Garantia consiste em assumir o risco de o inquilino não pagar
Em decorrência da paralização de diversas atividades profissionais e estabelecimentos para evitar a propagação do Covid-19, vários inquilinos terão dificuldade de arcar com o pagamento do aluguel caso a situação de afastamento social se prolongue por meses. Nos casos em que o locador tem como garantia o seguro fiança de uma Cia. Seguradora ou a imobiliária tenha garantido o pagamento dos aluguéis, IPTU, quota de condomínio e os danos do imóvel, o proprietário poderá exigir dessas o pagamento dos valores que não forem quitados pelo inquilino, sem qualquer desconto.
O proprietário do imóvel, ao optar por contratar uma administradora para promover a locação, avaliou diversas propostas oferecidas pelas imobiliárias tradicionais ou pelas startups que focam num trabalho digital, na qual inexistem profissionais para renegociarem pessoalmente os aluguéis, sendo tudo realizado por e-mail ou pelo aplicativo. Certamente negociar à distância, sem ter pessoas especializadas para ponderar e contornar argumentos e posicionamentos quanto as variáveis que afetarão os valores e o risco de inadimplência, será um enorme desafio para os locadores que acreditaram na assistência prometida pelas imobiliárias digitais. A pandemia mostrará a diferença, o equívoco daqueles que pensam que administrar locação consiste em apenas encontrar um inquilino e colocá-lo no apartamento sem fiadores, caução ou seguro fiança.
RESOLVER CONFLITOS NUMA LOCAÇÃO SEMPRE FOI COMPLICADO
A experiência decorrente de décadas no mercado sempre indicou que a locação no Brasil é de alto risco e imprevisível, basta vermos que somente na 31ª Vara de Locação em Belo Horizonte havia, em 2019, mais de 11.000 processos, sendo a maioria de despejo por falta de pagamento. Há ainda a questão do alto custo e a morosidade dos processos judiciais, razão que motiva as imobiliárias tradicionais serem mais criteriosas a aprovação das garantias.
Apesar das inovações, das startups que “vendem a ideia” de que tudo é automático, que a tecnologia elimina os problemas, locar imóveis continuará sendo uma transação complexa, que robôs são incapazes de resolver, especialmente em momentos de negociação de divergências. Por essa razão, os locadores experientes escolhem criteriosamente a imobiliária administrará seu bem, sendo que mais de 90% delas oferece como garantia os fiadores e o seguro fiança, além da honradez e da seriedade de seu diretor, que estimula o proprietário a lhe entregar seu imóvel para promover a locação.
DEVER DE HONRAR COMPROMETIMENTO DE GARANTIR O PAGAMENTO
Como norma de mercado, as imobiliárias, por não terem patrimônio e nem reserva financeira como uma Cia. Seguradora, não garantem os aluguéis e encargos, mas atuam com empenho para evitar e combater a inadimplência.
Entretanto, as imobiliárias e startups que optaram por conquistar os locadores mediante o oferecimento de garantirem todas as obrigações do inquilino, com base nos art. 30 do Código de Defesa do Consumidor e nos artigos 422, 458 e 818, dentre outros do Código Civil, têm o dever de pagar pontualmente os valores que deixarem de ser quitados pelos inquilinos, mesmo no caso da pandemia. Inclusive, as Cias. Seguradoras esclareceram que não existe cláusula de exclusão do dever de pagar os locadores que optaram pelo Seguro de Fiança Locatícia, sendo, portanto, sensata a aplicação da mesma regra às imobiliárias digitais que assumiram garantia o locador contra a inadimplência, fato esse que levou a maioria dos locadores a deixarem de exigir fiadores dos inquilinos.
Essas empresas não podem alegar a Teoria da Imprevisão, pois esse tipo de contrato é aleatório, ou seja, o risco é a sua base e ocorrendo a impontualidade, seja qual for o motivo, cabe ao garantidor pagar a dívida, pois recebeu a comissão para cobrir tais problemas.
O diretor da Alper Seguros, responsável pelos produtos para mercado de locações imobiliárias, Paulo Brum, que tem atuação nacional, esclarece que “os locadores podem ficar tranquilos quanto ao recebimento dos aluguéis e encargos da locação, pois serão quitados de imediato pela Cia. Seguradora, logo após a abertura do sinistro, no decorrer do processo de despejo, mesmo no decorrer da suspensão das atividades decorrentes do coronavírus”. Portanto, se as imobiliárias assumiram garantir a impontualidade, gerando a sensação de segurança para o locador fazer a locação, devem assumir os ônus da mesma maneira que as Seguradoras. Paulo Brum, afirma que “quanto ao seguro fiança em absoluto não há nenhum respaldo legal ou exclusão que preveja negativa de cobertura por conta da pandemia”.
Dessa forma, são duas formas bem diferentes de promover a locação, sendo que as imobiliárias tradicionais, que consistem na maioria, oferecem a garantia dos fiadores, do seguro fiança, dos títulos de capitalização ou da caução quando a inadimplência dos inquilinos. Já os locadores das imobiliárias que assumiram a garantia, inclusive daquelas que dispensaram os fiadores, esperam que essas cumpram integralmente o compromisso em respeito à boa-fé e probidade.
Esse artigo foi publicado no Jornal O Tempo.
Kênio de Souza Pereira
Advogado – Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG
Vice-presidente da Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB Federal