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COMPRAR E PERMUTAR IMÓVEL NA PLANTA EXIGE CUIDADOS  

 

 PREJUÍZOS SERIAM EVITADOS COM ASSESSORIA JURÍDICA PRÉVIA

     Há quase seis décadas a venda de imóveis na planta ou em construção, que é denominada incorporação, passou a ser regulamentada pela Lei 4.591/64, que prevê no art. 28: “considera-se incorporação imobiliária, a atividade exercida com o intuito de promover e realizar uma construção, para alienação total ou parcial de edificações, ou conjunto de edificações compostas de unidades autônomas”. Desta forma, é possível se vender uma unidade (apartamento, sala, loja) que não existe ainda, com base na fração ideal do terreno, sendo esse negócio um dos mais complexos na legislação brasileira.

      A base desse tipo de transação é a confiança, sendo comum os compradores agirem de forma ingênua, pois assinam contratos de difícil compreensão sem a necessária assessoria jurídica e técnica que poderia equilibrar o contrato ou até alertar sobre os riscos inaceitáveis. Vários são os empreendimentos que o incorporador ou a construtora elaboram contratos irregulares, que até profissionais têm dificuldade de desvendar, que afastam os diversos mecanismos previstos na Lei 4.591/64 e no Código de Defesa do Consumidor (CDC) que protegem os adquirentes.

 Comissão de Representantes deveria contratar profissionais

     É obrigatório em qualquer tipo de venda na planta, seja a preço fechado ou por administração (preço de custo), que a construtora convoque a assembleia para instalar a Comissão de Representantes composta por pelo menos três adquirentes. Tendo em vista que deve fiscalizar a construtora e a incorporadora no sentido de cumprir os prazos, executar os projetos como aprovados e analisar os documentos que são complexos, é fundamental que essa Comissão tenha recursos financeiros para pagar a assessoria de um advogado especializado na área imobiliária, um engenheiro perito e um contador. Mas lamentavelmente, vemos que esse procedimento é negligenciado e assim o construtor faz o que bem entende por não ter qualquer fiscalização que a lei determinou justamente para evitar os prejuízos que atingem elevadas quantias.

      A lei determina que somente depois de depositado vários documentos no Ofício de Registro de Imóveis poderá a construtora vender as unidades, sob pena de ser cometido ilícito penal. Para o comprador ter maior segurança deve averbar o contrato de promessa de compra e venda na matrícula da incorporação, pois assim evitará a venda em duplicidade ou a hipoteca irregular da sua unidade perante uma instituição financeira.

 Sociedade em Conta de Participação (SCP) aumenta o risco do comprador

     Em alguns casos, o incorporador ou construtora procura transferir os riscos para os compradores por meio da criação de um Contrato por Conta de Participação para burlar as duas leis (nº 4.591/64 e CDC) que protegem os compradores. Dessa forma, distorcem o fato de os compradores desejarem apenas uma moradia e os coloca como se fossem empreendedores em busca de lucro por meio de uma construção.

     Diante disso, muitos compradores que dispensam uma consultoria jurídica prévia assinam um contrato levados a erro, pois desconhecem que uma Sociedade em Conta de Participação (SCP) consiste numa estrutura pela qual duas ou mais pessoas se unem visando um fim específico. Assim, na SCP uma pessoa fornece recursos à outra para que esta os utilize em determinado projeto ou empreendimento visando auferir resultados a serem compartilhados.

     A Sociedade em Conta de Participação tem como características a informalidade, discrição, baixo custo operacional, entre outras, sendo atraente por não exigir burocracia. Seu contrato é utilizado como instrumento para investidores, pois mantém este (vendedor que evita o risco de ser incorporador/construtor) livre dos riscos dos prejuízos da transação, ou seja, ele não tem as responsabilidades decorrentes do negócio/administração e possibilita a distribuição de lucros. Dessa forma, é importante conhecer essa modalidade de sociedade que é utilizada de forma maliciosa na venda de unidades na planta.

     Uma SCP é totalmente diferente de um Contrato de Incorporação de Unidade em Construção, pois na Lei 4.591/64 há diversas formalidades, exigências de publicidade, complexidade e dispositivos que responsabilizam o incorporador e o construtor, como a previsão de prazo para concluir a obra no preço ajustado, a multa e aplicação de punição em âmbito penal no caso ocorrência de atos ilícitos.  

 Preço fechado x obra por administração

     É importante o comprador de uma unidade em construção entender o que é preço fechado e o que é obra por administração. Na compra de um apartamento de três quartos por preço fechado, por exemplo, no valor de R$900 mil, esse será pago (à vista ou parcelado com correção pelo índice do contrato) e, consequentemente estará quitado, independentemente do custo da obra.

     Na obra por administração a unidade será vendida pelo preço de custo, sendo que o construtor/incorporador recebe um percentual de 10% a 17% sobre tudo que for gasto (material, mão de obra, etc.), a título de remuneração. Nesse caso, o projeto é elaborado e orçado e os compradores vão pagando as parcelas referentes às suas unidades de acordo com o andamento da obra. Um apartamento cujo valor de mercado é R$900 mil a preço fechado, dificilmente custará apenas R$450 mil em uma obra por administração, pois seria irreal. Nenhuma construção gera lucro líquido de cem por cento, mas certamente, quem compra a preço de custo patrocina a obra e, por isso, tem que pagar menos do que aquele que adquire a preço fechado.

 Consumidor é iludido por não dominar os cálculos

     Muitas construtoras têm ignorado a lei e promovido a comercialização de unidades, por administração, sem qualquer critério. Há casos que caracterizam verdadeiros golpes nos adquirentes de boa-fé. O incorporador, nas construções por administração, fecha a venda por um valor muito abaixo do custo real, com o objetivo de seduzir e iludir o comprador. Nessa hora, deveria o comprador desconfiar do oferecimento de um apartamento num valor bem abaixo do preço praticado pelas várias construtoras de renome no mercado.

     Há documentos que protegem o comprador desse tipo de golpe, bastando consultar um advogado especializado para conferir a NBR, pois o preço prometido deve ser cumprido pelo construtor, podendo subir apenas com base na variação do CUB ou do INCC.

     Inúmeros são os casos que os compradores são lesados por não entenderem as regras do mercado e as leis que os protegem. Assim, passam a ser vítimas do construtor que os induziu a erro mediante o oferecimento de um negócio vantajoso. Depois que o comprador assina o contrato e passa a pagar as parcelas, há construtora que passa a aumentá-las assustadoramente. Isso ocorre porque o custo inicial apresentado era irreal e teve que ser posteriormente majorado para cobrir o custo real da unidade.

     Em muitos casos, a unidade acaba custando 50% a mais que o preço fechado de R$900 mil, ou seja, R$1.350.000,00, quando se esperava o valor R$700 mil a preço de custo. O construtor, nesse caso, não tem nenhum prejuízo, pois seu ganho consiste num percentual (10 a 17%) sobre tudo que é gasto na obra e quanto mais onerosa, maior seu lucro.

 Dono do terreno e o risco da permuta

     Muitas vezes até o proprietário do terreno é iludido, já que a incorporação é realizada sem o obrigatório registro no Ofício de Registro de Imóveis. O incorporador promete uma permuta para o dono do terreno em troca de uma ou mais unidades.  O terreno é avaliado por um valor acima da realidade, para estimular o seu proprietário a entregá-lo para incorporação. Só que, por ser leigo, desconhece que a incorporação é promovida de forma ilegal e que a lei o torna corresponsável pela venda das unidades a terceiros.

     Dessa forma, os compradores, quando lesados, acabam entrando com o processo judicial contra a construtora e o proprietário do terreno, que também vira réu por ser responsável solidário pelas obrigações assumidas pelo vendedor/incorporador. A lei determina que o proprietário do terreno pode figurar como o principal responsável pela obra incorporada.

Prestação de contas é direito do comprador

     A prestação de contas pelo incorporador e a fiscalização da obra é um direito do proprietário do terreno e de todos os compradores, que devem formar uma Comissão de Representantes, a qual deve ser devidamente assessorada por especialistas, pois ao agir de maneira amadora se mostra ineficaz. O construtor tem a obrigação de prestar contas à Comissão de Representantes a cada seis meses, mas isso, na maioria das vezes, não acontece por desinteresse dos compradores que, assim, favorecem o surgimento de problemas.

 Pesquisar a origem da empresa e a documentação

     Para participar de uma incorporação é necessário verificar diversos documentos e experiência jurídica para evitar riscos. Há casos de construtoras famosas que quebraram e voltaram ao mercado por meio da abertura de nova empresa, utilizando os nomes dos filhos dos antigos sócios. Essas empresas não só voltam ao mercado, como aplicam novos golpes, lesando o comprador que, movido pelo sonho de adquirir o imóvel de sua vida, não se preocupa em buscar uma assessoria especializada para orientar na elaboração do contrato que oferecerá segurança e lucro.

  

Belo Horizonte, julho de 2021.

Kênio de Souza Pereira

Vice-presidente da Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB Federal
Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG
Conselheiro da Câmara do Mercado Imobiliário de MG e do Secovi-MG
Diretor da Caixa Imobiliária Netimóveis BH/MG
kenio@keniopereiraadvogados.com.br