Construtora lucra e se protege ao impor Administradora que a defende
Muitos condomínios têm perdido o direito de exigir a reparação ou a indenização dos vícios de construção, pois diante da protelação da construtora em realizar as obras para consertar defeitos graves (infiltrações, desplacamento de cerâmicas ou mármores das fachadas, trincas nas paredes e pisos, janelas e portas empenadas, etc), acabam deixando de tomar diversas medidas jurídicas essenciais para evitar que o edifício e os apartamentos, salas ou lojas sejam desvalorizadas. As construtoras são habilidosas, pois dominam as questões técnicas, sabem onde erraram e os problemas ocultos/estruturais que podem se agravar. Contando com uma boa assessoria jurídica traçam estratégias para evitarem elevadas despesas com a reparação dos defeitos que atingem dezenas ou centenas de unidades, além das áreas comuns.
A maioria das construtoras se empenha em fazer reparos paliativos, uma “maquiagem” para iludir os síndicos e demais condôminos e, assim deixam de realizar a reparação adequada em decorrência dos altos valores, pois há erros na instalação do revestimento das fachadas, na parte hidráulica ou elétrica que exigem obras de grande dimensão.
Contrato elaborada para inibir a cobrança dos reparos dos defeitos
Algumas construtoras criaram mecanismos para dificultar que o consumidor venha a exigir seus direitos, como o Manual do Proprietário que contêm normas que exigem um plano de manutenção absurdo, impossível de ser cumprido, com redução dos prazos de garantia, o que é ilegal. Entretanto, o condomínio, por agir de maneira amadora e sem um advogado especializado para orienta-lo, acaba aceitando assumir uma reparação de defeitos que caberia à construtora realizar.
Um outro procedimento que prejudica os compradores é a aceitação da cláusula contratual que estipula o direito da construtora escolher a empresa que administrará o condomínio após a entrega do edifício aos condôminos. Essa cláusula é abusiva e ilegal, pois visa viabilizar diversos prejuízos, já que a empresa indicada é parceira da construtora e, portanto, atende especialmente aos interesses desta última que lhe “arrumou o trabalho”.
O direito de escolher o síndico ou administradora pertence aos condôminos e não à construtora, pois esta não é mais proprietária a partir do momento que entrega as unidades aos seus clientes. Não devem os compradores aceitar as manobras da construtora que pratica abuso de direito ao se utilizar da maioria dos votos para impor situações de prejuízo aos compradores, podendo qualquer um acionar a Justiça para combater tal procedimento.
Indicação pode gerar prejuízos
Os condôminos confiam que o gestor defenderá seus interesses no condomínio. Assim, ao constatarem vícios de construção no apartamento ou no prédio, agem de forma ingênua e, visando não perder tempo, solicitam ao síndico, e este à Administradora, para ver o que deve ser feito. Estranhamente, a Administradora, em conluio com a construtora, nada faz para que ocorra a prescrição ou induz os proprietários a pensar que os defeitos devem ser pagos pelo condomínio. O correto seria a administradora orientar o síndico e os condôminos contratarem um advogado, pois consiste ilegalidade o administrador agir como se fosse advogado ou prestar serviços jurídicos pois sua atuação legal se limita as questões administrativas e contábeis.
Vários são os relatos sobre administradoras que sabotam o condomínio ao desestimular e retardar o ajuizamento de processo judicial de reparação de danos contra a construtora, outras promovem a desunião, existindo até a manipulação da ata de assembleia e a sugestão de soluções paliativas para beneficiar o construtor.
Cobranças indevidas
Alguns moradores são surpreendidos com a cobrança, por parte da Administradora de condomínio, de uma taxa referente à obtenção de CND do INSS, o que é errado, já que tal despesa cabe ao incorporador/construtor, o que demonstra clara intenção de favorecer quem a indicou.
Não raro, é a Administradora (parceira da construtora) cobrar do promissário comprador a taxa de condomínio do apartamento que está na posse da construtora, a qual ainda faz obras para torná-lo habitável ou que deixou de entregar as chaves por motivos inconfessáveis, como ocorre para forçar o pagamento de acréscimos indevidos (juros e correção pelo IGP-M) sobre o saldo devedor.
Há casos de administradora cobrar apenas 30% do valor normal da quota de condomínio dos apartamentos que ainda pertencem à construtora, cumprindo sua orientação com base na norma que essa inseriu na convenção, o que é ilegal. Isso lesa os compradores, pois acabam pagando cota parte que caberia à construtora. O STJ pacificou o entendimento de que a construtora, bem como o loteador no caso de condomínio fechado, têm o dever de pagar o mesmo valor de quota que é paga por quem comprou a unidade.
Apesar de advogar na área imobiliária há mais de 30 anos, a cada dia me surpreendo com a criatividade de empresários que arranjam um “jeitinho” de lesar os clientes por meio de cláusulas abusivas nos contratos. Infelizmente, essas artimanhas continuam a funcionar em razão dos compradores não se unirem para lutar por seus direitos. Escolhem o advogado e o perito engenheiro não pela competência e habilidade, mas sim por ser mais barato, e assim, consolidam o prejuízo de elevado valor, diante da falta de união e profissionalismo.
Esse artigo foi publicado no Jornal do Síndico.
Kênio de Souza Pereira
Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG
Vice-presidente da Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB Federal
Diretor da Caixa Imobiliária Netimóveis
Conselheiro do Secovi-MG e da Câmara do Mercado Imobiliário de MG
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