Convenção mal elaborada estimula polêmicas nos edifícios mistos
Nos edifícios mistos, compostos por salas ou apartamentos na torre e, no térreo, ocupada por lojas, constata-se vários conflitos entre os seus ocupantes, que são agravados pela má redação da convenção e por desconhecimento das leis. É comum ocorrerem atritos que perduram por décadas pelo fato de os coproprietários deixarem de aprofundarem nas questões legais e técnicas que podem esclarecer qual o direito de cada um. Tem cada condômino uma visão incompleta da documentação e da lei consta-se a repetição de discussões cansativas nas assembleias gerais ficando as dúvidas sem solução.
Muitos problemas podem ser resolvidos com a atualização da convenção de condomínio de forma profissional, evitando assim processos judiciais que discutem a forma de rateio das despesas, o uso do recuo e a participação nas obras de reforma, dentre outros casos que geram desgastes e a desvalorização das unidades. É mais econômico contratar advogado para elaborar um parecer jurídico e atualizar a convenção do que pagar dois advogados (um do autor e outro do réu), peritos e custas judiciais nos processos que são movidos pelo desconhecimento das normas legais, o que unicamente leva a polêmicas improdutivas.
UTILIZAÇÃO DO RECUO FRONTAL
O uso do recuo frontal por restaurante, bar, agência de automóveis ou outra atividade, em alguns casos, gera transtornos para os moradores dos apartamentos que têm dificuldade de acessar a portaria por causa das mesas, cadeiras e demais objetos que atrapalham a passagem. A loja tem direito de utilizar esse espaço somente se a convenção permitir, caso contrário, poderá o síndico impedir por não ser área privativa. O uso exclusivo de uma área comum, a qual não se confunde com o passeio/calçada, somente é possível mediante prévia estipulação na convenção ou autorização da assembleia. Não tem o município, por meio de sua secretaria especializada, o poder de interferir na administração do condomínio em relação ao uso da área que pertence aos condôminos, pois as posturas municipais, nesse caso, não prevalecem sobre a convenção que se baseia no Código Civil.
Porém, a inércia do condomínio em permitir o uso do recuo por muitos anos, conforme o caso, poderá gerar um fator de defesa da loja em manter essa utilização.
RATEIO DE DESPESA DESEQUILIRADO PREJUDICA LOJAS
Quanto às despesas do condomínio, caso a loja tenha entrada independente, hidrômetro e medidor de energia separados, consiste numa anomalia ela pagar a quota de condomínio pela fração ideal. É ilegal cobrar do lojista por despesas que não lhe beneficiam, como, por exemplo, porteiros, faxina interna do edifício e das áreas de lazer, elevadores, etc. A cobrança abusiva da quota de condomínio gera a desvalorização da loja e reduz o valor de venda e locação, podendo seu proprietário ou inquilino questionar judicialmente a forma de rateio caso fique evidente o enriquecimento sem causa dos coproprietários dos apartamentos ou salas.
Por fazer parte da edificação cabe a loja pagar pelas despesas de reforma da fachada, do passeio, do telhado, pois essas partes são comuns de toda a edificação, bem como o seguro contra incêndio, sendo importante analisar caso a caso para que o rateio seja equilibrado e justo.
DIREITO DA LOJA COLOCAR PLACA
O síndico não pode impedir que o proprietário da loja coloque placa de anúncio de sua atividade na parte frontal da mesma com a alegação de que a convenção do edifício misto (apartamentos/salas com lojas no térreo) não prevê esse direito. É da essência da loja o direito de viabilizar sua atividade e, para isso, necessita instalar placas e adaptar sua entrada de forma a chamar a atenção para seu ramo de negócio. Em prédio misto, a fachada tem finalidades distintas, o que é bem diferente quando o edifício é apenas residencial.
Por outro lado, não pode o lojista cometer atos que desvalorizem a fachada, devendo ter senso estético e bom senso para instalar sua placa, bem como aparelhos de ar-condicionado, de maneira a não depreciar o visual. O abuso caracterizado por aquele que colocar uma enorme placa, que troca as portas de maneira a prejudicar o projeto arquitetônico e que coloca mercadorias na parte externa da loja, pode ser impedido pelo condomínio.
CONVENÇÃO ATUALIZADA PARA SER A SOLUÇÃO
Para que seja realizado um rateio justo, de maneira que a loja pague somente o que realmente consome, seu proprietário pode promover um processo judicial para anular a cobrança pela fração ideal, caso não resolva a questão de forma administrativa. A condução da pretensão de alterar o rateio é complicada, sendo comum ocorrer atritos quando os procedimentos são realizados de maneira amadora, sendo prudente o caso ser conduzido por um advogado especializado desde do início.
A convenção pode impedir determinadas atividades na loja de forma a evitar a desvalorização do prédio. Realmente, muitas pessoas evitariam morar num local onde funcionasse no térreo uma delegacia, funerária, sacolão, escola infantil e outros tipos de negócios que geram barulho e aglomeração.
Inúmeros são os condomínios que melhoraram a convivência ao promoverem com técnica jurídica a revisão da convenção que pode ser efetivada com a aprovação de 2/3 dos condôminos. É comum o construtor não investir na elaboração de uma convenção primorosa, pois é notório que as pessoas compram as unidades sem avaliarem o teor da mesma. O problema é que ao deixarem de revisar e atualizar convenção podem vir a ter surpresas por ela ser omissa e assim permitir a instalação de uma funerária com lindos caixões na vitrine, uma escola que tumultue a portaria ou um sacolão que gera detritos. Nesses casos e em outros, depois que o problema surge não haverá como reclamar, já que a convenção deixou de estabelecer normas que poderiam evitar a desvalorização das unidades.
Kênio de Souza Pereira
Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG
Vice-presidente da Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB Federal
Diretor da Caixa Imobiliária Netimóveis
Conselheiro do Secovi-MG e da Câmara do Mercado Imobiliário de MG
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