Nos condomínios, é comum os moradores planejarem algumas reformas ou construções que ampliam a área construída do edifício e que agregam valor às suas unidades, tais como, a criação de salão de festas, espaço gourmet, academia, bicicletário ou ampliação de garagem e lajes para cobrir as vagas. Entretanto, mesmo que a grande maioria aprove a nova obra, essa poderá ser impedida se vier a prejudicar qualquer apartamento, pois seu proprietário não é obrigado a sofrer incômodo ou ter sua moradia desvalorizada em função de uma inovação que não foi prevista no projeto original do edifício.
As melhorias são mais fáceis de serem realizadas quando temos uma casa, com terreno que permita inovações sem afetar os vizinhos e as leis que regulamentam as construções. Ocorre que, ao falarmos em obras ou ampliação da área construída do condomínio, deve-se levar em conta o fato de que elas podem ser prejudiciais a um ou mais proprietários dos apartamentos.
QUEM ESCOLHE MORAR NUM EDIFÍCIO CONTA QUE ESTE SERÁ PRESERVADO
As pessoas têm total liberdade de escolherem o apartamento, sala ou loja que irão adquirir, sendo óbvio que ao analisarem a edificação, contam com a certeza de que essa não sofrerá modificações que venham a prejudicar sua unidade. Ao optarem pela compra da unidade foi levado em conta sua situação, sua privacidade, luminosidade, ventilação, segurança, acessibilidade, posição de alguns equipamentos, distância dos locais que geram ruídos ou movimentação e demais pontos que são determinantes para motivar ou desmotivar a conclusão do negócio. Por isso, a Lei nº 4.591/64 que regulamenta a comercialização de unidades na planta nos condomínios estipula que qualquer mudança do projeto aprovado, após a venda, só poderá ocorrer se houver a aprovação unânime dos coproprietários, pois esses têm o direito de não se sujeitar a surpresas, a mudanças que se existissem antes, ou seja, se já fizessem parte do projeto, os levariam a não comprar o apartamento, sala ou loja.
INOVAR É POSSÍVEL, DESDE QUE NÃO PREJUDIQUE
O legislador ao regulamentar as unidades que fazem parte de condomínios procurou proteger os compradores que ali resolveram investir, que entenderam que o edifício corresponde ao que buscavam, e assim, não podem ter sua unidade prejudicada por uma nova obra, mesmo que essa beneficie a maioria dos vizinhos. Qualquer proprietário que posteriormente mude de ideia, tem pleno direito de comprar outro imóvel que supra suas novas pretensões, caso o atual não atenda suas necessidades.
Para citar como exemplo, imaginemos a aprovação da construção de uma laje para ampliar vagas de garagem que pode causar redução da luminosidade e da ventilação do apartamento confrontante, tornando-o mais frio ao reduzir a incidência solar. Há caso de toldo, telhado ou laje que poderá surpreender e desvalorizar a família que reside no apartamento do 1º andar, pois caso construído, ficará próximo das janelas desse apartamento, favorecendo o mal cheiro ou aspecto visual ruim com o lixo que cai dos apartamentos dos andares superiores, criando um ambiente propício a insetos, e, ainda, insegurança da unidade que poderá ser acessada por ladrão em razão da laje construída.
LEI IMPEDE ARBITRARIEDADE DA MAIORIA
O Código Civil em seu art. 1.342 prevê que o quórum de votação deste tipo de obra no condomínio é de 2/3, sendo vedadas construções que depreciem ou desvalorizem a propriedade de qualquer condômino: “A realização de obras, em partes comuns, em acréscimo às já existentes, a fim de lhes facilitar ou aumentar a utilização, depende da aprovação de dois terços dos votos dos condôminos, não sendo permitidas construções, nas partes comuns, suscetíveis de prejudicar a utilização, por qualquer dos condôminos, das partes próprias, ou comuns”.
Há uma clara limitação legal ao direito de construir numa edificação coletiva. Mesmo que 99% do condomínio aprove a nova construção e o proprietário tenha sua unidade realmente prejudicada ou depreciada, a lei o autoriza impedir a sua realização.
Não se admite a falta de respeito, mas em alguns casos o síndico (apoiado por um grupo que se beneficia) consegue realizar a obra ilegal pelo fato do proprietário prejudicado não saber se defender, pois este pecou por deixar de contratar um advogado especializado capaz de enfrentar dezenas de moradores que não se importam em causar danos.
A utilização de manobras para impor a construção abusiva não se sobrepõe ao direito de quem comprou um apartamento com a certeza de que esse não seria prejudicado pela falta de consideração dos vizinhos. A lei não autoriza a ditadura da maioria, pois em primeiro lugar protege o direito de propriedade e a sua função social, além da boa-fé.
Belo Horizonte 19 de abril de 2021
Esse artigo foi publicado no Jornal Hoje em Dia
Kênio de Souza Pereira
Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB/MG
Vice-presidente da Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB Federal
Conselheiro da Câmara de Mercado Imobiliário de MG e do SECOVI-MG
Membro do IBRADIM – Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário