo a ser pago, sendo esse valor de correção muito maior do que a quantia recebida pelo comprador a título de indenização mensal pelo atraso. Conclui-se, assim, que poderá ser vantajoso para a construtora atrasar a entrega da obra.

     Diante desse desequilíbrio restará ao comprador entrar com outro processo. Isso porque, para o empresário que não honra o contrato, a multa é de 1%, e, para o comprador, parte mais frágil da relação, a penalidade é de até 70% sobre o valor pago!

     As construtoras contaram com a dificuldade dos políticos em fazer cálculos matemáticos e o desconhecimento destes sobre as regras do mercado imobiliário para conseguir aprovar uma lei que consagra o desequilíbrio, que permite condições injustas contra a população, que não tem condições de analisar as artimanhas contidas nas entrelinhas dos contratos de incorporação, as quais somente advogados especializados percebem.

     Ficamos estarrecidos com diversos seminários, congressos e palestras promovidos pelos construtores, inclusive nos auditórios dos Tribunais de Justiça do País, tendo como palestrantes seus próprios advogados e aqueles que tinham fracassado ao não conseguirem emplacar em abril de 2016 o “Pacto para o aperfeiçoamento das Relações Negociais entre Incorporadores e Consumidores”. Diante de várias aberrações jurídicas os “gênios do mal” elaboraram outra versão em março de 2017 com o nome “Termo de Compromisso Nacional para Adoção de Novas Práticas Contratuais entre Incorporadores e Consumidores”, que também foi rejeitado diante das afrontas à boa-fé contratual. Mas esses lobistas, seus advogados engenhosos junto aos políticos patrocinados pelas construtoras não desistiram, ou seja, investiram pesado até conseguirem criar a Lei nº 13.786/18.

     Aproveitando da falta de conhecimento da população sobre o tema, repetiram inverdades e com suas criativas assessorias de imprensa publicaram em várias matérias que foram os compradores que geraram insegurança no mercado, que na maioria eles são aventureiros que só queriam lucrar ao comprar várias unidades e que por isso deveriam ser punidos ao requererem a rescisão do contrato de compra e venda.

   A verdade foi distorcida com a repetição de mentiras e dados falsos, pois quem motivou a insegurança no mercado foram os rotineiros descumprimentos contratuais por parte das incorporadoras e construtoras. Qualquer profissional do mercado sabe que as milhares de ações que abarrotaram o Poder Judiciário foram motivadas pelos atrasos das obras, pelo lançamento de empreendimentos que estão com os terrenos vazios que pertencem a terceiros e, ainda pela postura abusiva do construtor se recusar a devolver o que recebeu dos compradores, sendo que muitos desviaram os recursos para outros negócios.

    Foram esses milhares de processos que motivaram o STJ a criar a Súmula 543, que garante ao consumidor a restituição imediata das parcelas pagas à construtora em caso de resolução do contrato. Porém, na nova lei, essa devolução pode demorar anos. E pior, nessa lei redigida pelos advogados das construtoras também não tem multa contra o construtor que descumpra o contrato e se recuse a devolver o crédito do comprador (após os longos prazos por ela concedidos), forçando-o a ir ao Judiciário. Portanto, para quem entende do mercado ficou evidente que os “autores” do projeto aprovado iludiram a população ao afirmarem que a nova lei reduziria os processos judiciais. Quem os provoca, na prática, conseguiu reduzir as punições que o Poder Judiciário lhe impunha por prejudicar os compradores que continuam a assinar os contratos sem compreender os riscos.

 

Este artigo foi publicado no Jornal Diário do Comércio.

 

Kênio de Souza Pereira

Vice-Presidente da Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB Federal

Conselheiro da CMI-MG e do SECOVI-MG

Membro do IBRADIM – Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário

kenio@keniopereiraadvogados.com.br