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ATRASO NA OBRA OU DA DOCUMENTAÇÃO TEM DADO LUCRO PARA CONSTRUTORA

O cenário econômico tem apresentado grande variação entre os índices que medem a inflação, tendo o IGP e o IGP-M/FGV subido em média 129% a mais que a média da soma do INCC e do CUB/MG, nos últimos doze meses (jul/19 a jun/20). As construtoras que vendem unidades na planta mediante contratos elaborados com habilidade, têm obtido lucros generosos diante da falta de interesse da população em compreender a matemática financeira e as diversas leis aplicáveis numa transação imobiliária.                       

Diante disso, constatam-se diversos casos de compradores que deixam o saldo final de, por exemplo, R$500 mil para quitar após a conclusão do empreendimento, muitas vezes por meio de financiamento com um agente financeiro, sendo onerado além do valor correto em mais R$60 mil, por meio de aplicação maliciosa de índice de correção e de juros. Pelo fato de termos uma difícil terminologia técnica aplicada ao setor de construção e procedimentos jurídicos nas incorporações complicados e específicos, são incluídas cláusulas nos contratos de promessa de compra e venda que criam verdadeiras armadilhas financeiras para os compradores. Em inúmeros casos o comprador teria deixado de fazer o negócio com determinada condição se tivesse previamente consultado um advogado especializado em Direito Imobiliário, pois este o orientaria a alterar algumas cláusulas do contrato para que os riscos fossem eliminados, o equilíbrio estabelecido ou que procurasse outro negócio melhor para evitar problemas inimagináveis para aqueles que não têm experiência.

 

PANDEMIA TEM DIFICULTADO A LIBERAÇÃO DE ALGUNS DOCUMENTOS                       

Com a pandemia que tem dificultado os trabalhos das Secretarias Municipais de Belo Horizonte de Regulação Urbana, do Meio Ambiente, dentre outras, a falta de entendimento do que seja Habite-se (chamado atualmente de Baixa de Construção), o desconhecimento das regras dos financiamentos e das questões cartoriais, há construtoras faturando milhões de reais a mais, apenas com a manipulação de cláusulas e índices sobre os saldos devedores dos compradores. Basta vermos num edifício com 50 apartamentos, caso seja cobrado a mais R$30 mil sobre o saldo final, o lucro será de R$1.500.000,00. Diante de valores tão expressivos dificilmente o comprador tem eliminado a cobrança em excesso com um simples pedido. Por não dominar as questões técnicas acaba sendo ignorado pelo construtor utiliza de sua boa assessoria para pressionar e desunir os compradores que acabam tomando atitudes erradas e assinando o que não deve.

DIFICULDADE DE ENTENDER OS CÁLCULOS E REGRAS DO CONTRATO           

O que estimula onerar de maneira exagerada os compradores é a complexidade para se conferir as contas. Por falta de informação, a grande maioria nem imagina que poderia ter pagado bem menos no momento de quitar a dívida, inclusive o ITBI e as despesas com os cartórios de notas e de registro. Essas três despesas são calculadas sobre o preço total pago pela unidade.                         

As pessoas não têm tempo ou paciência para acompanhar a “dança dos índices”, que a cada momento apresenta uma novidade. Entretanto, aqueles que são preparados, jogam com os índices e as cláusulas para lucrar acima do justo. Nos últimos 12 meses o INCC acumulou alta de 1,78% e o CUB 3,68%, ambos utilizados para corrigir os valores dos contratos de unidades na planta, pois refletem a variação dos preços dos materiais de construção e mão de obra do setor, mas quando o construtor passa a cobrar a correção da dívida pelo IGP o saldo sobe 7,84% ou pelo IGP-M/FGV, 7,31% ao ano. Resulta num ganho a mais para a construtora de até 6% ao ano levando em conta apenas a correção monetária, podendo chega a 20%, se forem aplicados juros de 1% ao mês. Assim, um saldo de R$400 mil, sobre para R$480 mil facilmente, sendo que os imóveis não valorizam nem a metade desses 20%.

LEI DOS DISTRATOS FAVORECE CONSTRUTORA E PREJUDIDA COMPRADOR                       

A nova Lei dos Distratos, nº13.786, de 27/12/18, elaborada pelo lobby das incorporadoras e construtoras, alterou dispositivos legais e súmulas do STJ que protegiam os compradores ao anularem ou punirem os abusos praticados pelas construtoras.                         

A partir de 2019, comprar unidades na planta passou a exigir mais cuidados diante das cláusulas mais pesadas contra os compradores, que em alguns casos afrontam até as Súmulas do STJ. Portanto, restabelecer no contrato as cláusulas do protejam os compradores tornou-se tarefa desafiadora, especialmente nos casos de penalidades mínimas que são estabelecidas às construtoras como se fossem a parte frágil do negócio.          

Agir com ingenuidade e dispensar consultoria jurídica tem saído muito caro para os compradores. O desequilíbrio do conhecimento entre a construtora e os compradores tem gerado grandes vantagens para quem tem crédito a receber. O atraso na entrega da obra ou dos documentos necessários para obter o financiamento tem sido um bom negócio para alguns construtores, pois com a Taxa Selic fixada em 2,25%, fará os CDBs e Fundos de Investimentos renderem menos de 2% ao ano. Por outro lado, só a variação de junho/20 do IGP/FGV foi de 1,56%, enquanto o CUB fechou em 0,33% e o INCC 0,34%. Não é simples, mas é imprescindível compreender que haverá casos de construtora ter seu saldo remunerado pelo comprador em percentual muito superior ao que rende qualquer aplicação financeira.

 

Esse artigo foi publicado no jornal O Tempo

 

Kênio de Souza Pereira

Advogado e Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG

kenio@keniopereiraadvogados.com.br