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VENDA INSEGURA DE IMÓVEL NA PLANTA FERE A LEI

BURLAR A LEI DE INCORPORAÇÃO E A SCP PREJUDICAM OS COMPRADORES E O DONO DO TERRENO

     A Lei nº 4.591/64 exige que a construtora registre a incorporação no Ofício de Registro de Imóveis antes de iniciar a venda das unidades que serão construídas e estabelece vários procedimentos para proteger os compradores. Entretanto, diante da boa-fé das pessoas que confiam nas promessas de engenheiros ou empresários que procuram faturar com a construção de edifícios, tem surgido um tipo de negócio arriscado, que, na prática, configura uma burla à Lei nº 4.591/64, pois retira as garantias dos compradores ao eliminar várias obrigações e procedimentos previstos nessa Lei que regulamenta as incorporações.

     Essa novidade tem sido chamada de “construção entre amigos”, apesar da maioria dos compradores ou participantes nunca terem se visto antes. O mentor vende as frações ideais do terreno se apresentando como gestor/administrador, pois se recusa assumir que é incorporador para deixar de arcar com responsabilidades e prestar contas de maneira detalhada. Há caso desse gestor criar uma Sociedade em Conta de Participação (SCP) que acaba aumentando o risco dos compradores por deixarem de ter a proteção do Código de Defesa do Consumidor e da Lei nº 4.591/64.

 SEJA QUAL FOR O NOME DADO AO NEGÓCIO, NA PRÁTICA É UMA INCORPORAÇÃO

     Um empreendimento imobiliário, na maioria das vezes, envolve valores que superam R$10 milhões, sendo mais seguro comprar um apartamento pronto. Todavia, diante da expectativa de auferir lucro com a valorização do bem após ser entregue e com a maior facilidade de pagamento, milhares de pessoas optam pela compra na planta.

     A população em geral ignora que a pessoa que procura um dono de terreno, anuncia a venda de frações ideais, contrata um engenheiro/construtora e organiza uma construção que envolve vários investidores/compradores pratica atos de incorporação. Mas, para evitar cumprir diversas obrigações legais, este “organizador, gestor ou administrador”, é na verdade um incorporador. Basta lermos a Lei nº4.591/64:

 

Art. 28. As incorporações imobiliárias, em todo o território nacional, reger-se-ão pela presente Lei.

Parágrafo único. Para efeito desta Lei, considera-se incorporação imobiliária a atividade exercida com o intuito de promover e realizar a construção, para alienação total ou parcial, de edificações ou conjunto de edificações compostas de unidades autônomas, (VETADO).

Art. 29. Considera-se incorporador a pessoa física ou jurídica, comerciante ou não, que embora não efetuando a construção, compromisse ou efetive a venda de frações ideais de terreno objetivando a vinculação de tais frações a unidades autônomas, (VETADO) em edificações a serem construídas ou em construção sob regime condominial, ou que meramente aceite propostas para efetivação de tais transações, coordenando e levando a termo a incorporação e responsabilizando-se, conforme o caso, pela entrega, a certo prazo, preço e determinadas condições, das obras concluídas.

Parágrafo único. Presume-se a vinculação entre a alienação das frações do terreno e o negócio de construção, se, ao ser contratada a venda, ou promessa de venda ou de cessão das frações de terreno, já houver sido aprovado e estiver em vigor, ou pender de aprovação de autoridade administrativa, o respectivo projeto de construção, respondendo o alienante como incorporador.

Art. 30. Estende-se a condição de incorporador aos proprietários e titulares de direitos aquisitivos que contratem a construção de edifícios que se destinem a constituição em condomínio, sempre que iniciarem as alienações antes da conclusão das obras.

 

     Numa SCP todos os participantes assumem riscos que são inimagináveis para quem pretende apenas comprar uma unidade em construção, sendo que em diversos casos fica evidente a intenção do sócio ostensivo ou de quem a cria, evitar se sujeitar às regras da Lei de Incorporação que tem por finalidade gerar segurança para aqueles que pagam por um apartamento, loja ou sala que ainda não existe.

DESORGANIZAÇÃO E FALTA DE TRANSPARÊNCIA

     O que se constata em muitos empreendimentos de pequeno porte é uma confusão, sendo comum o dono do terreno desconhecer os riscos que corre por ter aceitado a permuta, ou seja, o pagamento do seu bem por meio de unidades que serão construídas numa transação amadora. Em vários casos o gestor nem fez um orçamento do real custo da construção, inexistindo a NBR com a planilha de gastos e o memorial descritivo, falhas essas que geram surpresas como o aumento do valor da unidade prometida.  

     Na obra a preço de custo, o gestor (que na verdade é incorporador e, às vezes, também o construtor/engenheiro) recebe um percentual em torno de 15% do que é gasto (materiais e mão de obra) como remuneração, sendo raramente cumprida a previsão inicial do valor do apartamento e o prazo de entrega. Dessa forma, a alegria do ato da compra se tornar um pesadelo no momento previsto para receber a edificação, sendo comum ocorrer falhas na documentação para regularizar as unidades ou financia-las junto ao banco. Sem a matrícula individualizada é comum ocorrer a desvalorização em torno de 35%.

PROIBIDO VENDER UNIDADE A TERCEIROS

     Nessa estranha transação os participantes não poderão vender a unidade para terceiros antes da obtenção da baixa de construção (Habite-se), pois o novo adquirente poderá reclamar posteriormente e cobrar multa elevada ao descobrir que há irregularidades ou afronta ao artigo 32 da Lei 4.591/64. Surgem tantos problemas que só com muita paciência, orientação jurídica e novos custos o empreendimento é concluído e regularizado. Por falta de profissionalismo para resolver as divergência, em alguns casos uma demanda judicial pode perdurar por décadas, bastando ver os “esqueletos” por toda a cidade.

ANÁLISE DA CONSTRUTORA E DA DOCUMENTAÇÃO

     Ressaltamos que a maioria dos empreendimentos lançados nas grandes cidades, por construtoras tradicionais são legais, devendo o interessado exigir a cópia do registro da incorporação para constatar quem figura como proprietário na matrícula, além de outros documentos necessários para examinar a viabilidade de realizar o negócio.

     De posse dessa documentação e do contrato de promessa de compra e venda, poderá, o comprador, consultar seu advogado especializado para verificar a regularidade da venda, sua segurança, as cláusulas contratuais e demais condições antes de realizar qualquer pagamento. Todavia, tem causado perplexidade a quantidade de pessoas que assinam contratos sem ler, refletir e fazer cálculos, pois realizam negócios contando apenas com a sorte.

Belo Horizonte, 26 de agosto de 2021

 
Esse artigo foi publicado no Jornal O Tempo.

 

Kênio de Souza Pereira

Advogado e Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG

Vice-presidente da Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB Federal

Conselheiro do Secovi-MG e da Câmara do Mercado Imobiliário de MG

Diretor da Caixa Imobiliária Netimóveis

kenio@keniopereiraadvogados.com.br